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17 de julho de 2024

Em Gaza, vivemos um horror absoluto.

 Ziad Medoukh, professor de francês nas universidades de Gaza, poeta e escritor, decidiu permanecer em Gaza. Eis o que declarou numa entrevista a  Radio France Internationale. "enquanto a polícia dos governos ocidentais prendem por antissemitismo aqueles que denunciam este massacre." (1) Neste texto o professor mostra o que o fascismo é capaz, protegido pela "democracia liberal".

As universidades da cidade foram parcial ou totalmente destruídas pelo exército israelita. Há dias, recebemos panfletos do ar e mensagens nos nossos telefones, enviadas pelo exército de ocupação [israelita]. Antes, pediam para evacuar distrito por distrito, zona por zona. Mas, desta vez, pediram à população da Cidade de Gaza que deixasse a área. Desde quinta-feira, os israelitas retiraram-se dos bairros do leste da cidade, mas continuam as operações no centro e sul da Cidade de Gaza. Nossa única fuga foi para o oeste. Como eu, 90% da população da Cidade de Gaza encontrou refúgio na costa, nos bairros perto do mar. Cerca de 50 000 famílias partiram para o centro de Gaza, mas a maioria, quase 450 000 palestinos, está concentrada no oeste da cidade.

Vivemos um horror absoluto. Fugimos sob as bombas e a ameaça constante de tiros. Estamos cercados. Havia franco-atiradores, aviões militares atacando edifícios e infraestruturas, tanques a uns dois quilómetros disparando. O zumbido dos drones é constante acima de nossas cabeças, eles patrulham 24 horas por dia.

Como estamos na costa, a marinha israelita bombardeia a área, especialmente à noite. Estamos há três dias sem conseguir dormir. Estou no rés-do-chão de um edifício com 120 pessoas. Não há comida. É medo, angústia, preocupação para todos, principalmente crianças, mulheres e idosos. Faz-nos lembrar os primeiros dias da guerra em outubro, com o início da ofensiva militar israelita. Parece que voltamos à estaca zero.

A maioria dos habitantes recusou-se como eu, a mudar para o centro da Faixa de Gaza, porque há postos militares de controle. Ao contrário do que dizem os israelitas, estamos convencidos de que não há um lugar seguro em Gaza. De acordo com famílias que partiram para o centro do enclave, moradores foram assassinados nos postos de controlo do exército israelita, outros foram presos. Ninguém está seguro, por isso as pessoas preferem morrer em casa. Toda a Faixa de Gaza está sob bombas, a situação é horrível.

Na minha opinião, o objetivo número um dos israelitas, com esta nova agressão, é esmagar a vontade e o moral de uma população que resiste, que decidiu ficar, não sair de casa durante quase dez meses. O exército israelita está a vingar-se desta população. O alvo número um são civis, crianças, mulheres, idosos. É raro encontrar militantes (do Hamas) entre os mortos. Israel destrói escolas, mesquitas, universidades, infraestrutura civil, poços de água.

A estratégia de Israel é pressionar a população que frustrou o plano de Netanyahu e seu governo de extrema direita de expulsar os palestinos de suas terras. Apesar da fome, apesar da falta de tudo, da falta de água, eletricidade, remédios, alimentos, apesar das mortes, dos feridos, da destruição maciça, os palestinos ainda estão lá. Eles não vivem. Eles sobrevivem. Estão esperando com muita vontade, determinação, com muita esperança de que haverá uma mudança.

A população aguarda com esperança que as negociações no Egito e no Qatar, cheguem a um cessar-fogo. Enquanto isso, vivemos com medo, angústia, preocupação e, sobretudo, a falta de tudo, a falta de água e comida. As organizações humanitárias já não podem vir. Não há mercados, não há mais centros médicos. Vivemos em bairros devastados, em prédios à beira do colapso. Estamos suportando o insuportável. Não temos escolha, não há lugar seguro, não há lugar para abrigar todos.

Estamos à espera de ver como a situação evoluirá: ou chegamos a um cessar-fogo nos próximos dias, ou o exército israelita continua a guerra, a sua agressão, os seus terríveis bombardeamentos, até à destruição total de Gaza. 

1 - Como aconteceu com  François Burgat, diretor de investigação emérito do CNRS, convocado pela polícia como parte de um procedimento contra ele "por glorificar o terrorismo". Nesta escandalosa repressão, o académico foi colocado sob custódia policial e libertado ao final da tarde. O cientista foi alvo de uma denúncia da Organização Judaica Europeia, que apoia o Estado genocida israelita e promove a repressão aos seus opositores. Nos últimos meses, apresentou dezenas de queixas contra apoiantes da Palestina por "glorificarem o terrorismo".

Fonte: La revue de presse du 15 juillet 2024 | Le Saker Francophone

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