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12 de abril de 2024

Escrito na pedra

 Agostinho Lopes

O discurso (ou sermão) do novo 1.o Ministro Montenegro na tomada de posse

do Governo foi de uma cristalina clareza na escuridão da estratégia que tem

elaborada e armazenada.

Se havia dúvidas, ou alguém de boa fé estava enganado, as suas palavras

enquadradas pelo contraponto do Presidente Marcelo, não deixaram dúvidas ou

lugar a enganos, a não ser aos que tapam os olhos para não ver... e ao que se

percebe há bastantes! Três cenários estão desenhados.

O primeiro é o mais improvável, mas anda por aí... aconselhado também por

gente do PS. O PS aceita o papel de parceiro menor de outro bloco central – há

quem lhe chame «bloco central informal» (1) –, mesmo proclamando urbi e

orbi ser o «líder da oposição». Montenegro por aí irá, de pé atrás, mas sempre

preparado para outras duas saídas.

Não parece ser boa ideia para o PS, mesmo se a possibilidade de ter o PSD na

mão ser encantatória para, em momento oportuno, sacudi-lo borda fora. Terá as

vantagens de que o novo Governo PSD, com as velhas ideias do PS, lhe tire

algumas castanhas do lume, tapando inclusive buracos abertos por Costa e c.ia

e ficando com os custos de tais operações, enquanto o Chega engorda e encurta

mais o PSD! Mas também desvantagens: ficar demasiado encrustado, agarrado

a soluções do PSD e pagar por isso uma factura elevada. Não estarão

esquecidos que após um casamento assim (embora em posição relativa inversa)

vieram as maiorias, incluindo as absolutas de Cavaco Silva!

Mas dois outros caminhos estão em cima da mesa – Montenegro sinalizou, e

não só agora, por cá o «não é não», enquanto nas ilhas, ao que parece, o não é

sim. Para que o PSD e Montenegro possam cumprir o «Programa que os

eleitores sufragaram» (é evidente que toma a parte pelo todo: quem o sufragou

foram 1.814.021 eleitores, 28,02% – pouco mais de um quarto – dos que

votaram!), Montenegro acha que os outros partidos devem fazer seu o seu

Programa eleitoral, e abrir de par em par as portas ao seu governo! (Nem a

Constituição da República nem nenhuma democracia parece indiciar tal

imperativo!) Assim avançará com «soluções» que demagogicamente assumiu,

que responderão em parte, muito parcialmente, a reclamações e situações

agudas deixadas pelo PS, tanto quanto possível delimitadas e enviesadas na sua

concretização em dois grandes grupos: a satisfação no imediato do grande

capital com a redução dos seus impostos – ver baixa do IRC e a quem se vai

aplicar –, com uma nova e favorável repartição dos dinheiros do PRR (vai usar

a chantagem dos prazos de execução), com a privatização por


concessões/cheques de serviços público a serem prestados por transferência

para serviços privados (saúde, ensino, etc.) com o argumento de responder a

urgências inadiáveis, com a acentuação das lógicas de mercado na resposta ao

problema habitacional, favorecendo a especulação imobiliária e com mexidas

na legislação laboral com a justificação do costume (ver solicitações de

associações patronais). Este grupo de respostas terá a sustentá-lo a «forte» mas

fraudulenta argumentação de pôr o país a crescer, da necessidade de um

elevado crescimento económico, para reforçar a capacidade financeira do

Estado (com «contas certas») e das empresas para responder às outras

promessas feitas a outros grupos profissionais e sociais. Branco é galinha o

põe.

O segundo grupo de «soluções» terá, para lá de algumas migalhas iniciais, a

resposta de um faseamento, atirando a sua finalização para o fim da

Legislatura. Argumento: dar tempo ao crescimento económico sem

desequilíbrios na gestão orçamental – nada de aceitar encargos públicos

regulares sem receitas regulares (isto enquanto alivia fiscalmente o capital!).

Procurará criar com as promessas apenas iniciadas na sua concretização (mas

incumpridas) um ambiente de euforia sabiamente animado pela comunicação

social dominante e os améns das grandes confederações patronais (agora é que

vai ser... mais investimento, mais produtividade, mais exportações, mais

habitação... mas depois de amanhã!), travando os «protestos» (e crescimento)

do Chega que terá pouco para protestar – ver programa do Pacheco Amorim (2)

– e exibindo as dificuldades de responder a tudo o que as malfeitorias do PS

(muitas vão ser exibidas como novidade!) causaram e causam aos portugueses.

