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10 de julho de 2024

 

Antifascismo, de novo

Incrédulos durante um mês. Para que teria querido Macron dissolver a Assembleia e convocar novas eleições? Hoje sabemos de fonte certa (o pai do Presidente garante em entrevista que o filho lhe antecipara a dissolução dois meses antes) que a ideia era apanhar a esquerda desprevenida e dividida e, a dois anos das próximas presidenciais, encenar outro duelo com Le Pen.

A egolatria é tal que Macron não percebeu o que quase toda a gente tinha percebido: um dos fatores centrais na opção de voto dos franceses é a rejeição do Presidente. Antevisto o desastre eleitoral (a coligação que o apoia passou do 1.º para o 3.º lugar na primeira volta, atrás da Nova Frente Popular e da extrema-direita), Macron passou a jogar com o fogo. Le Pen e o seu delfim Bardella que viessem para o governo, que ele, na

Presidência, se encarregaria de dificultar a vida à extrema-direita. O paralelismo histórico com a nomeação de Hitler para a chancelaria alemã, em 1933, é evidente; a tese de então era a de dar o poder aos nazis para “tratar” dos comunistas, deixá-los que demonstrassem a sua incapacidade de governar (como se a sua “competência” fosse essa) e queimar assim a sua popularidade. Viu-se...

O que se conclui, então, das eleições francesas?

1. Que a perceção coletiva da ameaça neofascista tem resposta no antifascismo. Para quem não acredita ou desvaloriza o peso da consciência política (e histórica) do antifascismo, para quem subscreve a retórica da direita que acha que “fascismo” e “antifascismo” são coisas do passado em que só os antifascistas insistem, a lição fica dada! É absolutamente revelador que a extrema-direita e os seus intelectuais orgânicos se empenhem em negar a persistência da cultura fascista no século XXI e em fazer-se passar por coisa nova. Eles sabem que, sem anular a perceção de que são a nova versão do fascismo, a memória antifascista desempenhará a o seu papel. Ela pode não ter funcionado em 2018 contra Bolsonaro, mas está presente nessa forma de consciência democrática que impediu a sua reeleição em 2022. Foi a memória e a consciência antifascista que ressurgiram em Espanha para impedir o PP de governar com o Vox em 2016, 2019 e 2023. É contra ela que batalha o Chega, enquanto vocifera contra “traidores”, ciganos e “imigrantes assassinos”. Os neofascistas dos nossos dias podem, quando fora do poder, procurar simular o que quiserem que a maioria democrática das nossas sociedades sabe bem do perigo de os ver colonizar o Estado, e em particular as forças militares e de segurança, e, a partir do poder, atacar as liberdades cívicas e dos movimentos sociais para, então, construir a sua “nova ordem”.

2. Que o neoliberalismo é, em si mesmo, um gerador sistémico de ataques à democracia. Em sete anos de macronismo, Le Pen nunca deixou de crescer. O calculismo de Macron ia-lhe dando o poder por estes dias. Quem a travou não foram os liberais, foi a esquerda — a mesma que se opôs com força ao ataque aos direitos sociais (pensões, subsídio de desemprego) e que adotou um programa económico que afasta muitas das ambiguidades da social-democracia. Macron é, à escala internacional, a melhor prova das prioridades dos liberais em contextos de

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