Agostinho Lopes
Depois das formalidades com o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa
em que o país ficou a conhecer a composição do Governo – os nomes e as caras dos
ministros e secretários de Estado –, foi a CIP, ou seja, o grande capital, quem, em
matéria programática, deu posse ao Governo. Isto é, determinou as grandes linhas do
Programa que posteriormente Montenegro levou à Assembleia da República e
definiu o projecto de acordo que Montenegro levará ao Conselho Permanente de
Concertação Social. Segundo a LUSA, Armindo Monteiro, Presidente da CIP, que
empossou o Programa do Governo numa cerimónia que denominou “conversa
bilateral” “entre uma confederação e o governo”, após referir a “abertura do
Governo”, enunciou a “matéria consensualizada”: “três medidas concretas que estão
(também) plasmadas no Programa do Governo”. Medidas que a CIP há muito tem no
seu caderno de encargos: “a possibilidade de as empresas pagarem um 15o mês
isento de contribuições e impostos, a redução do IRC” e o “incentivo ao
investimento”!
A CIP organizou um Congresso nos dias 21 e 22 de Fevereiro na Alfândega do Porto
sob o lema “Pacto Social. Mais Economia para todos” com a participação de
especialistas do PSD, PS e independentes, para responder a 6 questões: 1) O que está
em jogo nestas eleições; 2) Como fazer crescer Portugal; (3) Como reter talento em
Portugal; 4) A competitividade regional multiplica o crescimento? 5) Menos
impostos, mais economia? 6) É possível aumentar salários sem aumentar a
produtividade? Perguntas pertinentes para uma resposta simples: sim, tudo é possível
à custa do orçamento de Estado e dinheiro dos contribuintes, do bem estar da
maioria dos portugueses e de maior exploração dos trabalhadores! O que ficou
inscrito no Programa Eleitoral do PSD agora vertido em Programa do Governo AD.
Fique-mo-nos pela velha e revelha questão da produtividade.
A treta da produtividade, é uma antiquíssima cassete de Ferraz da Costa o 1o
Presidente da CIP, que depois foi sendo mastigada e repetida à saciedade pelos que
lhe sucederam! É o que os nossos irmãos brasileiros chamam “conversa para boi
dormir”. É também uma treta e pregação de PS, PSD e CDS há mais de 40 anos,
com o resultado que sabemos: temos dos salários mais baixos da Europa. A lenga-
lenga está toda na resposta da CIP à 6a Pergunta: “Os salários em Portugal são
baixos. (reconhecerem tal é um passo em frente!) A questão que se coloca é a de
como aumentar de forma sustentável os salários sem prejudicar a competitividade
(erro:queriam dizer lucro) das empresas e o seu futuro. Temos de criar mais riqueza
para a poder distribuir (Oh, há quanto tempo não ouvíamos tal prece!). A resposta
está no aumento da produtividade, com concentração de recursos (de quem?) em
políticas públicas (Ah, os do Estado!) com estratégia económica, mas (cautela!) sem
dirigismos económicos que interfiram nas decisões que cabem às empresas (Oh
senhores, quem manda é quem paga, já dizia a Dra M.F. Leite). É necessário
promover uma dinâmica que retire do mercado as empresas que não são viáveis
(atraso linguístico: zombies chama-lhes a UE!) e estimule o crescimento de novas
empresas (Oh que falta de fé na mão invisível do mercado! Mas então para que
servem a Lei da Concorrência e a Autoridade da Concorrência??? É preciso uma
ajudinha do Estado? Ai estes liberais de trazer por casa...) e o aumento de escala do
tecido empresarial: precisamos de mais empresas de grande dimensão (mas o que
impede o sacrossanto mercado e a concorrência e a competitividade de acelerar a
concentração do capital? Não é nisso que “trabalha” o mercado único europeu? E
a Direcção Geral de Concorrência, e a Comissária Europeia para a Concorrência,
Sra Margrethe Vestager?). É extraordinário que a CIP, o capital, só enxergue medidas
do Estado, políticas públicas: “fiscalidade”, “o ambiente regulatório” “custos de
contexto” “reforma do Estado” e nada diga sobre o investimento próprio das
empresas (naturalmente com o sacrifício dos dividendos). Então não é preciso fazer
subir o stock de capital líquido por trabalhador – em queda desde 2013 (1)? Nada
sobre o papel da qualidade de gestão empresarial portuguesa... Nada sobre as
consequências da estrutura sectorial do tecido económico do país, com a divisão de
trabalho imposta pela UE, com consequências no valor agregado da produtividade?
Nada quanto à questão da predação monopolista/oligopolista dos sectores de bens
não transaccionáveis (incluindo a banca e seguros) sobre os sectores
transaccionáveis, isto é a generalidade dos sectores produtivos e das micro, pequenas
e médias empresas. (2) Porque será?
