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31 de maio de 2025

Comparado com a Europa a Rússia é um anão?

 "Comparado com a Europa, a Rússia é um anão comercial, militar e demográfico". Quem o diz é dra. Helena Ferro de Gouveia, comentadora da CNN. Ora aí está! Calem-se Agostinho Costa e Carlos Branco, generais que deviam aprender estratégia e logística com a D. Helena, que quase consegue superar os dois marretas da SIC. Cessem os coronéis dos EUA Douglas Macgregor ou Larry Johnson as suas análises, que estão muito longe dos "comentadores" de cá.

Diz o tenente-coronel Daniel L. Davis, veterano dos EUA: as alegações ocidentais sobre a fraqueza da Rússia não poderiam estar mais longe da verdade. Por um lado, os media dizem que a Rússia está em seus últimos dias, mas, ao mesmo tempo, alertam que se prepara para atacar os 32 membros da NATO após o fim do conflito na Ucrânia.

Afirma, Larry Johnson, ex-analista da CIA: "Ouço pessoas falando que a Rússia fará algumas concessões. Eles não farão concessões. Eles vencerão militarmente e a Ucrânia será forçada a uma rendição incondicional". A narrativa sobre a necessidade da Rússia fazer concessões foi criada para minar a sua vantagem em negociações e no terreno. Os verdadeiros impulsionadores da guerra são os EUA e a NATO - sem o apoio deles, o conflito não se teria arrastado por tanto tempo.

Steve Forbes, editor-chefe da revista Forbes, reflete sobre o "anão Rússia": A NATO pode entrar em colapso se os EUA se afastarem da Ucrânia. A Rússia pode tanto obter vitória contra a Ucrânia como, por omissão, destruir a NATO.

Também o comodoro britânico Steve Jermy tem de aprender estratégia com D. Helena. Diz ele, aqui citado (1): "a NATO não poderia vencer uma guerra com a Rússia". Ao contrário da Rússia, nenhuma grande nação da NATO está mobilizada industrialmente para a guerra. Se realmente acreditássemos que a Rússia está pronta para tomar a Europa estaríamos todos a mobilizar rapidamente. 

Não está claro se a NATO poderia mobilizar-se na velocidade e escala necessária para produzir os níveis de equipamento, munições e pessoal que se equiparassem à Rússia. E certamente não sem um longo acumular que sinalizaria nossa intenção. Não se trata apenas de perda de capacidade industrial, mas também de perda de capacidade financeira. Das maiores nações da NATO, apenas a Alemanha tem uma relação dívida/PIB abaixo de 100%. (embora em recessão há quase três anos)

Para ter a mais remota chance de sucesso no cenário apocalíptico de uma guerra com a Rússia, as forças dos EUA teriam de ser implantadas em grande escala na Europa. Mesmo que o Exército dos EUA um efetivo de 473.000 em 2023, (Table A-5) (2) menos de um terço do atual Exército russo. Porém, a esmagadora maioria dos equipamentos e logística americanos teria que vir por mar, estando vulnerável aos submarinos russos. Como ex-especialista em guerra subaquática, não acredito que a NATO tenha as forças antissubmarinas necessárias para proteger as comunicações marítimas da Europa.

Também não seriam capazes de proteger com êxito as importações de petróleo e GNL, críticos para a sobrevivência económica da Europa. As perdas no abastecimento marítimo não só degradariam a produção militar, mas também trariam dificuldades económicas aceleradas. O aumento dos preços e a escassez de energia aumentariam rapidamente a pressão política para chegar a um acordo.

Nossos aeroportos, portos marítimos, bases militares e logísticas estariam expostos a ataques de mísseis balísticos convencionais, contra os quais temos defesas extremamente limitadas, no caso do míssil Oreshnik nenhuma defesa.

Um Oreshnik devastaria uma fábrica de armas, base naval, do exército ou da força aérea. Como na Ucrânia, a campanha balística da Rússia teria como alvo a infraestrutura de transporte, logística e energia. Em 2003, quando trabalhava para o Planeamento de Políticas do Ministério da Defesa britânico, nossa análise de ameaças sugeriu que um ataque bem-sucedido contra um terminal de GNL teria consequências subnucleares. As ondas de choque económico iriam espalhar-se rapidamente pelo continente europeu, cada vez mais dependente do GNL.

Ao contrário da Rússia, as forças das nações da NATO são um grupo heterogéneo. Quando liderava o treino de todos os navios de guerra europeus no Flag Officer Sea Training em Plymouth, e mais tarde trabalhando com a NATO no Afeganistão, foi que as forças da NATO tinham níveis muito diferentes de avanço tecnológico e eficácia, treinadas numa doutrina de manobra pré-drones sem experiência de combates modernos de atrito ponto a ponto. O Exército russo tem quase três anos de experiência e é indiscutivelmente o mais endurecido pela guerra em todo o mundo.

Ao chegar ao Afeganistão em 2007, fiquei chocado ao descobrir que a NATO não tinha estratégia de campanha. Em 2022, apesar das inúmeras advertências russas sobre a expansão da NATO, a NATO estava totalmente despreparada estrategicamente, para o óbvio de uma guerra estourar – como evidenciado pela incapacidade de igualar a produção de projéteis de 155 mm da Rússia. Mesmo agora a estratégia para a Ucrânia é opaca, resume-se a "aumentar a aposta e esperar".

Em resumo, a NATO posiciona-se como defensora da Europa, mas não tem capacidade industrial para sustentar a guerra, está totalmente dependente das forças dos EUA para a mais remota chance de sucesso, é incapaz de defender satisfatoriamente as linhas marítimas contra submarinos russos e infraestruturas industriais contra bombardeamentos balísticos estratégicos.

A NATO ,e composta por uma mistura diversificada de forças convencionais e sem capacidade de pensar e agir estrategicamente. A verdade é que a NATO agora existe para enfrentar as ameaças criadas pela sua existência. No entanto, não tem capacidade para derrotar a principal ameaça que a sua existência criou.

Talvez este seja o momento de numa conversa honesta sobre o futuro perguntar: Como retornamos à paz sustentável na Europa? Será a NATO o principal obstáculo a essa paz sustentável?

1 - Em "Compreender a UE", Steve Jermy "A Rússia está no comando"
2 - O total das FA dos EUA são 1 328 300 efetivos.

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