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19 de julho de 2024

O Ocidente perdeu a Rússia e também está perdendo a Eurásia

 A Rússia através de Sergei Lavrov, disse aos Estados Unidos: "Não estamos mais em paz", responsabilizando os EUA pelo "ataque (com bombas) de fragmentação" numa praia da Crimeia num domingo, que deixou vários mortos (incluindo crianças) e muitos feridos. Os Estados Unidos "tornaram-se, assim, uma parte interessada" na guerra por procuração na Ucrânia: foi um ATACM fornecido pelos Estados Unidos, programado por especialistas americanos e usando dados americanos. O secretário de Defesa dos EUA ligou para seu homólogo russo: "Os Estados Unidos lamentam a morte de civis; os ucranianos tinham total latitude para atacar".

A opinião pública russa está francamente furiosa. O Ocidente "perdeu" a Rússia" muito mais profundamente do que pensamos. 

Putin, na sua declaração ao Conselho do Ministério das Relações Exteriores indicou que a gravidade da situação exigia uma oferta de "última chance" ao Ocidente, uma oferta que não seria "um cessar-fogo temporário que permitisse a Kiev preparar uma nova ofensiva, nem um congelamento do conflito, mas sim o final da guerra". Sendo que a única maneira credível de acabar com a guerra na Ucrânia seria um acordo de "paz" resultante de negociação entre a Rússia e os Estados Unidos.

Moscovo tem algo muito mais radical em mente. A Rússia e a China não se dispõem a esperar pelos caprichos do Ocidente, mas planeiam reverter completamente a arquitetura de segurança global: criar uma arquitetura alternativa para o "vasto espaço" da Eurásia, forçando "atores externos" a limitarem a sua hegemonia no continente.

Os países euroasiáticos estão unindo esforços para combater as reivindicações dos Estados Unidos de hegemonia global e a interferência do ocidente nos assuntos de outros Estados da Eurásia, transferindo a infraestrutura da NATO para a Ásia, realizando exercícios conjuntos e criando novos pactos, disse Lavrov no Fórum Primakov.

Esta é uma luta geopolítica, pode durar muito tempo – e talvez não vejamos o fim deste processo. No entanto, é um facto que a tendência para controlar tudo o que acontece em todo o lado a partir do oceano é agora contrariada pela tendência para unir os esforços dos países euroasiáticos. (Lavrov)

Maria Zakharova, explica sobre a nova arquitetura de segurança: "não apenas garantirá uma paz duradoura, mas também evitará grandes convulsões geopolíticas devido à crise da globalização, construída de acordo com os modelos ocidentais. Criará garantias político-militares confiáveis para a proteção da Federação Russa e de outros países da macrorregião contra ameaças externas, criará um espaço livre de conflitos, favorável ao desenvolvimento, eliminando a influência desestabilizadora de atores extrarregionais nos processos euroasiáticos. Isso significará reduzir a presença militar de potências externas na Eurásia."

O presidente honorário do Conselho Russo de Política Externa e de Defesa, Sergei Karaganov, (em entrevista recente): Infelizmente, caminhamos para uma verdadeira guerra mundial. As bases do velho sistema mundial estão entrando em colapso e conflitos vão eclodir. É preciso bloquear o caminho que leva a essa guerra... Conflitos estão sendo preparados e ocorrendo em todas as áreas. A ONU está à beira de desaparecer no comando do aparelho ocidental e, portanto, é irreformável. Acho que devemos construir sistemas paralelos, expandindo os BRICS e a OCX, desenvolvendo sua interação com a ASEAN, a Liga dos Estados Árabes, a Organização da Unidade Africana, o Mercosul Latino-Americano, etc. Em geral, queremos estabelecer um sistema multilateral de dissuasão nuclear no mundo. Devemos confiar mais na "dissuasão nuclear – medo que inspira respeito".

A política nuclear é uma questão controversa na Rússia de hoje. Alguns argumentam que uma doutrina nuclear russa excessivamente restritiva pode ser perigosa se fizer com que os adversários se tornem indiferentes ao efeito dissuasor, ignorando a sua realidade.

Outras "etapas de escalada" estarão no centro das discussões na cimeira dos Brics+ em Khazan, em outubro. De facto, uma arquitetura de segurança não é apenas "militar". A agenda inclui questões comerciais, financeiras e de sanções. A simples lógica de inverter o paradigma militar da NATO para um sistema de segurança euroasiático alternativo significa que ao inverter o paradigma de segurança ocidental, o mesmo deve acontecer com a sua hegemonia financeira e comercial.

A desdolarização está na ordem do dia e devem ser revelados mecanismos concretos em outubro. Embora o ocidente se sinta livre para sancionar a Eurásia como quiser, também é possível que a Eurásia sancione os Estados Unidos e a "Europa".

Nós "perdemos" a Rússia. E poderemos perder muito mais. A visita de Putin à Coreia do Norte e ao Vietname deixa claro o contexto do projeto de arquitetura de segurança da Eurásia.

Fonte: Cultura Estratégica

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