Os Estados Unidos querem fazer aceitar uma intervenção contra a Venezuela com a cumplicidade do «Grupo de Lima», que é composto por 12 países, ou seja, menos de metade dos membros da OEA (Organização de Estados Americanos), entre os quais figura o Panamá ; mas é uma iniciativa ilegítima e impossível, na medida em que tal viola escandalosamente a Carta da OEA, a da ONU, e o Direito Internacional.
A violação do Direito Internacional acontece depois que Hugo Chávez chegou ao Poder na Venezuela, e que os Estados Unidos lá começaram a perder privilégios e um verdadeiro maná petrolífero.
Ilegalidade de uma intervenção na Venezuela em relação à Carta da OEA
A OEA perdeu prestígio, mas a sua Carta consagra apropriadamente certos princípios do Direito Internacional que tornam impossível uma intervenção individual ou colectiva dos seus membros nos assuntos internos e externos dos outros Estados; que são, mutatis mutandi, os próprios princípios da Carta da ONU, entre outros:
1. Cada Estado tem o direito a escolher, sem interferência externa, o seu sistema político, económico e social, e o modo de organização que melhor lhe convier. É seu dever não interferir nos assuntos de outros Estados. Sob reserva das disposições precedentes, os Estados Americanos cooperarão amplamente entre si, independentemente da natureza dos seus sistemas políticos, económicos e sociais (artigo 3 e).
2. Os diferendos de carácter internacional que surjam entre dois ou mais Estados americanos deverão ser regulados por meios pacíficos ; (Art. 3, i).
3. Nenhum Estado, ou grupo de Estados, tem o direito de intervir directa ou indirectamente, por qualquer motivo que seja, nos assuntos internos ou externos de outro Estado. O princípio precedente exclui o emprego, não apenas da força armada, mas também de qualquer outra forma de ingerência ou de tendência atentatória da personalidade do Estado e dos elementos políticos, económicos e culturais que o constituem (Art. 19).
4. Nenhum Estado pode aplicar ou tomar medidas coercivas de carácter económico e político para forçar a vontade soberana de outro Estado e obter dele vantagem de qualquer tipo. (Art. 20).
5. O território de um Estado é inviolável, não pode ser objecto de ocupação militar, nem de outras medidas de força por parte de qualquer outro Estado, directa ou indirectamente, por qualquer motivo que seja até mesmo de modo temporário. (Art. 21).
6. Os Estados Americanos comprometem-se nas suas relações internacionais a não recorrer ao emprego da força, excepto em caso de legítima defesa, conforme aos tratados em vigor, ou no caso da execução dos ditos tratados (Art. 22).
7. Nenhuma das disposições da presente Carta deverá ser interpretada como uma diminuição dos direitos e obrigações dos Estados-Membro, e isto, de acordo com a Carta das Nações Unidas (Art. 131).
A Carta dita democrática da OEA não poderá ser invocada contra a Venezuela porque a «democracia representativa» que ela pretende sacralizar entra em conflito com o artigo 103 da Carta da ONU, que prevalece sobre a da OEA.
«Ao abrigo da presente Carta, em caso de conflito entre as obrigações dos Membros das Nações Unidas e as suas obrigações nos termos de qualquer outro acordo internacional, as primeiras prevalecerão».
A Carta da ONU não menciona a «democracia representativa» (objectivo primordial da Carta democrática interaméricaina da OEA), quer seja como modelo ou sistema político obrigatório para seus membros, porque ela reconhece que existem no mundo formas variadas de organização política ou de governo, tais como as repúblicas e as monarquias (democráticas ou não, presidenciais ou parlamentares), os principados, etc.
Mas a República Bolivariana da Venezuela vai muito para além das «democracias representativas» da região, porque a Venezuela é uma democracia participativa, e é um dos países mais democráticos do mundo, como prova a sua história e a sua experiência actual, conforme constatado pela ONU, por organismos internacionais de direitos humanos, por personalidades e associações prestigiadas, tais como a Fundação Carter, entre outras.
Quem são os membros do «Grupo de Lima» ?
No entanto os Estados Unidos e os seus satélites do Grupo de Lima perseveram na violação do Direito Internacional, e isso apesar do facto de que eles não obtiveram sequer no seio da OEA o apoio esperado para esta aventura imperialista, porque os países independentes da Bacia do Caribe e outros os impediram; com efeito, quase todos os membros do Grupo Lima violam as normas que deveriam permitir uma governança democrática básica.
