Veredas
e atalhos da política de direita
Jorge Cordeiro
Jorge Cordeiro
A vertigem de elogios, dignos
de evocações póstumas, sobre o legado governativo de Passos Coelho deixa
antever o pior. Tementes de que as exéquias políticas fossem longe de mais e
desembocassem em forçado interregno do único caminho que os interesses
dominantes inscreveram em talha
dourada, aí os vemos a ressuscitar não tanto o fautor mas sim a substância da
política que executou. A reencarnação não tem nada de inocente.
São muitas, e não menos
surpreendentes, as expressões de louvação à sua “coragem”, a exaltação do
“rigor” salvífico que nos teria livrado do inventado espectro da bancarrota, a
gratidão pela precursora lavragem do trilho semeadora dos frutos do tempo
presente. No recipiente infindável de virtudes que agora lhe reconhecem há um
pequeno “senão”, uma arreliadora mácula: o que os novos louva-passos
identificam como o estilo desajeitado de que deu provas enquanto “líder da
oposição”. A nódoa agora vertida não tem a ver com alguma parcimónia elogiosa ou
receio que ali se encarnasse a perfeição em pessoa. A imperfeição não está no
passado que tão bem teria desempenhado. Está, isso sim, nessa decepcionante
incapacidade para evitar outra solução que não a do bem-aventurado arco de
governação, de não ter aberto as janelas ao diálogo, de não ter deixado ao PS
outra opção que não a de se sujeitar o que à sua esquerda forçavam. Percebe-se
ao que andam. Na busca do caminho da recuperação do tempo perdido, medido pela
bitola que interessa, ou seja o volume de acumulação de lucros que não querem
ver questionada. Esse desejado caminho que, por trilhos, atalhos ou veredas
desagúe nas águas paradisíacas das praças financeiras. Para o efeito importa
pouco o estado do piso, redescoberto que está o asfaltador capaz de aplanar o
terreno.
Não espanta que da boca de Rui
Rio, e do aparo de analistas, se
repitam todos os dogmas neoliberais, – travestidos uns, na nudez da sua
essência, outros – inscritos na agenda da política de direita. Aí temos reposto
o “viver acima das possibilidades”,
agora na versão menos rústica de “acumular reservas”. Ou revisitada a agenda de
exploração e empobrecimento dos trabalhadores baseada na robustez económica da
imbatível premissa: A economia cresce? Então, corte-se agora em direitos, pensões
de reforma e salários porque dias maus hão-de chegar; a economia recua?
Obviamente, corte-se nesse mesmo tecido para ajustar o corpo à medida, que é
como quem diz garantir que a acumulação capitalista se mantém apresentável.
O investimento é baixo e tem de
ser aumentado? Corte-se nos apoios sociais e nos serviços públicos, não no
serviço de dívida sufocante que consome o excedente orçamental que o País já
gera! Rebelam-se com a insensata colecção de défices externos acumulados nos
últimos vinte anos? Lágrimas de crocodilo de quem se recusa a relacioná-los com
a adesão à moeda única e os efeitos devastadores para a economia nacional, se
resigna à usura dos credores, se esquece dos milhares de milhões engolidos na
voragem fraudulenta dos banqueiros. O perigo, gritam, vem do consumo, do
desequilíbrio que provoca à balança comercial a relação desigual entre
exportação e produtos importados. Ninguém subestimará a importância das
exportações. Mas não se a separe da condição primeira de realização – produzir
– e muito menos não se ignorem as desvantagens concorrenciais decorrentes da
amarração a uma moeda forte sem qualquer relação com a fragilidade da economia.
Fingindo ignorar a deliberada destruição da produção nacional, apressam-se a
decretar a única receita que conhecem. Não adianta explicar que consumo interno
significa mais poder de compra: direito ao acesso a bens de primeira
necessidade, não ter de ir para a porta do banco alimentar para obter o leite
para os filhos ou o pão para pôr na mesa. Usufrutuários de outro estatuto
material não ligam a tais minudências.
Não passa despercebida a
janela que antevêem para traduzir a inata convergência de PS, PSD e CDS, em
matérias estruturantes. Aquilo que Francisco Assis, exultante, vê como «novas
perspectivas de diálogo, mais consentâneas a prazo com a obtenção de respostas
que as verdadeiras necessidades do País exigem.» O que resulta da
convergência entre PS, PSD e CDS tem prova feita em quatro décadas de política
de direita. O que o País precisa não é de exercícios de geometria variável que
de forma mais ou menos elíptica, disfarçada aqui ou ali com a intercepção por
segmentos secundários, mantenha as opções essenciais que tolhem o
desenvolvimento e bem-estar. Não adianta teorizar sobre “consensos alargados” a
pretexto de que sem dois terços de votos não há reformas aprovadas - a questão
central é saber para quê e a quem servem. Como não adianta justificar o cair do
PS nos braços do PSD a pretexto de não obter apoio de partidos à sua esquerda,
iludindo as razões que levam uns a aprovar e outros a rejeitar. Clareza de
propósito é o que se exige e se tem de provar.
Sem comentários:
Enviar um comentário