Argumentará com as novas regras orçamentais da UE, com a crise nos nossos

mercados externos e os constrangimentos da geopolítica e da guerra.

Aliás, ainda a procissão não tinha saído da igreja e já o prior alertava de que a

ideia de que vamos resolver tudo porque temos os «cofres cheios» era

«perigosa», era «errada» e era mesmo «irresponsável» (3). No que foi

secundado pelo padre pregador um dia depois: «As limitações orçamentais

existem e exigem a todos – governantes e outros actores políticos – terem uma

consciência e sentido de cumprimento desses limites», anunciando que o

Governo vai esclarecer os portugueses sobre «as disponibilidades orçamentais

que existem (4)». O Expresso tirou a inevitável conclusão: «Governo trava

expectativas e pede tempo». Boa vai ela, para os portugueses que pensaram que

com Montenegro no Governo era «atar e pôr ao fumeiro». Não, primeiro ainda

vamos criar o porquinho... e depois logo se vê!

E se o PS ou o Chega não lhe viabilizarem os OE aí teremos a vítima exposta,

de corda ao pescoço, disposta à degola, sem poder trabalhar para o

bem/salvação dos portugueses, procurando repetir o teatro de Cavaco e Costa


em busca da maioria absoluta e que tão bons resultados deu, como sabemos

hoje! Se as sondagens, após beneméritas obras pró-capital e obras de

beneficência para os pobres e necessitados, e muitas promessas não

concretizadas por oposição dos malandros da oposição – nem (sabem) governar

nem deixam governar – forem de bons augúrios, e não é difícil que aconteça,

salvo manobras e campanhas maliciosas no interior e acontecimentos

extraordinários no exterior, será por aí que Montenegro vai, na busca da

almejada maioria absoluta, julgando que assim também limitará e sangrará o

Chega.

Se as sondagens não derem luz verde no semáforo para essa via, então, mesmo

com algum sacrifício de imagem, há uma autoestrada à disposição, onde poderá

ser construída de raiz, e consolidada com bons alicerces, toda a política de

direita, e mesmo ir além da troika (PSD, CDS, PPM), com a cooptação do

Chega! É fácil a reformulação do «não é não»: o PS (a «esquerda») fez o

«bloqueio democrático», não o «deixou trabalhar», inviabilizou que o PSD/AD

cumprisse o seu programa eleitoral, contrariamente ao que tinha dito durante a

campanha eleitoral. Alterado o quadro político em que pronunciou o

pleonasmo, resta o Chega. Assim, para permanecer fiel aos eleitores, dirá o

PSD: lá terá que ser o Chega!

A única dúvida agora é se esta estratégia já está ou não acordada com o Chega.

Mas pode não estar. O parceiro é de (elevado) risco e tem muita prosa, como

foi visível naquela balbúrdia da eleição do Presidente da AR. Mas já se tem

visto teatro mais conspirativo e encenação de manobras de diversão mais

criativas!

Seria de espantar que bem encenada esta peça não tivesse as palavras

adequadas e justas daqueles que fizeram cruzes sobre a boca e ameaçaram com

o fogo do inferno quem assim procedesse. Mas as almas são muito temerosas

das perdas de poder, votos, sinecuras. E assim a absolvição, mais cedo que

tarde, chegaria, e nem água benta precisaria. Nascida a criançola, nem sequer o

Sr. Presidente da República se atreveria em nome da santa estabilidade e

governabilidade a pôr em causa o seu sucesso. A bem da nação.

Isto fica escrito na pedra. Mas para lá do direito a traçar cenários, também

haverá sempre um cinzel para reescrever a história pós-10 de Março. A força do

povo português já a reescreveu algumas vezes, como bem sabemos.

(1) Manuel Carvalho, «A arrogância não é exclusivo das maiorias», Público,

04ABR24.

(2) Em recente artigo no Sol, 29MAR24, «O Chega veio para ficar», Pacheco

de Amorim enumera aspectos centrais do programa do Chega: «Alterar

profundamente a máquina do Estado (...)»; «Alterar profundamente as políticas

públicas de Saúde, Educação, Segurança Social (...)»; «Retirar o Estado de


onde não deve estar para reforçar onde ele é indispensável é devolver aos

portugueses a liberdade perdida (...)» (leia-se: tirar da saúde, educação,... e pôr

na polícia...), e «Finalmente, a baixa acentuadíssima de impostos (...)».

(3) Luís Montenegro, na tomada de posse do Governo AD.

(4) Ministro Leitão Amaro, no encontro com os OCS após o primeiro Conselho

de Ministros.

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