O declínio do ocidente não é apenas económico, militar e geopolítico. É também ético. A dupla moral instituída valida os crimes do hegemónico e seus aliados/vassalos. Dizia uma comentadora na CNN: "Por vezes os alvos civis podem ser alvos legítimos. É cínico, mas são as leis da guerra." Convinha esclarecer a senhora que não são leis da guerra, são crimes de guerra.
Quanto a um ataque em Rafah em que morreram dezenas de civis, acrescentou que não sabemos, é dito pela Al Jazeera e haveria um comandante no Hamas escondido. Pelos vistos, como a notícia não é dada por Israel é duvidosa, além disso a "comentadora" ignora a existência da ONU, que denunciou a catástrofe da fome e de mais de 37.500 mortes e 15.000 crianças. A degradação ética de comentadores evidencia-se ao esconderem que Israel, como ocupante é obrigado a proporcionar à população civil ajuda humanitária - para maior escândalo bloqueia o que vem do exterior.
Enquanto os países ocidentais sancionam a China pelo "genocídio" totalmente inventado dos uigures, discutem o inegável genocídio em Gaza e quanto a ser antissemita por criticar as políticas israelitas. Vergonha de quem nega ou desculpa. Eis uma entrevista ao porta-voz do Unicef, James Elder, por Amy Goodman, jornalista de origem judaica.
O chefe da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus, alertou que "Uma proporção significativa da população de Gaza está enfrentando fome catastrófica e condições semelhantes à fome". A agência palestina para refugiados, UNRWA, diz que mais de 50 000 crianças agora precisam de tratamento médico imediato por desnutrição aguda. A equipa médica luta para cuidar de pacientes doentes e desnutridos no meio da destruição da infraestrutura de saúde e do abastecimento de água por Israel.
Operacionalmente, nada mudou no sul de Gaza. Israel tem impedido regularmente que a ajuda chegue aos palestinos em Gaza nos últimos oito meses. As forças israelitas mataram mais trabalhadores humanitários do que em qualquer guerra desde que a ONU foi fundada. Também mataram palestinos enquanto tentavam levar comida de volta para suas famílias, inclusive recentemente, quando dispararam contra um grupo de pescadores em Gaza, matando dois deles. Um dos meus colegas explicou-me que o sogro tinha um negócio de pesca, os barcos foram bombardeados e alvejados por mísseis. O padrasto teve um enfarto na época. De repente, havia um tanque e houve disparos. Em seguida, dois dos pescadores que estavam na praia caíram na areia. Com um colega da OMS, paramédico, ligamos para as autoridades a pedir permissão para ir à praia ver a condição dos pescadores. Foi-nos negado. Pessoas, desesperadas para encontrar amigos e família, trouxeram-nos de volta. Um pescador tinha sido baleado nas costas e outro no pescoço.
O esgotamento físico e psicológico que enfrentam é quase impossível de compreender, a ofensiva israelita é uma "guerra contra as crianças". Estávamos numa missão para levar suprimentos médicos e nutricionais para 10 000 crianças no norte. Passamos por todo o muito complicado processo. Demorou 13 horas, oito horas bloqueios em postos de controle. No final, o acesso foi negado. Não conseguimos fornecer suprimentos para essas 10 mil crianças.
O assassínio de crianças e a destruição de Gaza não pode trazer paz ao Médio Oriente. Estamos num período aterrorizante em que parece que esta situação está a ser considerada normal. Normal quando os bombardeios são incessantes. Obviamente, as crianças também são bombardeadas e isso leva ao tormento psicológico. Há 250 dias, que as crianças passam por isso. O desgaste físico e psicológico que enfrentam é quase impossível de entender, porque, além disso, enfrentam uma crise nutricional. Há também escassez de água, apenas alguns litros por pessoa. Um termómetro numa barraca outro dia marcava 55 graus Celsius. Agora há riscos de desidratação.
Eu tinha números quando estive aqui em novembro, mil crianças amputadas. Não sei o número agora. Mas para os cuidados possam ser prestados, mais passagens teriam que ser abertas, muitas mais passagens. Há meses e meses e meses que falamos sobre isso, Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas. Há evidências de que os caminhões humanitários que chegaram em maio foram metade dos de abril. Estamos a ser catapultados para uma crise nutricional.
Estive no Hospital Al-Aqsa, na zona central. Há crianças no chão que precisam de atenção, apesar dos esforços corajosos e altruístas dos médicos que trabalham 24 horas por dia. Um menino, Ali, dormia na casa da família quando um míssil atingiu. A mãe de Ali também foi afetada por esse ataque à casa da família, encontrei-a no hospital. Ela sabia que Ali estava lá, mas explicou que seus outros dois filhos tinham sido mortos no atentado. Este tipo de experiência acontece todos os dias.
O estado nutricional de uma criança mais se deteriora quanto mais tempo permanecer desacompanhada. Uma criança gravemente desnutrida tem 10 vezes mais chances de morrer de uma doença comum. Mas agora há doenças comuns por causa da falta de saneamento e água. Mas também há grandes riscos para o crescimento físico, crescimento psicológico e desenvolvimento mental.
Viver ou morrer é uma questão de sorte. É uma coincidência aqui, dada a natureza indiscriminada dos atentados.
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