No tempo da outra senhora o Financial Times de vez em quando trazia umas noticias laudatórias sobre o nosso país que depois se veio a saber que eram bem pagas pelo regime... Sendo lucrativo o jornal foi expandindo estas práticas para outros domínios... As universidades patrocinadas pelos Pingo Doces onde lecionam Portas e quejandos e debitam o mais cientifico neo liberalismo que nos digam como o Financial times funciona ... Depois ficam espantados por brilhantes economistas dessas escolas garantirem . por exemplo , que as sanções à Rússia levariam ao colapso da sua economia em semanas como dizia o ministro frnacês da Economia e já vão no quarto pacote de sanções.. E não se lembram das brilhantes sentenças de não menos brilhantes cabeças coroadas pelas mais prestigiadas universidades da apologética do capital de que a economia russa ia ficar sem divisas tendo depois ficado muito espantados por este país exigir o pagamento do seu petróleo em rublos e não em dólares... Veja se este interessante artigo sobre o alarido do ranking das nossas universidades umas abençoadas pela água benta outras nem tanto em relação ao ensino do Business & money & microeconomia...
DIOGO
MARTINS – O RANKING DO FINANCIAL TIMES É UMA FRAUDE ACADÉMICA –
Relembrar verdades elementares perante o deslumbramento das elites
periféricas
17 de Junho de 2024
Foi ontem anunciado o ranking do Financial Times para
os mestrados em Finanças. À semelhança do que sucede todos os anos, as
universidades portuguesas que figuram nesse ranking conferem enorme
centralidade e solenidade ao acontecimento. Durante vários dias, a sua
comunicação institucional assenta na divulgação desse grande feito. No
plano nacional, é o momento das universidades de economia e gestão
mostrarem que se ombreiam com as mais distintas universidades
internacionais. No plano inter-institucional, é o momento das faculdades
que conseguiram melhores lugares relativos não se pouparem a esforços
para alardear o feito, tentando assim demonstrar a sua superioridade
face às demais.
Este
frenesim é depois devidamente amplificado pelos órgãos de comunicação
social de forma acrítica. Os jornais e as televisões dão a notícia de
que várias universidades portuguesas se encontram no ranking do Financial Times com o mesmo orgulho patriótico incontestado de quem canta os feitos da seleção nacional ou enaltece a chegada da Web Summit.
É a prova de que este país tem motivos de orgulho e se coloca ao lado
dos melhores. O tom é de verdadeira exultação provinciana, fazendo
recordar as também provincianas tias de Vasco Santana no filme A Canção de Lisboa.
Assim como as tias ficaram em êxtase ao saber que o seu Vasco “até
sabia o que era o esternocleidomastoideo!”, também a nossa comunicação
social vibra ao dar a boa nova que este país, afora ser o de Camões e o
de Cristiano Ronaldo, “até tem várias universidades no ranking do Financial Times!”.
Afinal, quais são os critérios?
Um
bocadinho de juízo crítico deveria inspirar cautela – para não referir a
mais elementar vergonha – nesta forma de anunciar estes resultados. Uma
breve consulta dos critérios de construção do ranking – facilmente
acessíveis no site do Financial Times –
revela que nenhum dos critérios pretende avaliar a qualidade do ensino e
da produção académica. Pelo contrário, os critérios centram-se em,
essencialmente, duas dimensões: a capacidade dos seus alunos extraírem
valor mercantil da sua frequência do mestrado e a capacidade da
faculdade se expandir internacionalmente na captação de alunos.
Verificar
a primeira dimensão implica somente olhar para três dos mais
valorizados indicadores que constituem a média ponderada a partir do
qual se constrói o ranking: (1) o salário do aluno do mestrado três anos
após a conclusão do curso; (2) o diferencial entre o salário do aluno
antes e após a obtenção do mestrado e (3) relação custo-benefício entre o
custo do mestrado e o salário futuro.
A
segunda dimensão fica evidente num conjunto de outros critérios, como a
percentagem de alunos estrangeiros a frequentarem o mestrado ou a
capacidade de a faculdade colocar os seus alunos em contacto com networks internacionais.
O
mérito académico de um mestrado é restringido à capacidade de
transformar o investimento pessoal em “capital humano” em fluxo
financeiros futuros e à capacidade de elevar a condição material
relativa do aluno após a sua frequência.
Não
há sequer uma tentativa de incluir métricas que procurem avaliar a
produção substantiva de conhecimento. Mesmo que tenhamos reservas face a
algumas dessas métricas – e eu tenho-as – critérios como o impacto da
publicação académica dos docentes do mestrado ou a influência
internacional das suas ideias poderiam ser incluídos. A decisão de os
excluir revela que não se trata de um ranking académico. É uma fraude:
só pretende aferir o valor mercantil de um título académico.
Além
de tudo o que já se referiu, a subordinação da academia portuguesa aos
seus critérios tem desencadeado externalidades negativas de monta para a
equidade no acesso ao ensino superior e nos critérios de investimento
em novas infraestruturas.
