Artigo que Seixas da Costa deveria oferecer a António Costa .
TRUMP E A FORÇA DOS FRACOS... E dos fracos ,,,, como dizia Camões
Ver
Keir Starmer e Emmanuel Macron a assumir um assinalável protagonismo,
na atual crise de segurança ocidental, quando os sabemos a ambos
extremamente debilitados nos respetivos cenários internos, mostra que a
vida política é uma caixa de surpresas.
E
deixa demonstrado que as fronteiras de uma rutura tão importante como
foi o Brexit são subitamente diluídas quando "valores mais altos se
alevantam", fazendo vir a jogo, mão-na-mão, os dois poderes nucleares
europeus que um dia a América ajudou a cooptar para o Conselho de
Segurança da ONU.
Quando
muitos acusam, com óbvia razão, Donald Trump de abandonar o terreno
multilateral e optar por um diálogo entre poderes, é uma ironia
constatar que a Europa, nesta crise, se comportou exatamente da mesma
forma: Macron impôs o Eliseu a Bruxelas e foi a Washington com ares de
chefe de turma. A Europa dos 27 podia esperar ou, como diria De Gaulle,
"l'intendence suit".
Aliás,
na sua tumba em Colombey-les-Deux-Églises, Charles de Gaulle deve
sentir-se vingado, ele que sempre achou que a excessiva dependência dos
Estados Unidos reduziria a Europa a um poder vassalo de Washington.
Já
agora, convém lembrar que o gaullismo, na ordem internacional, não era
só isso, era também a sabedoria de um atempado sentido de relacionamento
crítico com Moscovo.
Um
sentimento que a Europa e a América do pós-Guerra Fria que nela se
apoiou não souberam ou não conseguiram construir, assim contribuindo
para o encasulamento autoritário e para o tropismo expansionista em que
decantou o ressentimento russo.
Aqui chegados, e tendo a débito a patética cena na Sala Oval, que fazer, como diria o clássico?
Em
poucas semanas, a NATO ficou entre parêntesis. Era um guarda-chuva de
segurança que se baseava na previsibilidade da reação americana à ameaça
das fronteiras dos aliados que sob ele se acolhiam. Todo o afã
demonstrado pela Finlândia e pela Suécia para aderirem tinha como
objetivo poderem partilhar essa apólice de seguro.
Com
a chegada de Trump, o automatismo da atitude dos EUA desapareceu.
Macron teve razão antes do tempo, quando um dia disse que a organização
estava em "morte cerebral". Está, pelo menos, em "coma induzido". Por
esse lado, e até ver, sabemos com o que (não) podemos contar.
A
Europa - e por Europa, cada vez mais, deve entender-se a União e a NATO
europeias, salvo escassíssimos reticentes como Orbán - sente-se por sua
conta e risco. E está a fazer rapidamente as contas aos riscos que aí
vêm.
Já se percebeu que
uma Euro-NATO seria uma construção a prazo e que, na tarefa imediata a
que se propôs - defender esta Ucrânia -, só poderia confrontar a Rússia
tendo Washington ao seu lado. E foi-lhe dito por Trump que não terá.
A
fuga em frente europeia consiste em apoiar Zelensky, a todo o custo -
"até ao fim", havendo leituras cínicas da expressão. E aqui pode entrar
numa inevitável contradição com Trump, que já se cansou do presidente
ucraniano - como um dia um seu antecessor de cansou de Yanukóvytch.
Do
que nas últimas horas chega de Washington, relativamente à liderança
ucraniana, fica a ideia de que não veria com maus olhos a substituição
de Zelensky. Experiência não falta aos americanos para este tipo de
operações e Maiden lá está para o que der e vier.
O
que se passou entre Trump e Zelensky, à vista de todos nós, não
facilitou a vida à Europa. Trump sabe que, em grande parte, se deve ao
conforto político europeu o facto de o líder ucraniano manter um
maximalismo de objetivos. Por isso mesmo, a sua irritação com o
"desplante" de Zelensky é também um ralhete para quantos apoiam a sua
recusa de aceitar uma solução "realista".
Trump
entende que a Ucrânia já perdeu a guerra e que ela, no fundo, terá
nascido da sua ambição de integrar a NATO. Ainda não foi ao ponto de
comprar o argumento de que a expansão da NATO a Leste esteve na origem
última desta tensão, mas já não anda longe disso. No essencial, Trump
absolve a Rússia nesta guerra.
Ele
parece pensar que, se Kiev vier a ceder às ambições territoriais de
Moscovo, isso apaziguará a Rússia e permitirá a preservação da
independência do país, com um estatuto neutral, uma espécie de
protetorado europeu, cuja reconstrução competirá naturalmente aos
europeus pagar.
Ao
contrário de Zelensky, que quer garantias visíveis de segurança para o
caso de ter de ser forçado a ceder solo à Rússia (e o subsolo aos
Estados Unidos), Trump acha que a palavra de Putin lhe basta, porque
entende - e este é o ponto essencial - que a Rússia só teme os EUA. E
que, se Putin lhe prometer algo, ficará preso a esse compromisso para
não ter de vir a afrontar o poder americano.
No
tocante à Europa, Trump também "confia" em Putin e não parece ser
minimamente sensível à doutrina, que hoje faz caminho nos corredores do
medo europeu, de que a Rússia é uma ameaça iminente. Mas deixa intuir
que, se a Europa persiste nesse temor e quer continuar a dispor do
chapéu nuclear americano, deve contribuir bem mais para o "burden
sharing" e dotar-se de melhor equipamento militar, dos EUA claro. Só lhe
falta dizer: "comprem americano" e não assumam posturas comerciais
agressivas quanto a Washington.
Trump não dura sempre, pensarão alguns. Pois não. Pode vir aí J.D. Vance. Gostam mais?
( Artigo escrito a convite do "Público" )
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