UMA LIÇÃO DE DEMOCRACIA
O
que hoje se passou em Washington é um exemplo para todo o mundo. Os
hipócritas de todo o mundo estão alarmados. Os acordos nas costas do
povo, a invocação de valores que nunca cumprem e que somente servem como
arma de propaganda têm os dias contados.
Quando se
ouve falar esta nomenclatura europeia, covarde e hipócrita, é preciso
fazer um grande esforço para admitir que eles não vivem num mundo
irreal. Infelizmente, apesar do que já se está a passar e do que aí
seguramente virá – uma crise de proporções catastróficas de que a
Alemanha é já um bom prenúncio -, eles continuam a ter a aprovação
tácita da maioria dos eleitores, que, também eles, acordam sempre tarde
quando um cataclismo se aproxima.
Mas voltemos ao
que interessa: doravante acabaram as conclusões inferidas a partir de
suposições ou de percepções, as manipulações cuidadosamente preparadas. A
realidade está à vista de todos. J. D. Vance já tinha advertido em
Munique. Os velhos processos, as trafulhices, o desrespeito pela vontade
popular estão a chegar ao fim. Outro tempo está a nascer, outro tempo
virá.
Hoje, tivemos oportunidade de ver Zelensky a
mentir descaradamente sobre o que se passou em 2014 e o que se passou
depois, em 2022. E tivemos também a felicidade de assistir ao vivo –
imagens que ficarão para a posteridade – ao resultado do que tem sido a
política internacional dos democratas americanos, desde o fim da Guerra
Fria e das mudanças que lhe estão sendo introduzidas, deixando
completamente desarticulada a cabeça dos seus fiéis apoiantes e
servidores.
Posso orgulhar-me de dizer que nada
disto é novidade. Assisti, como toda a gente, à política perversa de
Clinton em relação à Rússia, ainda o corpo da extinta URSS não tinha
arrefecido, já Clinton com o auxílio das instituições financeiras
internacionais dominadas pelos Estados Unidos (FMI; BM; devidamente
acolitados por experts do Departamento de Estado) estavam a pôr em
prática um plano que, na pior das hipóteses arrumaria a Rússia por 50
anos, e na melhor levaria à sua inevitável desagregação, com base numa
estratégia económica magistralmente descrita por J. Stiglitz,
vice-presidente do Banco Mundial, economista-chefe de Clinton e Prémio
Nobel da Economia, articulada com uma política militar que passava, como
passou, por insuflar vida à NATO, então em articulo mortis, mediante um
estruturado plano de cerco à Rússia, disfarçado com a vergonhosa
artimanha da “Parceria para a Paz”.
Assisti, como
toda a gente, à continuação desta estratégia por George Bush (filho), no
que respeita ao avanço da NATO para Leste, então levada a cabo num
contexto económico diferente resultante da chegada ao poder de um
governante – Vladimir Putin – que, compreendendo muito bem o que se
estava a passar no plano económico e militar, começou por restaurar a
economia, pondo, ao serviço dos interesses da Rússia, os oligarcas
criados pelo escandaloso saque do património colectivo, apoiados pelos
Estados Unidos e pelas instituições de Bretton-Woods, para “facilitar a
transição de um regime colectivista para um regime de mercado livre e de
iniciativa privada”, o que, em última instância, levou a que a Rússia
fosse gradualmente adquirindo a sua autonomia, e passasse a ter poder
para no plano militar tentar impor certas “ linhas vermelhas”, acerca
das quais, aliás, havia um larguíssimo consenso político-social,
atingindo, inclusive, os protagonistas do capitalismo liberal. “Linhas
vermelhas” que Bush terá tentado desrespeitar (mas o episódio não é
claro) na Geórgia por intermédio de Mikheil Saakashvili. Mas sem êxito.
