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2 de junho de 2024

Sim , eles querem o euro , querem o federalismo e nem sequer o querem pagar

 Adoptaram o marco com o nome de euro ---Neste momento não estamos numa crise aguda do euro mas os desequilíbrios mantêm - se e vão aparecer mais à frente ... Nessa altura talvez Soromenho Marques constate que com tais desequilíbrios a sua União Politica e o respectivo orçamento robusto compensador nunca poderá ser aceite pela Alemanha, Uma das provas do "  algodão "  está nos valores da TARGET ... sistema de pagamentos entre bancos centrais e outros ...

QUATRO RAÍZES PODRES NO JARDIM DO EURO 

Viriato Soromenho Marques - DN

Um momento alto da campanha eleitoral para o PE foi o debate na RTP, gerido competentemente pelo jornalista Carlos Daniel. Ficou patente como, 22 anos depois da entrada em circulação do euro, a maioria esmagadora da nossa elite política, mesmo depois da dolorosa provação da troika, aceita o atual modelo de funcionamento da União Económica e Monetária (UEM), com o seu regime de soberania orçamental tutelada e vigiada, como se fosse uma dádiva do céu. 

Convido o leitor a decifrar o amnésico recalcamento sobre os equívocos que levaram Portugal a entrar na primeira vaga da UEM, apesar dos seus erros de conceção. Erros que se continuam a traduzir na existência de uma austeridade estrutural, que contribui para impedir melhor qualidade de vida e menor desigualdade. 

Aspetos determinantes da nossa soberania económica foram sacrificados com entrada na Zona Euro (ZE). Em particular, prescindiu-se da capacidade de, em emergências, adotar uma desvalorização cambial que permita, no mesmo gesto, tornar mais competitivas as exportações nacionais e desencorajar as importações. Prescindiu-se ainda da capacidade de gerir a taxa de juro e de evitar bancarrotas, na sequência de pânicos nos mercados, através da política monetária. 

Com a crise do euro e a intervenção da troika percebemos como é dolorosa a alternativa que nos foi imposta de desvalorização interna: diminuir salários, aumentar o desemprego, aumentar a carga fiscal, e cortar despesa pública até se reequilibrarem as contas externas.

Apesar da escassa discussão nacional, nos Anos 90, em torno da UEM e do euro, importa recordar os economistas e juristas que, numa perspetiva de interesse nacional e competência técnica, ultrapassaram as barreiras partidárias, aconselhando prudência, contra o prevalecente europeísmo voluntarista. Saliento, de entre eles, o comunista Joaquim Miranda da Silva, mas também personalidades de orientação mais conservadora como João Ferreira do Amaral, Paulo Pitta e Cunha, o então jornalista Paulo Portas e Vasco D’Orey(1).

Vejamos quais os quatro erros da UEM que continuam a repercutir-se nas dificuldades nacionais, acentuando também a desfiguração do projeto europeu.

§1. O erro das prioridades invertidas. A ZE colocou o carro à frente dos bois. Todas as uniões monetárias que funcionaram começaram por ser uniões políticas. Antes de uma moeda comum, as uniões devem ter uma Constituição e um Governo comuns, separando as competências dos dois sistemas de Governo (o da União e o dos Estados-membros). Foi assim nos EUA, com a Constituição Federal escrita em 1787, que antecipou em muito a união monetária do dólar e a estabilização de um banco central (que só ocorreria em 1913). Também na Alemanha bismarckiana, a unificação e a Constituição políticas de 1871 antecederam a união monetária de 1873 (o Reichsbank virá só em 1876). 

Por outras palavras, avançar para o euro sem existir um contrato constitucional e democrático entre os seus Estados participantes, foi um temerário sacrifício da soberania monetária dos países que a fracassada tentativa de realizar um Tratado Constitucional europeu (2005) cristalizou

Em 1992, o Frankfurter Allgemeine Zeitung publicou um Manifesto de 60 economistas alemães em que estes deram o alerta para o “Perigo para a Europa”, que uma UEM precipitada iria significar. Avisaram países como Portugal: “Os Estados-membros europeus mais débeis enfrentarão uma pressão competitiva crescente sob o regime de uma moeda comum (...), sofrerão um desemprego crescente, em virtude de uma menor produtividade e competitividade. Isto tornará necessário maiores transferências em nome de uma ‘compensação financeira’ (Finanzausgleichs). Como até agora não existe qualquer acordo relativo à estrutura (...) de uma união política, isso significa que estamos desprovidos de um sistema com suficiente legitimidade democrática para regular esse processo.”

