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29 de junho de 2025

Do lucro privado ao poder público-privado - 2

O novo documento da OXFAM confirma o que a esquerda consequente tem afirmado e proposto. Não admira que os media e o governo tenham adotado a agenda da extrema-direita, transformando a questão da nacionalidade e emigração numa prioridade. Em vez de solidariedade, discriminação e ódio. Nada de novo. Em tempos afirmou-se - e cantou-se - que "o que é preciso é avisar a malta", agora o que a oligarquia precisa é de "distrair a malta" - mais corretamente, "alienar a malta" - do que é importante e lhes diz diretamente respeito.

Em 2015 foram definidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e um plano para alcançá-la, dez anos depois esse esforço está a fracassar. Quase metade da população mundial (mais de 3,7 mil milhões de pessoas) vive na pobreza, enquanto se generalizam a injustiça de género, a fome e outras recusas de direitos humanos básicos.

A agenda de desenvolvimento foi capturada pelos interesses de ricos investidores privados. Essa abordagem não funcionou: pode causar grandes danos e não é melhor que o financiamento público. É necessário definir uma nova agenda que posicione o poder público acima do lucro privado e proceda a reformas na arquitetura financeira internacional.

A lacuna entre a quantidade de dinheiro necessária para atender às necessidades básicas e a quantidade efetivamente mobilizada, a “lacuna de financiamento” dos ODS, aumentou muito, de uma estimativa de 2 milhões de milhões de dólares em 2015, para 4 milhões de milhões, e a projeção é que chegue a 6,4 até 2030. Em grande parte, os fracassos da última década são resultado de não se ter combatido a desigualdade extrema, e ter optado por dar prioridade aos interesses privados em detrimento do bem público.

Essa riqueza concentra-se de forma enormemente desproporcional no Norte Global, onde está a grande maioria dos bilionários e da riqueza, apesar de abrigar apenas um quinto da população global. Esta enorme concentração de riqueza traduziu-se em poder político, num movimento em direção à oligarquia em que os indivíduos ultraricos definem a tomada de decisões políticas e económicas de formas que aumentam a sua riqueza e impedem os esforços para criar uma sociedade mais igualitária.

O colapso da tributação dos mais ricos e grandes empresas, assim como um aumento desastroso dos pagamentos da dívida soberana, teve um grande impacto sobre a capacidade dos Estados fornecerem serviços públicos como água potável, educação e cuidados de saúde.

Com a agenda de desenvolvimento capturada pelos interesses de investidores privados, o desenvolvimento tornou-se, acima de tudo, uma oportunidade para poderosos atores financeiros, porém não gerou o financiamento necessário, resultou em mais problemas consideráveis, enquanto credores e acionistas foram protegidos das exigências democráticas. As ambições destes investidores foram disfarçadas com o pretexto de financiar o desenvolvimento, embora os objetivos do desenvolvimento não se concretizem.

O Banco Mundial defendeu uma “mudança de paradigma”, consistindo no uso de recursos públicos para “catalisar” fluxos privados por meio de vários instrumentos financeiros como “parcerias público-privadas” (PPP), conceitos como “financiamento misto” e “redução de riscos” apesar das preocupações de que isso equivale a abandonar a pretensão de financiar o desenvolvimento, passando a ser uma via para as ambições do capital privado.

O presidente do Banco Mundial, afirma que “condições certas” incentivarão o fluxo de investimentos privados. Mas há amplas evidências de que, mesmo fluindo, o financiamento privado costuma ser mais caro que o financiamento público e apresenta imensos riscos fiscais para os Estados. Por exemplo, as PPP na área da saúde têm um histórico de impor encargos elevados e insustentáveis aos orçamentos públicos do setor, muito acima do prometido.

A OXFAM apresenta algumas conclusões e propostas:

- A desigualdade extrema está a prejudicar o desenvolvimento global, com riqueza privada concentrada ao lado da penúria pública. Foi estabelecida uma fé equivocada no financiamento privado ao mesmo tempo que a crise da dívida foi exacerbada pelos credores privados.

Então tornam-se necessárias as seguintes medidas:

- Os governos devem unir-se em novas coligações para se oporem à desigualdade extrema, estabelecendo alianças estratégicas contra a desigualdade.

- Os governos devem  rejeitar o Consenso de Wall Street, que considera o financiamento privado como a solução mágica para o desenvolvimento, em que apesar das evidências cada vez maiores das suas falhas e ineficiências são feitos esforços renovados para apresentar o setor privado como solução para financiar o desenvolvimento. Em vez disso, os poderes públicos devem adotar uma abordagem que priorize o setor público e o desenvolvimento liderado pelo Estado para garantir serviços universais de saúde, educação, assistência de alta qualidade e explorar bens públicos em setores como energia e transporte.

- Taxar os super-ricos, porque é onde está o dinheiro. Revitalizar a ajuda humanitária, reformar a arquitetura da dívida e ir além dos indicadores de PIB tendo em conta as desigualdades. O que se passa atualmente com a tributação é uma “fantasia” fiscal que enriquece investidores ricos.

- Repensar totalmente o financiamento do desenvolvimento, reformar a atual arquitetura financeira internacional manipulada.




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