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25 de junho de 2024

O Charlatanismo Económico

 No tempo da outra senhora o Financial Times de vez em quando trazia umas noticias laudatórias sobre o nosso país que depois se veio a saber que eram bem pagas pelo regime... Sendo lucrativo o jornal foi expandindo estas práticas para outros domínios... As universidades patrocinadas pelos Pingo Doces onde lecionam Portas e quejandos e debitam o mais cientifico neo liberalismo que nos digam como o Financial times funciona ... Depois ficam espantados por brilhantes economistas dessas escolas garantirem . por exemplo , que as sanções à Rússia levariam ao colapso da sua economia em semanas como dizia o ministro frnacês da Economia e já vão no quarto pacote de sanções.. E não se lembram das brilhantes sentenças de não menos brilhantes cabeças coroadas pelas mais prestigiadas universidades da apologética do capital  de que a economia russa ia ficar sem divisas tendo depois ficado muito espantados por este país exigir o pagamento do seu petróleo em rublos e não em dólares... Veja se este interessante  artigo sobre o alarido do ranking das nossas universidades umas abençoadas pela água benta outras nem tanto em relação ao ensino do Business & money & microeconomia...

DIOGO MARTINS – O RANKING DO FINANCIAL TIMES É UMA FRAUDE ACADÉMICA – Relembrar verdades elementares perante o deslumbramento das elites periféricas


17 de Junho de 2024

 

 

Foi ontem anunciado o ranking do Financial Times para os mestrados em Finanças. À semelhança do que sucede todos os anos, as universidades portuguesas que figuram nesse ranking conferem enorme centralidade e solenidade ao acontecimento. Durante vários dias, a sua comunicação institucional assenta na divulgação desse grande feito. No plano nacional, é o momento das universidades de economia e gestão mostrarem que se ombreiam com as mais distintas universidades internacionais. No plano inter-institucional, é o momento das faculdades que conseguiram melhores lugares relativos não se pouparem a esforços para alardear o feito, tentando assim demonstrar a sua superioridade face às demais.

Este frenesim é depois devidamente amplificado pelos órgãos de comunicação social de forma acrítica. Os jornais e as televisões dão a notícia de que várias universidades portuguesas se encontram no ranking do Financial Times com o mesmo orgulho patriótico incontestado de quem canta os feitos da seleção nacional ou enaltece a chegada da Web Summit. É a prova de que este país tem motivos de orgulho e se coloca ao lado dos melhores. O tom é de verdadeira exultação provinciana, fazendo recordar as também provincianas tias de Vasco Santana no filme A Canção de Lisboa. Assim como as tias ficaram em êxtase ao saber que o seu Vasco “até sabia o que era o esternocleidomastoideo!”, também a nossa comunicação social vibra ao dar a boa nova que este país, afora ser o de Camões e o de Cristiano Ronaldo, “até tem várias universidades no ranking do Financial Times!”.

Afinal, quais são os critérios?

Um bocadinho de juízo crítico deveria inspirar cautela – para não referir a mais elementar vergonha – nesta forma de anunciar estes resultados. Uma breve consulta dos critérios de construção do ranking – facilmente acessíveis no site do Financial Times – revela que nenhum dos critérios pretende avaliar a qualidade do ensino e da produção académica. Pelo contrário, os critérios centram-se em, essencialmente, duas dimensões: a capacidade dos seus alunos extraírem valor mercantil da sua frequência do mestrado e a capacidade da faculdade se expandir internacionalmente na captação de alunos.

Verificar a primeira dimensão implica somente olhar para três dos mais valorizados indicadores que constituem a média ponderada a partir do qual se constrói o ranking: (1) o salário do aluno do mestrado três anos após a conclusão do curso; (2) o diferencial entre o salário do aluno antes e após a obtenção do mestrado e (3) relação custo-benefício entre o custo do mestrado e o salário futuro.

 

A segunda dimensão fica evidente num conjunto de outros critérios, como a percentagem de alunos estrangeiros a frequentarem o mestrado ou a capacidade de a faculdade colocar os seus alunos em contacto com networks internacionais.

O mérito académico de um mestrado é restringido à capacidade de transformar o investimento pessoal em “capital humano” em fluxo financeiros futuros e à capacidade de elevar a condição material relativa do aluno após a sua frequência.

Não há sequer uma tentativa de incluir métricas que procurem avaliar a produção substantiva de conhecimento. Mesmo que tenhamos reservas face a algumas dessas métricas – e eu tenho-as – critérios como o impacto da publicação académica dos docentes do mestrado ou a influência internacional das suas ideias poderiam ser incluídos. A decisão de os excluir revela que não se trata de um ranking académico. É uma fraude: só pretende aferir o valor mercantil de um título académico.

Além de tudo o que já se referiu, a subordinação da academia portuguesa aos seus critérios tem desencadeado externalidades negativas de monta para a equidade no acesso ao ensino superior e nos critérios de investimento em novas infraestruturas.

