«a partir do momento em que se passa ao estado de guerra o imperativo é compreender. » . Nota :O PCP tinha razão em contextualizar a guerra e sofreu com isso uma miserável campanha assente em preconceitos . mentiras e deturpações que merece ser estudada e os seus principais autores registados .
UMA EUROPA DILACERADA NO ESPELHO DA GUERRA
- por Viriato Soromenho Marques no ‘DN’
Há
dois anos a Rússia invadiu a Ucrânia. Com isso, a guerra civil
ucraniana, iniciada em 2014 entre Kiev e os territórios russófonos de
leste em processo de secessão, transformou-se numa guerra internacional,
em dois registos. De grande intensidade, no campo de batalha que opõe
exércitos russos e ucranianos. De baixa intensidade, mas com forte
potencial de escalada, entre Moscovo e os países da OTAN, que têm
contribuído maciçamente para o esforço de guerra de Kiev. Para além das
centenas de milhares de mortos e estropiados e milhões de refugiados,
esta guerra já causou danos económicos e sociais profundos,
particularmente, na qualidade de vida dos cidadãos europeus. O
Parlamento Europeu divulgou em dezembro os resultados de um estudo de
opinião (Parlementer Survey 2023) que não deixa margem para dúvida: 37%
dos inquiridos revela ter dificuldade em pagar as suas contas, seja
temporária ou permanentemente; 36% considera como prioridade investir no
combate à exclusão social; 34% reclama mais apoio à saúde pública. O
processo de entropia e empobrecimento europeu irá continuar, pois as
forças inerciais que o alimentam são fundas e poderosas. A questão
central consiste em saber se esta queda ainda pode tornar-se numa
catástrofe bélica de proporções incalculáveis. Para avaliar as
possibilidades de evitar, que além dos anéis possamos perder os dedos,
importa analisar, primeiro, o modo como na UE se pensa a natureza desta
guerra, e depois, as perspetivas no plano militar.
A
guerra trava-se com armas, mas é conduzida por ideias. Depois da
invasão russa, houve um sinal muito inquietante. A imprensa e os
políticos europeus, mimetizando o registo que vinha dos EUA,
classificaram o ataque de Moscovo como uma “guerra não provocada”
(unprovoked war). Uma coisa é a condenação da evidente violação do
direito internacional por parte da Rússia, outra bem diferente é
pretender apagar três décadas de acontecimentos, estudados por centenas
de cientistas sociais, nomeadamente nos EUA e Europa. Pelo contrário, a
partir do momento em que se passa ao estado de guerra o imperativo é
compreender. Só a análise empírica e racional exaustiva das causas
permite encontrar o caminho de saída para o conflito. O tema da Ucrânia
esteve sempre bem vivo nas relações do Ocidente com a Rússia. Em maio de
1995, Michael Mandelbaum escreveu, profeticamente, na Foreign Affairs:
“Não é exagero afirmar que a expansão da OTAN será boa ou má em função
do seu efeito na coexistência pacífica da Ucrânia com a Rússia.” Ao
longo de décadas, diplomatas, como o decano George F. Kennan, políticos
como William Perry, ou Kissinger alertaram para a tempestade em
formação. Na Academia, vozes respeitadas e sábias, como as de Stephen
Cohen, John Mearsheimer ou Stephen Walt, sinalizaram a rota de colisão
com os interesses de segurança, permanentemente invocados pela
diplomacia russa. Os estrategistas de Washington preferiram impor a
narrativa da demonização, que não cessa se ser alimentada. Em 2014,
Kissinger escreveu a esse propósito: “Para o Ocidente a demonização de
Vladimir Putin não é uma política, mas antes um alibi para a sua
ausência”.
Qual é hoje o plano ocidental para esta
guerra? No caso da UE, além de nada ter feito para evitar o conflito
(Merkel e Hollande confessaram à BBC ter enganado Putin nos Acordos de
Minsk), é gritante a mistura de ignorância e imprudência. Nos atuais
dirigentes europeus mais relevantes, nem um parece perceber os riscos de
uma guerra direta com a maior potência nuclear do mundo. Se se tivesse
concretizado o cenário, altamente improvável, de a Ucrânia ter sucesso
contra a Rússia no plano convencional, será que as capitais europeias
têm consciência de que essa “vitória” poderia ser o preâmbulo do uso de
armas nucleares táticas? Será que na UE se desconhece que esta guerra é
considerada existencial por Moscovo? Na recente Conferência de Segurança
de Munique, representantes ucranianos voltaram a repetir o pedido de
armamento nuclear, que Zelensky já fizera antes da invasão. Será que a
UE percebe que satisfazer essa enormidade incendiaria a Europa? Em
fevereiro de 2023 defendi aqui que só uma “paz imperfeita”, como a de
1953 entre as Coreias, poderia evitar o pior. Com os EUA paralisados até
novembro de 2024, e a UE em completa desorientação, ainda há muitas
frestas abertas para surpresas desagradáveis.
O
frenesim bélico está a destruir aquilo que a UE tinha de melhor,
incluindo uma liderança no combate ambiental e climático. Falhámos uma
política de boa vizinhança. Ainda nos dividimos na invasão do Iraque,
mas alinhámos na pilhagem da Líbia e na tentativa de destruir a Síria. A
Rússia é diferente. Faz parte da nossa geografia e milenar história
comum. Para coabitarmos não precisamos de nos amar, mas é imperativo o
respeito mútuo. Entrámos no abismo, a tentar esconder os nossos erros
com os nossos preconceitos. Fizemos mal, mas suspeito que ainda há
atrevimento suficiente para fazer pior.
1 comentário:
Aquela cor no tipo de letra era desnecessária. Infelizmente cada dia que passa, há a mania de usar uma cor que parece cinzenta e que em contraste com o branco do papel, dificulta a leitura. Presumo eu que seja por que o preto é anti-ético. Manda a gente do marketing, mas em casa de homens que se têm por serem de esquerda, não devia ser assim.
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