A
equidade no acesso ao ensino superior aos mestrados nas áreas de
economia e gestão tem sido incontestavelmente prejudicada pela forma
como as universidades portuguesas se pretendem colocar no “mercado”
académico internacional. Sem limitação de propinas no 2º ciclo do Ensino
Superior, a internacionalização dos mestrados serve o duplo propósito
de elevação nos rankings e de gerar receita própria para as
universidades – num movimento superlativamente irracional, sobretudo
para faculdades públicas sem regime fundacional, como no caso do ISEG,
que nem tão pouco podem fazer uma gestão autónoma dessas receitas. A
procura internacional tem permitido a essas universidades cobrarem
propinas que são uma afronta ao mandato de ensino universal de uma
universidade pública. Para referência, basta referir que o mestrado em
Finanças da Nova tem um custo de 13500€, enquanto o mestrado do ISEG tem
um custo de 7900€, valores incomportáveis para a maioria dos alunos
portugueses. Assim, estes mestrados são espaços socialmente segregados,
amiúde destinados à reprodução geracional das elites. Daqui não se deve
extrair – como muitos gostam insidiosamente de sugerir – que quem se
opõe a este movimento sonha com uma academia portuguesa paroquial,
fechada ao exterior. Muito pelo contrário: a circulação de alunos
internacionais nas universidades portuguesas é muito desejável, desde
que a mesma não implique, como implica hoje, a segregação social no
Ensino Superior.
Por
outro lado, os incentivos de alinhamento das instituições académica com
este tipo de rankings tem gerado absurdos no investimento de
infraestruturas. O mais anedótico caso – não só à escala nacional, mas
também internacional – é o Campus da NOVA SBE em Carcavelos. Note-se que
os rankings têm como critério o número de alunos estrangeiros, mas são
cegos quanto à forma como esses resultados são obtidos. Haverá melhor
forma de atrair alunos internacionais do que construir um campus junto à
praia de Carcavelos e vender uma experiência de resort académico no Sul
da Europa? Talvez não. À luz dos incentivos destes rankings, será
porventura a mais racional das decisões. Porém, duvido que exista
consenso quanto a este dever ser o referencial enquadrador das
prioridades de investimento infraestrutural nas universidades
portuguesas.
As razões estruturais do fascínio bacoco
A centralidade dada ao ranking do Financial Times na
academia portuguesa e nos media reflete a mercantilização crescente de
todas as esferas da vida – objetivo último do neoliberalismo – e a forma
como o capital usa todos os meios disponíveis a nível nacional e
internacional para garantir a reprodução da sua ordem. Subordinar a ação
das universidades aos critérios de uma publicação internacional
alinhada com os interesses da finança internacional é só um entre
múltiplos mecanismos para vergar a independência das universidades,
extrair-lhes a capacidade de formarem alunos capazes de se interrogar
sistemicamente sobre o mundo e formar exércitos confirmados com a ordem
do capital, cuja ambição de frequência universitária não excede o
objetivo de melhorarem a sua própria condição material. É realinhar a
superestrutura com a infraestrutura das relações de dominação de classe,
após um período em que as universidades se mostraram – como em Maio de
68 em França ou na década de 60 e 70 em Portugal – vetores de
questionamento sobre os sistemas de repressão políticos e económicos.
A
silenciosa transformação na comunicação institucional das universidades
é o reflexo dessa mutação: essa comunicação é hoje gerida por
departamentos de Marketing cujos membros têm um profundo desconhecimento
sobre a investigação substantiva feita nessa universidade e são
destituídos de qualquer reflexão histórica e filosófica sobre o papel da
universidade no desenvolvimento das sociedades contemporâneas. Não só
não têm, como acham tal conhecimento uma preocupação desnecessária e
extemporânea, que cheira muito a século XX. Eles são “os novos tempos”. E
os novos tempos – essa hipermodernidade desprovida de qualquer moral
que não seja a do mercado e do desenvolvimento material individual de
que nos fala Gilles Lipovetsky – são pouco dados a esses pruridos com o
conhecimento. Não interessa quais são os critérios: tudo é instrumental.
Se o ranking do Financial Times é percepcionado como algo
reconhecido pela atmosfera mediática e, com efeito, suscetível de atrair
novos alunos (clientes) no futuro, então isso acrescenta valor à marca
que a universidade constitui – acho sempre espantosa a forma
intelectualmente desinformada como usam e abusam do conceito de valor –
e, por conseguinte, deve ser usado sem reservas. Isto é, à comunicação
entre uma universidade e os seus alunos e futuros alunos não devem
presidir nenhuns deveres de lealdade e rigor diferentes dos que guiam a
relação entre uma marca de papel higiénico e os seus prospetivos
consumidores.
Este
episódio é um bom momento para recordar que um programa com traços
emancipatórios para a sociedade portuguesa tem de conter um forte eixo
de oposição à deriva neoliberal de setores cada vez mais amplos da
academia portuguesa. Não se trata – como alguns ainda gostam de apontar –
de uma preocupação de nicho, reveladora de viés elitista de quem o
escreve. Muito pelo contrário: numa época em que uma tão grande
percentagem dos jovens portugueses frequenta a universidade, deixar
esses espaços reféns de uma comunicação institucional de subordinação
mercantil, sujeita aos seus conceitos e critérios, cada vez mais
permeável ao poder económico e hostil à investigação académica que se
lhe opõe, é de uma enorme imprudência.
A
universidade que ambicionamos é aquela que estimula o conhecimento
substantivo e desenvolve o espírito crítico, conferindo aos seus alunos a
desenvoltura intelectual para formularem juízos intelectuais autónomos
perante os factos. Rejeitar uma universidade centrada na reprodução do
discurso, dos conceitos e da legitimação da ordem capitalista,
reduzindo-a a um espaço em que a universidade apenas serve para majorar o
salário potencial ou construir redes de contactos que alavanquem a
ascensão na carreira, é um critério fundamental para a construção de uma
narrativa coletiva forte, alternativa e mobilizadora.
A
universidade a que aspiramos é outra. A que tem o conhecimento no seu
centro, se coloca ao serviço da sociedade e rejeita ser mais um elo das
cadeias de reprodução das desigualdades de poder que caracterizam as
nossas sociedades.
Essa universidade será construída contra o ranking do Financial Times, ao invés de a ele se submeter.
1 comentário:
E por agora, está tudo dito. Bem dito!
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