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27 de julho de 2024

Cuidado com os liberais! - 2

 Todd em La défaite de l'occident critica o neoliberalismo (cap.4) para defender o liberalismo. Como disse Ramin Mazaheri: é totalmente absurdo tentar separar os dois, defendendo a “moralidade”. Claro que os liberais, tinham moralidade… se esquecermos os genocídios, as fomes orquestradas, a escravidão, os trabalhadores oprimidos, a ausência de votos para aqueles que não possuíam terras e para mulheres, etc., e etc.

"É afinal a alegação daqueles que se recusam a aceitar que o socialismo é a rutura necessária para as sociedades modernas" - tentando mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma...

Como, Thomas Pickety em "O Capital no século XXI", mostrando que nas sociedades desenvolvidas, o crescimento das desigualdades é uma ameaça à democracia e deve ser combatida através da taxação de fortunas - que as “democracias liberais” proíbem... o que não significa que de vez em quando não falem no assunto.

Alberto Burgio, professor de História da Filosofia na Universidade de Bolonha, autor de obras sobre o marxismo, analisa em Sobre o fascismo e suas metamorfoses a ligação entre o neoliberalismo e o fascismo:

Após 30 a 40 anos de reação às conquistas feitas pelo movimento operário nos 30 anos do pós-guerra, estamos numa fase de "neofasciszação" na maioria dos países ocidentais. A regressão a regimes autoritários, "populistas" (aspas por causa da ambiguidade do termo), pós ou neofascistas em algumas partes da Europa, não deve ser entendida, como um passo em falso mais ou menos episódico, mas como o estabelecimento de uma ordem estável destinada a ser consolidada num futuro próximo.

Em muitos países europeus como a Áustria, Bélgica, República Tcheca, Eslováquia, Holanda, Finlândia, Bulgária, Estónia, Roménia e Portugal registou-se recentemente um crescimento maciço de partidos de extrema-direita, isto sem falar na história recente da Polónia, na enorme audiência eleitoral da direita neofascista em França; em notícias políticas de Espanha, que provavelmente voltará ao pesadelo do franquismo.

A questão deve ser, como sempre, confrontada com quadros analíticos: o que devemos entender por fascismo? Gramsci qualificava-os como regimes focados na construção hierarquias de castas que, estruturam as relações sociais, defendidas militarmente.

Um mal-entendido, tradicionalmente confunde o fascismo com a centralidade da esfera estatal, com sua omnipresença e o crescimento desproporcional de suas prerrogativas. Gramsci entendeu que a função específica atribuída ao Estado e às instituições políticas é, pelo contrário, a decisiva: a qualidade, e não a quantidade, da intervenção política do Estado.

Ao contrário das aparências, o fascismo não exaltou o Estado, fê-lo desaparecer na função pública de proteção de direitos, administração impessoal de recursos, inclusão e reconhecimento de interesses. O fascismo foi a privatização do Estado, sua submissão ao poder social dominante, o uso da força militar ao serviço do interesse privado. O anti-Estado fascista era, na realidade, uma agência funcional para a destruição da esfera pública. Isso revelou, a Gramsci, a conexão entre fascismo e liberalismo, que unidos por uma conceção privatizadora das relações sociais, a consequente sacralização da propriedade privada e o estabelecimento de hierarquias sociais. Encontramos no panorama político-social das nossas sociedades e na lógica das relações entre as diferentes regiões do mundo, essa mesma lógica hierárquica, privatizadora e de exclusão.

Apenas alguns exemplos: a luz verde dos parlamentos para "missões" e "guerra humanitária" ou "democrática", pela qual redesenham o equilíbrio de poder a nível global; os tratados europeus que constitucionalizaram uma ordem oligárquica sob o signo do neoliberalismo; as normas que sancionam a soberania económica e fiscal através das agências de notação e dos grandes grupos privados transnacionais; "reformas" eleitorais e regulamentos parlamentares que transformaram os parlamentos em órgãos de ratificação; emendas constitucionais e leis ordinárias conduzindo progressivamente à privatização de funções e serviços públicos; a submissão da investigação científica aos interesses do capital privado; a precarização do trabalho.

Ao questionar certezas que se mostraram infundadas, devemos, em vez disso, começar a pensar que não é por acaso, nem por exceção antinatural, que o desenvolvimento capitalista e a regressão autoritária andam de mãos dadas; que se, felizmente para todos nós, o fascismo perdeu a Segunda Guerra Mundial, sendo que o resultado oposto poderia ter engendrado uma Ordem capaz de resistir a longo prazo - como o franquismo e o salazarismo resistiram por pouco menos de quatro décadas. (fim dos excertos de Alberto Burgio)

De Espinoza, que Marx e Engels muito admiravam, uma frase que nos parece perfeitamente alinhada com o marxismo e simultaneamente a negação da liberdade abstrata do liberalismo: “Chamo livre a um homem na medida em que vive sob a conduta da razão, porque é  determinado a agir por causas adequadamente conhecidas através da sua natureza, ainda que essas causas o determinem necessariamente a agir.” (Tratado Político”. É o que a esquerda, consequente nos seus princípios, designou por consciencialização das massas proletárias...






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