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1 de março de 2025

Reações à reunião na sala Oval

UMA LIÇÃO DE DEMOCRACIA
O que hoje se passou em Washington é um exemplo para todo o mundo. Os hipócritas de todo o mundo estão alarmados. Os acordos nas costas do povo, a invocação de valores que nunca cumprem e que somente servem como arma de propaganda têm os dias contados.
Quando se ouve falar esta nomenclatura europeia, covarde e hipócrita, é preciso fazer um grande esforço para admitir que eles não vivem num mundo irreal. Infelizmente, apesar do que já se está a passar e do que aí seguramente virá – uma crise de proporções catastróficas de que a Alemanha é já um bom prenúncio -, eles continuam a ter a aprovação tácita da maioria dos eleitores, que, também eles, acordam sempre tarde quando um cataclismo se aproxima. 
Mas voltemos ao que interessa: doravante acabaram as conclusões inferidas a partir de suposições ou de percepções, as manipulações cuidadosamente preparadas. A realidade está à vista de todos. J. D. Vance já tinha advertido em Munique. Os velhos processos, as trafulhices, o desrespeito pela vontade popular estão a chegar ao fim. Outro tempo está a nascer, outro tempo virá. 
Hoje, tivemos oportunidade de ver Zelensky a mentir descaradamente sobre o que se passou em 2014 e o que se passou depois, em 2022. E tivemos também a felicidade de assistir ao vivo – imagens que ficarão para a posteridade – ao resultado do que tem sido a política internacional dos democratas americanos, desde o fim da Guerra Fria e das mudanças que lhe estão sendo introduzidas, deixando completamente desarticulada a cabeça dos seus fiéis apoiantes e servidores.
Posso orgulhar-me de dizer que nada disto é novidade. Assisti, como toda a gente, à política perversa de Clinton em relação à Rússia, ainda o corpo da extinta URSS não tinha arrefecido, já Clinton com o auxílio das instituições financeiras internacionais dominadas pelos Estados Unidos (FMI; BM; devidamente acolitados por experts do Departamento de Estado) estavam a pôr em prática um plano que, na pior das hipóteses arrumaria a Rússia por 50 anos, e na melhor levaria à sua inevitável desagregação, com base numa estratégia económica magistralmente descrita por J. Stiglitz, vice-presidente do Banco Mundial, economista-chefe de Clinton e Prémio Nobel da Economia, articulada com uma política militar que passava, como passou, por insuflar vida à NATO, então em articulo mortis, mediante um estruturado plano de cerco à Rússia, disfarçado com a vergonhosa artimanha da “Parceria para a Paz”.
Assisti, como toda a gente, à continuação desta estratégia por George Bush (filho), no que respeita ao avanço da NATO para Leste, então levada a cabo num contexto económico diferente resultante da chegada ao poder de um governante – Vladimir Putin – que, compreendendo muito bem o que se estava a passar no plano económico e militar, começou por restaurar a economia, pondo, ao serviço dos interesses da Rússia,  os oligarcas criados pelo escandaloso saque do património colectivo, apoiados pelos Estados Unidos e pelas instituições de Bretton-Woods, para “facilitar a transição de um regime colectivista para um regime de mercado livre e de iniciativa privada”, o que, em última instância, levou a que a Rússia fosse gradualmente adquirindo a sua autonomia, e passasse a ter poder para no plano militar tentar impor certas “ linhas vermelhas”, acerca das quais, aliás, havia um larguíssimo consenso político-social, atingindo, inclusive, os protagonistas do capitalismo liberal. “Linhas vermelhas” que Bush terá tentado desrespeitar (mas o episódio não é claro) na Geórgia por intermédio de Mikheil Saakashvili. Mas sem êxito. Em cinco dias, com a intermediação de Sarkozy, o assunto ficou arrumado: a Rússia não tomou Tiblissi. Bush respeitou as “linhas vermelhas” (Geórgia e Ucrânia), apesar da “revolução laranja”.
Mas depois veio Obama, o tal que iria libertar os sequestrados de Guantánamo e que assistia, em directo, nas caves da Casa Branca, com a Sra Clinton e C.ª ao assassinato de “inimigos da América” e que, pior do que tudo isso, tinha como Vice-Presidente Joe Biden. Foi na administração de Obama que se urdiu toda a complexa teia que levou à guerra na Ucrânia. Foi um trabalho moroso, apoiado por rios de dinheiro, desenvolvido ao longo dos anos por Biden e muitos outros agentes no terreno como a da diplomata Victoria Nuland que culminou com o golpe da “Praça Maidan” e a destituição do Presidente em funções. Nos dias que levaram ao golpe valeu tudo, tendo ficado como exemplo emblemático das atrocidades então e posteriormente cometidas os tiros dos snipers escondidos nos telhados contra os seus próprios apoiantes para gerar um forte movimento e de revolta entre os manifestantes. O assassinato a sangue frio de dezenas de pessoas que estavam do lado dos revoltosos é uma imagem muito elucidativa não apenas do tipo de forças que buscavam o poder na Ucrânia, mas também do que a seguir se passou desde 2014 e depois de desencadeada a guerra. Há conversas gravadas entre um ministro dos bálticos e uma ministra inglesa sobre este assunto, nas quais ele lhe diz que há provas de que os snipers não eram apoiantes do presidente deposto, mas dos revoltosos. E a inglesa faz de conta que não está ouvir a conversa, o telefonema é desligado e retomado no dia seguinte, mas ela muda rapidamente de assunto.  
Trump conhece tudo isto. Sabe também o que se passou durante o mandato de Biden. Conhece as traições de Zelensky que iam levando à perda do seu mandato em 2020. Sabe, como toda a gente informada sobe, o que se passou entre 2014 e Fevereiro de 2022. Dizer que Putin é o agressor e a Ucrânia a agredida, mesmo sem o recurso a múltiplos exemplos históricos e mesmo fazendo de conta que o mundo começou em 2014, é uma afirmação muito redutora. A guerra teria sido evitável, como foi na Geórgia, como foi em Cuba em 1962, mas houve quem não a quisesse evitar!
A guerra dura há três anos. A ocupação do território da URSS pela Alemanha nazi não durou tanto tempo. A Ucrânia, mesmo tendo perdido uma parte significativa do seu território, não teria resistido tanto tempo, se não tivesse o apoio americano. A União Europeia não teria tido condições, nem tem, para suportar sozinha o peso da guerra na Ucrânia. 
Todavia, a actual estratégia da União Europeia passa por ai. Esperar que Trump seja assassinado, esperar que haja uma reacção do Congresso, esperar pelas eleições intercalares de Novembro de 2026 que alterem a correlação de forças no Congresso. O problema é que Zelensky não tem tempo para esperar nem consegue aguentar-se por mais dois anos se apenas contar com o apoio da União Europeia. 
Zelensky não pode esperar. Precisa de continuar a ter o apoio militar que tem tido. E esse apoio está ameaçado pelo lado dos Estados Unidos. Mas também não pode resolver nada por si, nem render-se, nem sequer demitir-se, a menos que se demita numa qualquer viagem a um país da UE que de imediato lhe assegure asilo político. Porque Zelensky está nas mãos dos ultranacionalistas neonazis que não aceitam qualquer rendição. Assim sendo, é muito difícil antever o futuro da Ucrânia. Como difícil é antever o que se vai passar lá dentro. E, esse sim, esse é que será um grande problema para a Europa, tanto para os que apoiam a guerra como para os que a combatem. José Manuel Correia Pinto

 

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