Em cinco dias, com a intermediação de Sarkozy, o assunto ficou arrumado:
a Rússia não tomou Tiblissi. Bush respeitou as “linhas vermelhas”
(Geórgia e Ucrânia), apesar da “revolução laranja”.
Mas
depois veio Obama, o tal que iria libertar os sequestrados de
Guantánamo e que assistia, em directo, nas caves da Casa Branca, com a
Sra Clinton e C.ª ao assassinato de “inimigos da América” e que, pior do
que tudo isso, tinha como Vice-Presidente Joe Biden. Foi na
administração de Obama que se urdiu toda a complexa teia que levou à
guerra na Ucrânia. Foi um trabalho moroso, apoiado por rios de dinheiro,
desenvolvido ao longo dos anos por Biden e muitos outros agentes no
terreno como a da diplomata Victoria Nuland que culminou com o golpe da
“Praça Maidan” e a destituição do Presidente em funções. Nos dias que
levaram ao golpe valeu tudo, tendo ficado como exemplo emblemático das
atrocidades então e posteriormente cometidas os tiros dos snipers
escondidos nos telhados contra os seus próprios apoiantes para gerar um
forte movimento e de revolta entre os manifestantes. O assassinato a
sangue frio de dezenas de pessoas que estavam do lado dos revoltosos é
uma imagem muito elucidativa não apenas do tipo de forças que buscavam o
poder na Ucrânia, mas também do que a seguir se passou desde 2014 e
depois de desencadeada a guerra. Há conversas gravadas entre um ministro
dos bálticos e uma ministra inglesa sobre este assunto, nas quais ele
lhe diz que há provas de que os snipers não eram apoiantes do presidente
deposto, mas dos revoltosos. E a inglesa faz de conta que não está
ouvir a conversa, o telefonema é desligado e retomado no dia seguinte,
mas ela muda rapidamente de assunto.
Trump
conhece tudo isto. Sabe também o que se passou durante o mandato de
Biden. Conhece as traições de Zelensky que iam levando à perda do seu
mandato em 2020. Sabe, como toda a gente informada sobe, o que se passou
entre 2014 e Fevereiro de 2022. Dizer que Putin é o agressor e a
Ucrânia a agredida, mesmo sem o recurso a múltiplos exemplos históricos e
mesmo fazendo de conta que o mundo começou em 2014, é uma afirmação
muito redutora. A guerra teria sido evitável, como foi na Geórgia, como
foi em Cuba em 1962, mas houve quem não a quisesse evitar!
A
guerra dura há três anos. A ocupação do território da URSS pela
Alemanha nazi não durou tanto tempo. A Ucrânia, mesmo tendo perdido uma
parte significativa do seu território, não teria resistido tanto tempo,
se não tivesse o apoio americano. A União Europeia não teria tido
condições, nem tem, para suportar sozinha o peso da guerra na Ucrânia.
Todavia,
a actual estratégia da União Europeia passa por ai. Esperar que Trump
seja assassinado, esperar que haja uma reacção do Congresso, esperar
pelas eleições intercalares de Novembro de 2026 que alterem a correlação
de forças no Congresso. O problema é que Zelensky não tem tempo para
esperar nem consegue aguentar-se por mais dois anos se apenas contar com
o apoio da União Europeia.
Zelensky não pode
esperar. Precisa de continuar a ter o apoio militar que tem tido. E esse
apoio está ameaçado pelo lado dos Estados Unidos. Mas também não pode
resolver nada por si, nem render-se, nem sequer demitir-se, a menos que
se demita numa qualquer viagem a um país da UE que de imediato lhe
assegure asilo político. Porque Zelensky está nas mãos dos
ultranacionalistas neonazis que não aceitam qualquer rendição. Assim
sendo, é muito difícil antever o futuro da Ucrânia. Como difícil é
antever o que se vai passar lá dentro. E, esse sim, esse é que será um
grande problema para a Europa, tanto para os que apoiam a guerra como
para os que a combatem. José Manuel Correia Pinto
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