De que direito se arrogam os Estados Unidos para pilhar a Venezuela, quando são o primeiro país a violar a Carta da ONU e o que mais nega o Direito Internacional? Os Estados Unidos são o país que rejeitou o maior número de tratados relativos aos direitos humanos, ou se recusou a ratificá-los no plano mundial ; os Estados Unidos têm o maior número de condenações à morte no mundo; o orçamento de «Defesa» é mais elevado que o dos seis Estados seguintes da lista; é o país que tem mais bases militares no mundo, mais de mil; é o país que dividiu o mundo em 10 zonas de comando militar, sem autorização nem consentimento de nenhum dos países em causa; é o país que se apropria da maior parte das riquezas mundiais; segundo a FAO, bastariam 1. 060 milhões de dólares para acabar com a fome no mundo, mas os EUA despendem mil milhões (um bilhão-br) de dólares em guerras diversas.
Com que direito a Colômbia está à cabeça da agressão contra a Venezuela, quando no plano externo, a Colômbia é um país ocupado pelos Estados Unidos (que aí têm implantadas sete bases militares) e que não dispõe, portanto, de real independência? No plano interno, a Colômbia é um narco-Estado no qual um cidadão em cada dez é forçado a viver no estrangeiro, seguido em tal pelo Brasil e pelo Peru; a Colômbia traiu os acordos de paz assinados com a guerrilha, assassina, e permite a paramilitares liquidar sistematicamente os defensores dos direitos dos pobres e os direitos humanos. A Colômbia tolera o assédio e a agressão dos movimentos políticos que participam da política nacional, como as FARC.
Com que direito o Peru alega falta de democracia na Venezuela, quando o seu Presidente, Pedro Pablo Kuczynski, esteve em vias de ser destituído (cassado-br) pelo Congresso por «incapacidade moral» para exercer as funções de governo, depois de ter recebido subornos da Odebrecht, ter amnistiado (anistiado-br) ilegalmente o antigo Presidente Alberto Fujimori, que reconheceu ter ordenado genocídio, e quando o governo peruano é constantemente visado pelas reclamações dos trabalhadores da Saúde e Educação?
Com que direito a Argentina põe em questão a transparência na Venezuela, quando o Presidente Mauricio Macri está mergulhado até ao pescoço no escândalo da Odebrecht e no dos Panamá Papers ? O seu governo está na mira das reclamações quotidianas do povo, dos índios Mapuche, dos aposentados e da classe média ; é um país que está a estagnar, quando havia conseguido escalar a colina do progresso no mandato de Cristina Kirchner.
Com que direito o Brasil oferece o seu território como trampolim para uma intervenção, e para denunciar a «ditadura» na Venezuela, quando o Presidente não-eleito, Michel Temer, chegou ao posto graças a um golpe de Estado «suave», montado contra a Presidente Dilma Roussef, e quando ele é acusado pelo Procurador-Geral do Estado de «corrupção passiva, obstrução à justiça e organização criminosa», quando ele bloqueia de forma anti-democrática a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva à presidência?
Com que direito o México denuncia uma «crise humanitária» na Venezuela, quando o Presidente Enrique Peña Nieto preside a um governo corrupto que só se mantêm graças ao narcotráfico e ao crime organizado, um governo que entregou as riquezas do país às multinacionais nos Estados Unidos, e quando o México possui o recorde mundial de jornalistas assassinados e desaparecidos?
Quanto às Honduras, com que direito contesta a legitimidade da Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela, quando o seu «presidente» inconstitucional, e não eleito, mas instalado no poder por uma fraude de dimensões cósmicas, José O. Hernandez, se agarra ao Poder apoiando-se nas baionetas do SouthCom dos Estados Unidos [1] e mandou disparar sem contemplações sobre o seu próprio povo?
O caso particular do Panamá
Com que direito o Panamá põe em questão a independência e a democracia da Venezuela, quando o Partido panamenho do Presidente Juan Carlos Varela chegou ao poder nos braços dos invasores, os Estados Unidos (que tinham reconhecido Guillermo Endara como Presidente do Panamá dentro de uma base militar norte-americana), no seguimento da invasão de 1989 [2]? Convêm lembrar que no Direito Internacional, os acordos assinados sob ocupação militar são ipso facto nulos e não reconhecidos.
De que moralidade se reclama o Panamá para atacar o direito da Venezuela à autodeterminação quando Guillermo Endara, o primeiro presidente fantoche no cargo após a invasão, e presidente do Partido Panamenho (o partido do actual Presidente Juan Carlos Varela), subscreveu o acordo Arias Calderón-Hinton (1991) que está na base dos Tratados Salas-Becker de 2002, tratados que entregaram o Panamá a dezasseis agências federais dos Estados Unidos, entre as quais o Pentágono, o Exército dos EUA, a Força Aérea dos EUA, a Marinha dos EUA e o Serviço da Guarda-Costeira dos Estados Unidos ? Estas instâncias norte-americanas podem fazer novamente do Panamá uma plataforma para o SouthCom com objectivos de agressão.
