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26 de agosto de 2023

A Casa Branca apela assustada: "Salvem o dólar!"

 O ex-embaixador Alastair Crooke aborda um problema decisivo na geopolítica atual: o dilema que os EUA enfrentam com a fragilidade do dólar

Biden quer absolutamente que Riad compre títulos do Tesouro e continue a fazê-lo. Tom Friedman, um veterano colunista americano, escreveu, após seu encontro direto com Biden, que este estava de facto trabalhando em um "pacto de segurança mútua" entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita, o que poderia resultar em uma "normalização" dos laços entre a Arábia Saudita e Israel. 

As principais linhas do suposto acordo são as seguintes: um tratado de segurança mútua a nível da NATO que orientaria os EUA a saírem em defesa da Arábia Saudita se fosse atacada (provavelmente pelo Irão); um programa nuclear civil, controlado pelos EUA; comprar o sistema de mísseis antibalísticos Terminal High Altitude Areal Defense.

Segundo Friedman, no entanto, essa normalização estaria condicionada à ausência de "anexação" da Cisjordânia e ao facto de "Israel fazer concessões aos palestinos que preservariam a possibilidade de uma solução de dois Estados". Como que um "ultimato" a Netanyahu: Você pode anexar a Cisjordânia ou fazer a paz com a Arábia Saudita e todo o mundo muçulmano, mas não pode ter os dois.

À primeira vista, não há nada de revolucionário: segurança para a Arábia Saudita em troca da "renúncia" à tomada em curso de terras árabes palestinas na Cisjordânia e "preservação da perspetiva de uma solução de dois Estados". Afinal, foi a base da iniciativa de paz árabe de 2002, que ainda não foi implementada (retomada por Mohammad bin Salman (MBS) na última reunião da Liga Árabe).

Então, o que está acontecendo? Por que todos (Jake Sullivan, Brett McGurk e Antony Blinken) de repente correm para Jeddah? Será que eles realmente acreditam a normalização saudita "forçaria Netanyahu a abandonar os extremistas do seu gabinete e fazer causa comum com a centro-esquerda e centro-direita israelenses"?

Simplificando, Biden propõe que Netanyahu traia seu governo – e muito provavelmente vá para a cadeia (quando deixar de ser primeiro-ministro). Quem, ou o quê, deteria então os colonos? Eles não estão apenas "dentro" do governo de Netanyahu, mas, de certa forma, "são" o governo devidamente eleito. A Casa Branca imagina que eles vão capitular obedientemente, de chapéu na mão a Biden?

E quanto à Arábia Saudita? MBS já tem garantias de segurança negociadas diretamente com o Irão, com a China como fiador. Está prestes a obter um programa nuclear (em aliança com o Irão e a China) e desempenhar um papel de liderança nos assuntos regionais como membro do bloco SCO-BRICS.

O elemento definidor da reação de MBS à proposta, é provavelmente o eterno obstáculo para se chegar a acordos: por mais de duas décadas, os EUA insistiram em parar os colonatos judaicos na Cisjordânia. Isso nunca aconteceu. Por que MBS daria um presente a Biden, de quem não gosta, sabendo que os colonatos não cessarão, mesmo sob um governo israelita de centro-esquerda?

O que está escondido "debaixo da mesa" é reduzir as relações entre a Arábia Saudita e a China. Os EUA não gostaram com os relatos do ano passado de que a Arábia Saudita estava considerando aceitar o renminbi chinês para algumas vendas de petróleo para a China em vez do dólar. Eventualmente, dado o poder económico da China e da Arábia Saudita, isso poderia ter um impacto muito negativo sobre o dólar como a moeda mais importante do mundo. Por conseguinte, esta decisão deve ser anulada. Os EUA também querem que os sauditas reduzam as relações com gigantes chinesas da tecnologia, como a Huawei.

Aqui chegamos ao cerne da questão. A secretária Yellen fez recentemente uma visita de dois dias a Pequim, que inexplicavelmente se estendeu por quatro dias. A imprensa ocidental pouco disse e pouco foi relatado na China. O principal objetivo era persuadir os chineses a retomar as compras de títulos do Tesouro americano. As compras de dinheiro em títulos do Tesouro caíram para perto de zero e os EUA têm que vender 1 100 mil milhões em títulos do Tesouro para alguém... urgentemente!

Parece que Yellen não recebeu promessas da China. Pelo contrário a China vendeu 20 mil milhões em títulos do Tesouro que detinha em maio. Biden quer absolutamente que Riad compre títulos do Tesouro – e continue a comprá-los. A visita da equipe a Jeddah é, na verdade, um renascimento das negociações de Kissinger na década de 1970, que deram origem ao petrodólar e forçaram o Reino a comprar e manter títulos de dívida do Tesouro.

Hoje, a situação do dólar é muito mais delicada. A inflação e as taxas de juros estão subindo e os valores dos títulos estão caindo. A dívida dos EUA explodiu e os pagamentos de juros só dessa dívida devem chegar 1 milhão de milhões por ano. Mais importante, partes do mundo estão negociando em outras moedas que não o dólar.

O comércio de petróleo saudita em renminbi é, portanto, uma luz vermelha entre as muitas luzes de alerta piscando em todo o mundo. Todos eles sinalizam o desejo de "desacoplar" das instituições de Bretton Woods e seu sistema financeiro neocolonial.

Riad está atualmente lutando – em coordenação com Moscovo – para quebrar um aspeto do "sistema": o controle do Ocidente sobre a fixação dos preços dos bens, incluindo o petróleo. Se esse é o objetivo de MBS – e ele como maior produtor consegue definir o preço do “barril marginal” - por que voltaria à hegemonia global do dólar e romperia suas boas relações com a China?

Todo o diagrama testemunha uma Casa Branca isolada da realidade e desesperada. O que dizer de sua futura gestão da Ucrânia e da forma como os EUA lidam com suas relações com a Rússia?)



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