Palavras proféticas. Sem união política não pode existir união orçamental, nem transferências com base legal.

Em contraste com a lucidez germânica, por essa altura reinava no “arco da governação” nacional um deslumbramento embriagado com a Europa. Em 2000, como governador do BdP, Vítor Constâncio chegou a dizer que com o euro “não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos (...). Ninguém analisa a dimensão macro da balança externa do Mississípi ou de qualquer outra região de uma grande união monetária”.

Já em dezembro de 1992, Freitas do Amaral considerava a UEM como “um seguro da democracia”...(1)

§2. O erro da ausência de um orçamento comum adequado. Mesmo sem um compromisso constitucional de tipo federal, um robusto orçamento comum da UEM - resultante da prévia coordenação das políticas fiscais e económicas dos Estados - seria indispensável para intervir em caso de “choques assimétricos”, que atingissem alguns dos seus Estados-membros, como veio a ocorrer em 2008 e depois.

É difícil chamar orçamento aos atuais magros 1% do PIB conjunto dos 27 países da UE. A ausência de um verdadeiro orçamento (que já em 1977, no Relatório MacDougall, encomendado pela Comissão Europeia, se aconselhava dever ser no mínimo de 5 a 7% do PIB comum) impede que se possam ativar políticas de convergência, ou compensatórias da necessidade de contração da despesa pública de Estados ou regiões em fases críticas. O Mecanismo Europeu de Estabilidade, ou o PRR, são substitutos grosseiros e ineficazes dessa falha matricial.

§3. O erro de um banco central hemiplégico. Um banco central deve ser capaz de financiar diretamente os Estados em caso de necessidade, o que está proibido pelo artigo 123.º do Tratado de Funcionamento da UE (TFUE). Deve ser capaz de zelar pelo pleno emprego, e não apenas pela “estabilidade dos preços” (como restringe o artigo 127.º do TFUE).

O euro foi salvo pelos instrumentos inventados por Mario Draghi, desde 2011, procurando contornar os defeitos estruturais do BCE, permitindo o alívio tanto do setor público, como privado, garantindo também maior estabilidade ao Sistema Financeiro. Milhões de empregos poderiam ter sido salvos, e nenhum resgate teria disso necessário se o BCE tivesse atuado antes de 2011 como um verdadeiro banco central... 

Contudo, instrumentos conjunturais não substituem a falta de uma reforma permanente.

§4. O erro do pendor ideológico. A ideologia torna-se perigosa, quando nos impede de perceber a complexidade da realidade. A ZE, ao tratar os Estados como entidades diabólicas e os bancos como personalidades angélicas, revelou o seu grosseiro preconceito neoliberal. A crise financeira de 2008, propagando-se ao Sistema Bancário Europeu, expôs a deliberada negligência com que os bancos foram entregues a si próprios na ZE. Que se continue a chamar a essa crise, a “crise da dívida soberana”, quando o aumento da dívida pública dos Estados se ficou a dever ao impulso generalizado em toda a UE de salvar os bancos com o dinheiro dos contribuintes, revela bem o pouco que se aprendeu em todos estes anos de dificuldade e angústia.

A tardia União Bancária, em lenta gestação na UE, está muito longe da capacidade necessária para enfrentar uma nova crise financeira global, constituindo uma cópia medíocre da união bancária imposta nos EUA por Roosevelt em 1933.

Salvar o projeto europeu constituirá um milagre. Se ele acontecer será, infelizmente, sem o contributo português.

Nota:
(1) Sobre os debates nacionais em torno do euro ver os meus ensaios: Portugal na Queda da Europa, Lisboa (2014); Depois da Queda (2019). Ambos publicados em Lisboa, Temas & Debates/Círculo de Leitores.

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