O ex-embaixador britânico Alastair Crooke, mostra como Trump parece ter-se encurralado nas suas perspetivas de “pacificador” em três áreas vitais: Ucrânia, Irão e Gaza.
Antes de Trump enviar Witkoff para falar com Putin, o general Kellogg apresentou uma proposta a Trump para a paz na Ucrânia, era uma visão da Rússia em dificuldades, formulada em termos de capitulação. Trump estaria fazendo um “grande favor” a Putin, afirmando que a Rússia havia perdido um milhão de homens, considerando que “Putin está destruindo a Rússia não fechando um acordo”, a economia russa estava em “ruínas” e seria de considerar a imposição de sanções à Rússia.
Todas as premissas do plano Kellogg (vulnerabilidade da Rússia a sanções, enormes perdas e um impasse na guerra) eram falsas. Parece ter tomado (preguiçosamente) a Guerra da Coreia como modelo, sem considerar se seria apropriado ou não. No caso coreano, o cessar-fogo ao longo de uma Linha de Conflito precedeu considerações políticas, que só surgiram depois e que permanecem em curso sem solução até hoje.
Ao lançar exigências prematuras de um cessar-fogo imediato a equipa de Trump não tinha um plano concreto para o implementar, presumindo que todos os detalhes poderiam ser resolvidos posteriormente. Em suma, foi apresentado como uma “vitória rápida”.
O cessar-fogo rejeitado, nem deveria ter sido considerado caso o trabalho da equipa fosse competente. Aparentemente, não ouviram o que Putin desde 14 de junho do ano passado tem exposto com clareza sobre um cessar-fogo.
Quando o enviado de Trump, Witkoff, voltou de uma longa reunião com Putin para relatar a explicação pessoal e detalhada deste sobre o motivo pelo qual uma estrutura política deve preceder qualquer cessar-fogo, o relato de Witkoff foi recebido com a resposta do general Kellogg que “os ucranianos nunca concordariam”.
O enigma é: por que Trump não corta o fluxo de armas e inteligência dos EUA para Kiev e manda os europeus pararem de se intrometer? Kiev tem algum tipo de poder de veto? Será que a equipa Trump não entende que os líderes europeus esperam atrapalhar o objetivo de normalizar as relações com a Rússia?
O problema é que quanto mais tempo se persiste numa linha de ação, por mais estúpida que seja, menos disposto se fica em mudá-la. Mudá-la seria interpretado como reconhecer o erro em que reconhecer o erro é perder poder.
Há um paralelo com as negociações com o Irão. A visão de Trump para um acordo com o Irão é o objetivo de “nenhuma arma nuclear iraniana” - embora os serviços de inteligência já determinassem que o Irão não possui armas nucleares. Então, a equipa assume a doutrina da Organização Rand de que não existe diferença qualitativa entre o enriquecimento pacífico de urânio e o enriquecimento para fins bélicos. Portanto, nenhum enriquecimento deve ser permitido.
O Irão possui enriquecimento de urânio, graças ao acordo JCPOA de Obama que o permitiu com limitações. Trata-se agora de impedir que a Rússia desenvolva a capacidade de energia nuclear do Irão. O problema é que a Rússia já o faz com uma central em operação e outra em construção.
Israel naturalmente também tem suas próprias propostas: erradicar toda a infraestrutura de enriquecimento e capacidade de lançamento de mísseis do Irão. Só que o Irão jamais concordará com isso.
Portanto, a escolha é ou um sistema de inspeção e vigilância técnica num acordo semelhante ao JCPOA (o que não agradará nem a Israel nem aos sectores pró-Israel) ou uma ação militar. O que nos leva às divisões internas do Pentágono. Pete Hegseth referiu-se no seu media social ao Irão: “Vemos seu apoio letal aos Houthis. Sabemos exatamente o que vocês estão fazendo. Sabem muito bem do que o Exército dos EUA é capaz e foram avisados. Vocês pagarão as consequências no momento e local que escolhermos.”
Os EUA acreditavam que poderiam bombardear os Houthis até à submissão. Em vez disso, estão demonstrando a todos os países da região os limites de seu poder naval e aéreo… Apesar de mais de 600 bombardeamentos os Houthis continuam lançando mísseis e drones contra navios americanos e alvos em Israel.
A equipe Trump envolveu-se numa negociação complexa com o Irão, sem tirar lições sobre o conflito com o Iémen. “Numa situação de incerteza como a atual, a solidariedade passa a ser um fim em si mesma e ninguém quer ser acusado de "enfraquecer o Ocidente" ou "fortalecer o Irão". Se tiver que errar, é melhor errar na companhia do maior número possível de pessoas.”
Em Israel, no bunker do Departamento de Defesa, o General Kurilla (no comando do CENTCOM) prepara planos para um ataque conjunto ao Irão. Israel tem capacidades de lançamento de armas nucleares por submarinos, aeronaves e mísseis. Israel já ameaçou usar armas nucleares recentemente em Gaza e anteriormente durante a primeira guerra do Iraque.
Diz-se que o Irão ameaça Israel, mas Israel ameaça o Irão regularmente e quer o Irão neutralizado e desarmado, insistindo ele próprio em permanecer intocável, sem tratados de não proliferação, sem inspeções da AIEA.
Os tratados de limitação de armas iniciados por JF Kennedy com Khruschev derivaram da negociação recíproca bem-sucedida pela qual os EUA retiraram seus mísseis da Turquia antes que a Rússia removesse seus próprios mísseis de Cuba.
Deve ficar claro para Trump que uma proposta tão desequilibrada como a que apresenta para o Irão, não tem relação com as realidades geopolíticas e fracassará. Trump, está-se encurralando numa ação militar contra o Irão. A experiência no Iémen foi levada em consideração? Propuseram alguma saída?
Uma saída criativa para o dilema - restaurando ao menos alguma semelhança com um tratado de limitação de armas - seria Trump divulgar que é hora de Israel entrar no TNP e ter suas armas inspecionadas pela AIEA. Trump fará isso? Não. As transformações desejadas por Trump deveriam ser refeitas assumindo América Primeiro.
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