Com que direito o Panamá se imiscui nos assuntos venezuelanos, quando os governos panamenhos toleraram, sem objeção, as manobras Panamax (2003-2018), realizadas todos os anos entre os países da região e as potências-membro da OTAN com base num tratado entre o Chile e os Estados Unidos? Este tratado, assinado em 2003, viola o Tratado de Neutralidade e a Constituição panamenha. O Panamá não o reconhece e não o ratificou.
Com que direito o Presidente panamiano Juan Carlos Varela subscreveu os acordos «Novos Horizontes 2018», que podem servir para cobrir uma intervenção contra a Venezuela, se esse tratado viola o Tratado de Neutralidade, a Constituição do Panamá e o Direito Internacional ?
Com que direito o Presidente do Panamá pode empreender acções contra a Venezuela, se os Tratados Salas-Becker ---de que fazem parte os acordos Novos Horizontes— jamais foram submetidos à aprovação da Assembleia Legislativa ou Nacional panamenha, de tal modo que não existe obrigação constitucional para a sua aplicação ?
A antiga Presidente do Panamá, Mireya Moscoso, membro do Partido Panamenho, desqualificou-se ao subscrever a totalidade dos Tratados Salas-Becker (entre 2001 e 2004, à excepção do de 1991) e ao amnistiar ilegalmente, a pedido do General Colin Powell (que ficou conhecido como o «carniceiro do Panamá [3]), o terrorista confesso Luis Posada Carriles, que havia tentado assassinar o Presidente cubano, Fidel Castro, em 2002. Esta amnistia foi a anulada pelo Supremo tribunal de Justiça depois de ele ter aproveitado para desaparecer.
A antiga Presidente Moscoso foi quem autorizou o Tratado Alemán-Zubieta-Becker (de 1 de Abril de 2002), assinado pelo Administrador da autoridade responsável pelo Canal, Alberto Alemán Zubieta, que não estava de modo algum habilitado para assinar tratados e que, para cúmulo, o aprovou e assinou em inglês, quando a Constituição consagra o espanhol como a língua oficial do Panamá: ambos, portanto, ultrapassaram as suas prerrogativas (ver Constituição Nacional da República do Panamá, Artigo 191).
Não obstante a incapacidade moral, ou legal, do grupo de Lima para atacar a Venezuela, os Estados Unidos insistem pela invasão com a cumplicidade de governos não representativos, anacrónicos, delinquentes e inimigos do Direito Internacional, aproveitando-se desses dias de carnaval, que diverte (Terça-feira, 20 de Fevereiro), enquanto eles se meneiam seguindo na esteira do seu deus Momo, os Estados Unidos, atrás do infame estandarte de uma nova «intervenção humanitária».
O desvio da «responsabilidade de proteger» sob pretexto humanitário
Querem nos fazer crer que existe na Venezuela uma «crise humanitária» que exige fazer confrontar os povos da região entre si, os pobres contra outros pobres, irmãos contra os seus irmãos, para satisfazer os apetites de Washington, interpretando em proveito dos Estados Unidos as recomendações do genial estratega chinês Sun Tzu, o qual aconselhava a poupar as suas próprias forças e a utilizar as alheias.
As intervenções humanitárias, que respondem à necessidade de proteger as vítimas das guerras, quando não existe vontade, nem capacidade da parte do soberano para assumir essa responsabilidade, foram desviadas por poderes hegemónicos afim mascarar as suas vilanias predatórias [4].
Pessoalmente eu opus-me, enquanto Presidente da SERPAJ-Panamá, a adopção em bloco do projecto, aquando da reunião da ONU na América Central (San José, 2005), convocada pela Fundação Arias. Por vezes confere-se o «direito de proteger», inerente à intervenção humanitária do Conselho de Segurança da ONU, a uma entente regional como a OTAN ou a um grupo de Estados.
Na Jugoslávia fora posta em marcha uma «intervenção humanitária» supostamente para impedir uma limpeza étnica que Slobodan Milosevic teria implementado na Bósnia, mas a OTAN (ou seja, os Estados Unidos), invadiu a Jugoslávia, único país europeu que não era um membro desta organização militar, desmembrou-o em função dos interesses geopolíticos do Império, e mergulhou-o na ruína.
A verdade só tardiamente surgiu :
«Dez anos após Slobodan Milosevic, antigo Presidente da Jugoslávia, ter sido encontrado morto em circunstâncias estranhas (quando estava em detenção), o Tribunal Penal Internacional ilibou o homem político sérvio da responsabilidade por crimes de guerra supostamente cometidos na Bósnia …
Slobodan Milosevic foi vilipendiado de forma sistemática por toda a imprensa ocidental e pela classe política dos países da OTAN. Os meios de comunicação da época haviam-no qualificado de «carniceiro dos Balcãs» e comparado a Hitler. Ele foi acusado ilegalmente de genocídio, de ter sido um «monstro sedento de sangue», fazendo as manchetes das principais médias(mídias-br) europeus e norte-americanos de então.