Porque não há uma palavra sobre as consequências dos estudos de fóruns, conselhos,
grupos de trabalho, alguns oficiais, custando meios financeiros e recursos humanos
sobre o tema produtividade? Por exemplo, o promovido pelo CES, coordenado por
Fernando Alexandre, agora Ministro da Educação? Os trabalhos do Conselho para a
Produtividade criado pelo Ministro Centeno e o Ministro da Economia Cabral por
Despacho de 20 de Março de 2018? Os resultados do Fórum para a Competitividade,
dirigido por Ferraz da Costa desde 1994 e... Pura perda de tempo e dinheiro!
Mas as perguntas da CIP merecem outras perguntas.
-Porque razão há um fosso que se alargou progressivamente desde 1999 (entrada no
Euro) segundo dados da AMECO entre o crescimento da produtividade do trabalho e
a evolução dos salários reais? Então para já, o que parece fazer sentido, segundo a
teoria da CIP e do Governo, é começar por colmatar esse fosso, aumentando os
salários! (3)
-Porque razão, se o que deve comandar o valor dos salários é a produtividade, os
trabalhadores portugueses de multinacionais como a AutoEuropa/Wolksvagen ou a
PSA/Mangualde, mesmo ganhando mais que a generalidade dos trabalhadores
portugueses, não têm salários idênticos aos dos seus camaradas das unidades desses
Grupos na Alemanha ou na França?
-Porque razão países com níveis de desenvolvimento económico, mesmo medidos
pelo PIB/Capita e produtividade do trabalho, iguais ou ou piores que os nossos, caso
da Grécia, tem níveis salariais superiores a Portugal?
-E a questão central: de quem é a responsabilidade, quem tem nas mãos o poder de
alterar a produtividade? De tomar as medidas para promover a subida do seu valor?
A entidade patronal responsável pela gestão e organização empresarial, do processo
produtivo ou o trabalhador? É da gestão que depende a decisão de investir! Estudo
de empresa especializada em Portugal diz que a “qualidade da gestão responde por
mais de 50% do GAP (da diferença) da produtividade de Portugal face a outros
países.” «Este o busílis da questão, nunca questionado pela CIP e C.ia. Então o
salário deve ficar à espera que o patrão tome as medidas para melhorar a
produtividade ou a sua subida funciona como uma aguilhão a pressionar o patrão a
tomar as decisões adequadas? Aumentar o salário é uma importante medida para
fazer crescer a produtividade – um especialista residente no estrangeiro questionado
sobre que recomendações daria a Portugal e aos seus empresários e gestores,
respondeu: “Para aumentar a produtividade, temos de ter pessoas motivadas e pagas
justamente”. Como é natural e de simples bom senso.
É assim que se espera que muito rapidamente os que acharam e fizeram muita
pilhéria com a afirmação, no decurso da campanha eleitoral, do Secretário-Geral do
PCP Paulo Raimundo “Para aumentar salários é preciso... aumentar salários”, achem
agora mais piada ao consenso da CIP e do Governo AD/Montenegro de que “Para
aumentar salários não é preciso aumentar salários”! Basta aumentar a despesa do
Estado em incentivos ao capital ou diminuir a receita do Estado (incluindo da
Segurança Social) com benefícios fiscais ou redução do IRC! Ou mesmo o falso
aumento de salário, que seria assim denominar a redução do IRS...mesmo se é
necessário uma redução da carga fiscal sobre o trabalho (não a que propõe o
Governo Montenegro).
Há cerca de 200 anos Marx, no “Salário, Preço e Lucro” esclareceu que a forma
certa de aumentar salários é através dos lucros... Ora, 2022 e 2023 são anos
gloriosos para os lucros do sector empresarial português. Em 2022 bateram-se todos
os recordes em relação a anos anteriores, 45 mil milhões de euros, e para 2023, os
dados conhecidos mostram que ainda podem ser melhores, sobretudo para as
grandes empresas e os maiores grupos económicos. Parece haver folga para
aumentar salários, sem ir ao bolso dos contribuintes.
(1) CES, 2023, “Parecer de Iniciativa sobre a Produtividade e Qualidade do
Emprego”, Relator Vice-Presidente Fernando Alexandre.
(2) Muito justamente considerado por Vítor Bento “O Nó Cego da Economia” em
2010, mas ainda não era Presidente da Associação Portuguesa dos Bancos”.
(3) Ver Paulo Coimbra, Ladrões de Bicicletas, 28MAR24; o que é inteiramente
confirmado por recente trabalho da OCDE “que mostra que em Portugal os salários
reais evoluíram a um nível sempre inferior ao da produtividade desde o início do
século” – “o indicador calculado pela OCDE (...) exclui sectores primários e o
imobiliário para evitar distorções”, Jornal de Negócios, 15ABR24.
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