A equidade no acesso ao ensino superior aos mestrados nas áreas de economia e gestão tem sido incontestavelmente prejudicada pela forma como as universidades portuguesas se pretendem colocar no “mercado” académico internacional. Sem limitação de propinas no 2º ciclo do Ensino Superior, a internacionalização dos mestrados serve o duplo propósito de elevação nos rankings e de gerar receita própria para as universidades – num movimento superlativamente irracional, sobretudo para faculdades públicas sem regime fundacional, como no caso do ISEG, que nem tão pouco podem fazer uma gestão autónoma dessas receitas. A procura internacional tem permitido a essas universidades cobrarem propinas que são uma afronta ao mandato de ensino universal de uma universidade pública. Para referência, basta referir que o mestrado em Finanças da Nova tem um custo de 13500€, enquanto o mestrado do ISEG tem um custo de 7900€, valores incomportáveis para a maioria dos alunos portugueses. Assim, estes mestrados são espaços socialmente segregados, amiúde destinados à reprodução geracional das elites. Daqui não se deve extrair – como muitos gostam insidiosamente de sugerir – que quem se opõe a este movimento sonha com uma academia portuguesa paroquial, fechada ao exterior. Muito pelo contrário: a circulação de alunos internacionais nas universidades portuguesas é muito desejável, desde que a mesma não implique, como implica hoje, a segregação social no Ensino Superior.

Por outro lado, os incentivos de alinhamento das instituições académica com este tipo de rankings tem gerado absurdos no investimento de infraestruturas. O mais anedótico caso – não só à escala nacional, mas também internacional – é o Campus da NOVA SBE em Carcavelos. Note-se que os rankings têm como critério o número de alunos estrangeiros, mas são cegos quanto à forma como esses resultados são obtidos. Haverá melhor forma de atrair alunos internacionais do que construir um campus junto à praia de Carcavelos e vender uma experiência de resort académico no Sul da Europa? Talvez não. À luz dos incentivos destes rankings, será porventura a mais racional das decisões. Porém, duvido que exista consenso quanto a este dever ser o referencial enquadrador das prioridades de investimento infraestrutural nas universidades portuguesas.

As razões estruturais do fascínio bacoco

A centralidade dada ao ranking do Financial Times na academia portuguesa e nos media reflete a mercantilização crescente de todas as esferas da vida – objetivo último do neoliberalismo – e a forma como o capital usa todos os meios disponíveis a nível nacional e internacional para garantir a reprodução da sua ordem. Subordinar a ação das universidades aos critérios de uma publicação internacional alinhada com os interesses da finança internacional é só um entre múltiplos mecanismos para vergar a independência das universidades, extrair-lhes a capacidade de formarem alunos capazes de se interrogar sistemicamente sobre o mundo e formar exércitos confirmados com a ordem do capital, cuja ambição de frequência universitária não excede o objetivo de melhorarem a sua própria condição material. É realinhar a superestrutura com a infraestrutura das relações de dominação de classe, após um período em que as universidades se mostraram – como em Maio de 68 em França ou na década de 60 e 70 em Portugal – vetores de questionamento sobre os sistemas de repressão políticos e económicos.

A silenciosa transformação na comunicação institucional das universidades é o reflexo dessa mutação: essa comunicação é hoje gerida por departamentos de Marketing cujos membros têm um profundo desconhecimento sobre a investigação substantiva feita nessa universidade e são destituídos de qualquer reflexão histórica e filosófica sobre o papel da universidade no desenvolvimento das sociedades contemporâneas. Não só não têm, como acham tal conhecimento uma preocupação desnecessária e extemporânea, que cheira muito a século XX. Eles são “os novos tempos”. E os novos tempos – essa hipermodernidade desprovida de qualquer moral que não seja a do mercado e do desenvolvimento material individual de que nos fala Gilles Lipovetsky – são pouco dados a esses pruridos com o conhecimento. Não interessa quais são os critérios: tudo é instrumental. Se o ranking do Financial Times é percepcionado como algo reconhecido pela atmosfera mediática e, com efeito, suscetível de atrair novos alunos (clientes) no futuro, então isso acrescenta valor à marca que a universidade constitui – acho sempre espantosa a forma intelectualmente desinformada como usam e abusam do conceito de valor – e, por conseguinte, deve ser usado sem reservas. Isto é, à comunicação entre uma universidade e os seus alunos e futuros alunos não devem presidir nenhuns deveres de lealdade e rigor diferentes dos que guiam a relação entre uma marca de papel higiénico e os seus prospetivos consumidores.

Este episódio é um bom momento para recordar que um programa com traços emancipatórios para a sociedade portuguesa tem de conter um forte eixo de oposição à deriva neoliberal de setores cada vez mais amplos da academia portuguesa. Não se trata – como alguns ainda gostam de apontar – de uma preocupação de nicho, reveladora de viés elitista de quem o escreve. Muito pelo contrário: numa época em que uma tão grande percentagem dos jovens portugueses frequenta a universidade, deixar esses espaços reféns de uma comunicação institucional de subordinação mercantil, sujeita aos seus conceitos e critérios, cada vez mais permeável ao poder económico e hostil à investigação académica que se lhe opõe, é de uma enorme imprudência.

A universidade que ambicionamos é aquela que estimula o conhecimento substantivo e desenvolve o espírito crítico, conferindo aos seus alunos a desenvoltura intelectual para formularem juízos intelectuais autónomos perante os factos. Rejeitar uma universidade centrada na reprodução do discurso, dos conceitos e da legitimação da ordem capitalista, reduzindo-a a um espaço em que a universidade apenas serve para majorar o salário potencial ou construir redes de contactos que alavanquem a ascensão na carreira, é um critério fundamental para a construção de uma narrativa coletiva forte, alternativa e mobilizadora.

A universidade a que aspiramos é outra. A que tem o conhecimento no seu centro, se coloca ao serviço da sociedade e rejeita ser mais um elo das cadeias de reprodução das desigualdades de poder que caracterizam as nossas sociedades.

Essa universidade será construída contra o ranking do Financial Times, ao invés de a ele se submeter.

1 comentário:

Luis Filipe Gomes disse...

E por agora, está tudo dito. Bem dito!