Rui Pinto
Ouvi
três argumentos -todos devidamente falaciosos- para tentar justificar o
ataque pseudojornalístico do apresentador de telejornais José Rodrigues
dos Santos (JRS), contra Paulo Raimundo e o PCP (RTP, Telejornal de
segunda-feira, 24-03-2025) que originou mais de um milhar de
reclamações/queixas dirigidas em 24 horas à Provedora do Telespectador.
Proponho-me demonstrar porque são falaciosos esses argumentos.
1º
A insustentabilidade da posição do PCP na questão ucraniana (alegada
pelo diretor de um jornal). É falacioso porque o PCP vem desde antes de
2014 alertando para o que se estava a passar e que, no limite,
resultaria na tragédia belicista para que a elite imposta por um golpe
de Estado ocidental em Kiev arrastou o povo do seu país, com as
confessas indução e falsas promessas das administrações norte-americanas
e europeias. Não existindo por parte do PCP qualquer apoio, explícito
ou implícito, à intervenção militar russa de 2024, o que seria, aliás,
despiciendo para o rumo das coisas e da própria entrevista onde,
sublinho, o nome da força política eleitoral dirigida pelo entrevistado
(CDU) nunca foi mencionado.
2º A liberdade de
critério editorial do jornalismo e do jornalista (alegada por um
jornalista/comentador). É falacioso por duas ordens de razões. 1) porque
a iniciativa editorial da RTP foi a de entrevistar os dirigentes
políticos das forças parlamentares concorrentes às eleições sobre essas
mesmas eleições e a situação política do país, designadamente no plano
programático. Assim o indica o próprio material cénico em estúdio que
serve de fundo a essa opção editorial e 2) porque a entrevista é um
espaço desigual em que o entrevistador dispõe do poder da pergunta e o
entrevistado se encontra condicionado à obrigação subalterna da
resposta, que pode dar enfrentando a questão (como fez Raimundo) ou
fugindo-lhe (como fez Nuno Melo, sobre a questão de um arguido poder, ou
não, ser “primeiro-ministro”). Em qualquer dos casos, ao entrevistador
não cumpre desfigurar o género jornalístico "entrevista", passando a
outro, o de "debate", neste caso com o entrevistado que o é para poder
explanar a sua posição e não para ser magnificado ou menorizado pelo
entrevistador, sob a forma de uma amena cavaqueira ou de um
interrogatório policial (variando neste o papel do entrevistador entre
“polícia bom” ou “polícia mau”).
3º JRS faz
questionamentos ideológicos aos seus entrevistados que conseguem ou não
dar-lhes respostas convincentes. Este foi esgrimido pelos “liberais” que
alegam o brilhantismo de um seu dirigente ao explicar ao mesmo
entrevistador como o capitalismo é bom. Pois, sim, teve este
entrevistado de explicar a bondade do sistema de pirataria geral que
originou a formação do capitalismo mercantil? Teve de explicar a sua
intensificação através da escravatura até finais do século XIX e depois
da exploração semiescrava até à morte do trabalho assalariado, pelo
chamado “capitalismo selvagem”? Teve de explicar a agudização das
desigualdades sociais no chamado processo de globalização em que
intervêm duas guerras mundiais, um par de bombas atómicas sobre civis no
Japão e um sem-fim de guerras locais pela rapina dos recursos coloniais
e pós-coloniais? Não, não teve. Teve a liberdade para passar a outros
assuntos relacionados com a origem da sua presença na televisão? Sim,
teve.
É por isto que são falaciosos os argumentos
da liberdade, da defensabilidade das ideias políticas (que nunca são
confrontadas em igualdade de circunstâncias) e dos debates ideológicos
que, em televisão, pela própria natureza do médium (“dez minutos
para…”), só podem ser incluídos na categoria do que Bourdieu designava
por “debates falsamente verdadeiros” em complementaridade com os
“verdadeiramente falsos” (futebol e quejandos…).
Tudo
isto se pode ensinar e aprender nos bancos da escola. Que jornalistas e
outros actores políticos não o saibam ou finjam que o não sabem, só
demonstra a sua ignorância no melhor dos casos. No pior, a sua
solidariedade ideológica e má-fé corporativo-amiguista da qual, claro,
pode a qualquer momento resultar (mais) uma benesse concedida por quem
detém a propriedade das palavras e das coisas e assim nelas manda
arbitrária e discricionariamente. É por tudo isto que se trata de
falácias, ou seja, argumentos que parecem ser bons, mas não são.
A
coisa pode ser ainda mais aprofundada, mas alongaria excessivamente o
texto, ganhando o aspeto de ensinar o pai-nosso ao vigário, tarefa de
que, sem qualquer sobranceria, me sinto civicamente dispensado.
Deixo
na imagem, tomada do meu amigo João Fraga de Oliveira, um esclarecedor
texto de Viriato Soromenho Marques, que nos ajuda a perceber estes
assuntos sem precisarmos de explicador e de que extraio este fragmento:
“““Uma das mais dolorosas aprendizagens durante estes mais de três anos
de guerra na Ucrânia tem sido a de confrontar-me com o trágico declínio
da honorabilidade académica e do brio intelectual, tanto nas
instituições universitárias como nos meios de comunicação social”.
Já não se lhes pede que sejam homéricos. Bastaria que não fossem intelectualmente desonestos!
Sem comentários:
Enviar um comentário