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7 de março de 2018

Há que pôr fim à desastrosa actuação dos EUA na Síria

Jeffrey D. SachsEconomistaO Conselho de Segurança da ONU, apoiado pelos EUA, pela Rússia e pelas outras grandes potências, deve intervir com forças de manutenção da paz para restabelecer a soberania síria e os serviços públicos imprescindíveis, travando ao mesmo tempo tentativas de vingança do regime de Assad contra ex-rebeldes ou seus simpatizantes civis.

Grande parte da carnificina que devastou a Síria nos últimos sete anos deve-se à actuação dos Estados Unidos e dos seus aliados no Médio Oriente. Agora, perante um alarmante risco de nova escalada dos combates, é chegada a hora de o Conselho de Segurança das Nações Unidas intervir para pôr fim a este derramamento de sangue, com base num novo marco regulatório acordado pelos membros permanentes do Conselho.

Vejamos os factos. Em 2011, no contexto da Primavera Árabe, o governo norte-americano, juntamente com os governos da Arábia Saudita, Qatar, Turquia e Israel, decidiu derrubar o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, apesar de a deposição do governo de outro país constituir uma flagrante violação da legislação internacional. Sabemos que em 2012, se não mesmo antes, o então presidente dos EUA, Barack Obama, autorizou a CIA a trabalhar com os aliados da América na prestação de apoio às forças rebeldes, compostas por sírios opositores ao regime e por combatentes não sírios. É evidente que as autoridades norte-americanas esperavam que Assad caísse rapidamente, tal como tinha acontecido com os governos da Tunísia e do Egipto nos primeiros meses da Primavera Árabe.
O regime de Assad é liderado pela minoria xiita alauíta, num país onde os alauítas representam apenas 10% da população, os muçulmanos sunitas representam 75%, os cristãos 10%, sendo os restantes 5% compostos por outras origens, incluindo os drusos. Entre as potências regionais que estão por detrás do regime de Assad incluem-se o Irão e a Rússia, que possui uma base naval no litoral mediterrâneo da Síria.

Ao passo que o objectivo dos EUA em derrubar Assad se devia sobretudo a debilitar a influência iraniana e russa, a motivação da Turquia era expandir a sua influência nos antigos territórios do império otomano e, mais recentemente, travar as ambições curdas de autonomia territorial, ou até de soberania de Estado, na Síria e no Iraque. A Arábia Saudita queria reduzir a influência do Irão na Síria, ao mesmo tempo que expandia a sua própria influência; Israel também procurava fazer frente ao Irão, que ameaça o estado hebreu através do Hezbollah no Líbano, da Síria perto das colinas de Golan, e do Hamas em Gaza. O Qatar, por seu lado, queria impor um regime islâmico sunita na Síria.

Os grupos armados a que os EUA e seus aliados deram apoio desde 2011 reuniram-se sob a bandeira do Exército Livre da Síria. Contudo, na realidade, não havia um exército único, mas sim grupos armados rivais, com patrocinadores, ideologias e objectivos diferentes. Os combatentes incluíam desde sírios dissidentes a curdos que aspiravam à autonomia, passando por jihadistas sunitas apoiados pela Arábia Saudita e pelo Qatar.
Apesar de terem sido alocados amplos recursos na tentativa de deposição de Assad, esses esforço acabou por fracassar, mas não sem antes provocar um enorme banho de sangue e a deslocalização de milhões de sírios. Muitos fugiram para a Europa, o que fomentou a crise europeia dos refugiados e a escalada do apoio político à extrema-direita anti-imigração na Europa.
A incapacidade em derrubar Assad deve-se essencialmente a quatro motivos. Em primeiro lugar, o regime de Assad contava com o apoio não só dos alauítas mas também dos cristãos sírios e de outras minorias que temiam um regime islâmico sunita repressivo. Em segundo lugar, a coligação liderada pelos EUA foi combatida pelo Irão e pela Rússia. Em terceiro lugar, quando uma facção dissidente jihadista se separou dos restantes para formar o Estado Islâmico (ISIS), os EUA desviaram recursos significativos para os derrotar em vez de os usarem para derrubar Assad. Por último, as forças anti-Assad revelaram-se frequente e profundamente divididas; a título de exemplo, a Turquia está em conflito aberto com os combatentes curdos apoiados pelos Estados Unidos.
Todas estas razões para o fracasso continuam válidas actualmente. A guerra está em pleno impasse. Só o derramamento de sangue persiste.
O discurso oficial dos EUA visou dissimular a amplitude das consequências desastrosas do esforço norte-americano para derrubar Assad – numa clara violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas. Embora os Estados Unidos denunciem veementemente a influência russa e iraniana na Síria, o facto é que os EUA e seus aliados violaram reiteradamente a soberania síria. O governo dos Estados Unidos escamoteia o carácter da guerra, qualificando-a de guerra civil entre os sírios, quando na realidade se trata de uma guerra "por procuração" que envolve os EUA, Israel, Rússia, Arábia Saudita, Irão e Qatar.



Em Julho de 2017, o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou o fim do apoio da CIA aos rebeldes sírios. Mas, na prática, o envolvimento dos EUA mantém-se, se bem que mais voltado, aparentemente, para debilitar Assad em vez de o derrubar. No contexto das prerrogativas de guerra da América, o Pentágono anunciou em Dezembro passado que as tropas norte-americanas continuarão estacionadas na Síria por tempo indeterminado, com o objectivo declarado de apoiarem as forças rebeldes contrárias a Assad em áreas recuperadas ao ISIS, e, naturalmente, sem o consentimento do governo sírio.
Mas, na prática, estamos perante o risco de uma nova escalada bélica. Quando o regime de Assad lançou, recentemente, um ataque sobre as forças rebeldes, a coligação americana respondeu com bombardeamentos aéreos que mataram cerca de 100 soldados sírios e um número desconhecido de combatentes russos. Depois dessa demonstração de força, o secretário norte-americano da Defesa, Jim Mattis, declarou com falsa candura que "obviamente, não estamos a envolver-nos na guerra civil síria". Além disso, Israel atacou recentemente posições iranianas na Síria.

Os Estados Unidos e os seus aliados devem enfrentar a realidade e aceitar a persistência do regime de Assad, por mais desprezível que isso possa ser. O Conselho de Segurança da ONU, apoiado pelos EUA, pela Rússia e pelas outras grandes potências, deve intervir com forças de manutenção da paz para restabelecer a soberania síria e os serviços públicos imprescindíveis, travando ao mesmo tempo tentativas de vingança do regime de Assad contra ex-rebeldes ou seus simpatizantes civis.

É certo que, neste cenário, o regime de Assad continuaria no poder, e o Irão e a Rússia manteriam a sua influência na Síria. Mas isso poria fim à ilusão oficial norte-americana de que os EUA podem dar cartas na Síria decidindo quem são os seus governantes e respectivos aliados. Está mais do que na hora de adoptar uma abordagem muito mais realista, em que o Conselho de Segurança das Nações Unidas obrigue a Arábia Saudita, Turquia, Irão e Israel a aceitarem um acordo de paz pragmático que ponha fim ao derramamento de sangue e permita ao povo sírio retomar a sua vida e o seu sustento.

Jeffrey D. Sachs, professor de Desenvolvimento Sustentável e de Políticas e Gestão de Saúde na Universidade de Columbia, é director do Centro para o Desenvolvimento Sustentável de Columbia e director da rede de soluções para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Direitos de autor: Project Syndicate, 2018.
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