Foi graças a este cliché falsificado que se tentou justificar não só as sanções económicas contra a Sérvia, como também os bombardeamentos da OTAN, em 1999, sobre a Sérvia, bem como a guerra encarniçada contra o Kosovo [5]».
Na Líbia, foi lançada uma «intervenção humanitária» destinada a pôr fim à violação dos direitos humanos perpetrada pelo «ditador» Muammar Gaddafi. Mas a OTAN tomou a cargo o seu «direito de proteção» à população «sem defesa». Em sete meses, 40 mil bombas e mísseis foram largados sobre a população, e com a ajuda de espiões, terroristas e de mercenários estrangeiros, 120 mil Líbios foram mortos; assassinaram Kaddafi de maneira atroz e particularmente perversa, os activos e o petróleo do país foram expropriados, e o país mergulhou num inferno perpétuo; os Líbios «de pele escura» foram eliminados do governo, apesar de que o Conselho dos Direitos Humanos da ONU tinha louvado Kadhafi, precisamente nesse ano (em 2011), pelos progressos da Líbia em matéria de igualdade racial. Só mais tarde é que se soube que a tentativa de Kaddafi para substituir o dólar por uma moeda africana comum constituía uma das verdadeiras razões para a intervenção «humanitária».
No caso do Panamá, os Estados Unidos nem se deram ao incómodo de informar a OEA ou a ONU, ainda menos o Senado norte-americano, que deveriam aprovar a invasão de 1989, mas o general Manuel Antonio Noriega foi diabolizado com todo o tipo de mentiras, o que ressalta de documentos «secretos e sensíveis» do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, documentos que fixavam como objectivo a revogação dos tratados sobre o canal e o projecto de pôr um termo às negociações entre o Japão e o Panamá tendo em vista a abertura de um novo canal [6].
Mas na Venezuela não há crise humanitária ou guerra civil —tal como não havia no Panamá. Existe sim uma intervenção externa nos assuntos internos e externos do povo, uma intervenção que se manifesta sob a forma de guerras ultra-modernas e multifacetadas, com o apoio transnacional de Estados, de organizações não-governamentais e de personalidades que tentam destruir a Nação venezuelana, abolir as conquistas da sua Revolução e de lhe roubar as suas prodigiosas riquezas naturais.
Uma intervenção contra a Venezuela seria uma agressão contra a América Latina e a Bacia do Caribe, um passo atrás na construção da unidade latino-americana, um golpe infligido na memória dos libertadores da Nossa América ; por todas estas razões, uma tal intervenção é legalmente impossível e não conseguiria ter êxito.
Tradução
Alva
Alva
[1] O autor refere-se ao comando regional das forças armadas norte-americanas encarregue das tropas colocadas nas inúmeras bases militares dos USA na América do Sul, na América Central e nas Caraíbas (Nota da Rede Voltaire).
[2] O autor faz referência à intervenção militar norte-americana justificada oficialmente por Washington ao brandir uma suposta implicação do General panamenho (panamense-br) Manuel Antonio Noriega no narcotráfico internacional, e que ele constituiria uma «ameaça» contra a livre circulação no canal inter-oceânico. Até à data de hoje é impossível precisar o número de civis mortos aquando dos bombardeamentos «cirúrgicos» da Força Aérea dos EUA contra os bairros populares da capital panamenha, desencadeados, tanto como a invasão, sem a menor declaração de guerre pela parte de Washington (Nota da Rede Voltaire.)
[3] O General Colin Powell conhecido enquanto Secretário de Estado da Administração Bush Jr., por ter exibido perante o Conselho de Segurança da ONU «armes de destruição massiva» (sob a forma de uma ampola de cinco centimetros) que tornava «necessária» a invasão do Iraque, era o Chefe de Estado-Maior conjunto dos Estados Unidos no momento da invasão do Panamá (Nota da Rede Voltaire).
[4] Após 2005, a ONU atribuiu a responsabilidade de protecção da sua população a cada Estado e, logo que tal Estado está falido, o direito a outros Estados de intervir em lugar do faltoso (Nota da Rede Voltaire).
[5] «El Tribunal Internacional de La Haya reconoce tardíamente la inocencia de Slobodan Milosevic», Canarias-Semanal.org (España), 27 de juillet 2016.
[6] Ver a próxima obra de Julio Yao El Monopolio del Canal y la Invasión a Panamá, EUPAN, 2018.
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