Orwell puro: Europa condena o Irão pelos ataques no seu próprio território
1 "A Gauleiter UrSSula von der Führer anuncia simultaneamente que o Irão nunca deve adquirir a bomba (mesmo que não haja nenhuma evidência de que eles estivessem tentando construir uma) que o direito internacional deve ser respeitado e que o Irão deve se envolver numa solução diplomática confiável Isto depois de o Irão ter sido bombardeado sem declaração de guerra duas vezes nos últimos dez dias, sem mencionar todos os ataques aéreos sofridos, tendo os seus hospitais e ambulâncias sido alvos deliberados e tendo tentado negociar apenas para que as outras partes aproveitassem para bombardearem e atacarem seus territórios durante as negociações.
Uma coisa é ser uma serpente nazi, uma vigarista corrupta e uma mentirosa congênita, mas aqui estamos atingindo novos patamares de esquizofrenia. " Gazeta de VienneFonte: Responsible Statecraft, Eldar Mamedov
Quando aviões de guerra israelitas atacaram o Irão esta semana, violando a soberania iraniana em um ato descarado de agressão, matando dezenas de civis, bem como altos comandantes militares e cientistas nucleares, ao mesmo tempo em que incitavam o Irão a retaliar com ataques igualmente indiscriminados, os líderes europeus não condenaram o ataque.
Eles aprovaram perversamente e condenaram o Irã pelos ataques que sofreu em seu próprio território.
O presidente francês, Emmanuel Macron, deu o tom ao condenar o "programa nuclear em andamento" do Irã e reafirmar "o direito de Israel de se defender e garantir sua segurança". A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, parece ter seguido o exemplo, "reiterando o direito de Israel de se defender", temperando seus comentários com banalidades genéricas sobre a necessidade de moderação e redução da tensão.
O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha foi além, "condenando veementemente" o Irã por "um ataque imprudente ao território israelense", mesmo antes de Teerã lançar seus mísseis em resposta ao ataque de Israel, ao mesmo tempo em que aprovava totalmente as ações de Israel.
Essa retórica orwelliana não reflete apenas incompetência ou ignorância. É o ápice de anos de erros diplomáticos europeus que ajudaram a criar esta crise e mostraram que a "ordem baseada em regras" não passava de um cadáver. A duplicidade da Europa destruiu sua credibilidade.
Em sua posição sobre a Ucrânia, a Europa invocou o Artigo 2, parágrafo 4, da Carta da ONU com grande clareza política: "Todos os Membros devem abster-se da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial de qualquer Estado". No entanto, quando Israel atacou o Irã, sem qualquer base legal para legítima defesa, a Europa de fato caracterizou a agressão como moral e a tolerou.
O colapso moral e diplomático da Europa não passou despercebido. Duas vozes respeitadas internacionalmente proferiram veredictos particularmente contundentes. Mohamed ElBaradei, ganhador do Prêmio Nobel e ex-chefe do órgão de fiscalização de energia atômica da ONU, deu ao Ministério das Relações Exteriores da Alemanha um curso intensivo e humilhante de direito internacional.
Reagindo à aprovação de Berlim aos "ataques direcionados de Israel contra instalações nucleares iranianas" (independentemente das centenas de civis mortos nesses ataques), ElBaradei lembrou que tais ataques são proibidos pelas Convenções de Genebra, das quais a Alemanha é signatária, e que o uso da força nas relações internacionais "é geralmente proibido pela Carta das Nações Unidas, com exceção do direito de legítima defesa em caso de ataque armado ou mediante autorização do Conselho de Segurança no caso de ação de segurança coletiva".
Por sua vez, Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, reagiu à declaração de Macron comentando que "no dia em que Israel, sem ser provocado, atacou o Irã, o presidente de uma grande potência europeia finalmente admitiu que, no Oriente Médio, Israel, e somente Israel, tem o direito de se defender".
A mensagem de pessoas como ElBaradei e Albanese é inequívoca: quando a Europa aplaude os ataques israelenses e condena a invasão russa, não está defendendo regras universais, mas sim sua identidade tribal: "Regras" só se aplicam a adversários, não a amigos. Este é um golpe mortal na suposta autoridade moral da Europa, como os países do Sul Global já perceberam, mas também muitos cidadãos europeus.
Essa afirmação parece ainda mais distante da realidade, dado que a crise no Oriente Médio eclodiu em terreno fértil, preparado por uma série de fracassos europeus. Primeiro, houve o fracasso do E3 (Grã-Bretanha, França e Alemanha) em manter o JCPOA após a retirada dos EUA sob o comando do presidente Donald Trump em 2018. Embora a UE tenha oferecido apoio retórico ao acordo nuclear, cedeu às sanções americanas e se recusou a proteger as empresas europeias dispostas a se envolver com o Irã. Permitiu que o JCPOA morresse, criando um vácuo de fato propício para uma escalada.
Além disso, enquanto mediadores como o Sultanato de Omã e o Catar negociavam um novo acordo nuclear entre os Estados Unidos e o Irã, a UE pressionou por uma resolução da AIEA censurando o Irã pouco antes do ataque israelense, torpedeando assim a distensão e contribuindo para um ambiente ainda mais perigoso, com o retorno das sanções do Conselho de Segurança da ONU e a potencial retirada do Irã do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em segundo plano.
Cada um desses fracassos reforçou a convicção de Teerã de que negociar com a Europa é inútil. Os E3 da UE são agora vistos não apenas como parceiros fracos, incapazes de cumprir seus próprios compromissos no acordo nuclear, mas também como atores decididamente destrutivos que minam a segurança e a estabilidade regional do Irã.
A rejeição categórica do Ministro das Relações Exteriores iraniano, Abbas Araghchi, aos apelos de seu homólogo britânico, David Lammy, por uma redução da tensão ilustrou de forma contundente a impressionante decadência das potências europeias rumo à irrelevância diplomática. De fato, é difícil imaginar por que Teerã deveria atender a tais apelos, quando vêm de partes que considera estarem em conluio ativo com os agressores.
Essa autossabotagem diplomática da Europa provavelmente resultará na destruição da pouca confiança que ainda restava no Irã e em todo o Sul global. A proliferação está agora praticamente garantida, pois dá aos iranianos, e não apenas aos linha-dura, um poderoso incentivo para buscar armas nucleares, um resultado que poderia ter sido evitado se a Europa tivesse se envolvido em discussões sérias e de boa-fé com o Irã para reativar o acordo nuclear. A saída do Irã do TNP é agora mais do que uma mera possibilidade teórica.
Todos esses fatores aumentam significativamente a probabilidade de uma reação contra os interesses europeus: uma guerra regional no Oriente Médio significa mais migração descontrolada, maiores riscos de terrorismo em solo europeu ou contra interesses europeus na região e choques energéticos se o Irã cumprir suas ameaças de bloquear o Estreito de Ormuz, a principal artéria comercial de petróleo do mundo.
Sem uma mudança de rumo urgente, mas improvável, como responsabilizar Israel por sua agressão regional, o declínio da Europa se acelerará. Quando Bruxelas isenta seus aliados das regras impostas a seus rivais, não está preservando a paz; está assinando sua própria nota de suicídio geopolítico.
*
Eldar Mamedov é um especialista em política externa que mora em Bruxelas e é membro não residente do Instituto Quincy.
As opiniões expressas pelos autores no Responsible Statecraft não refletem necessariamente as do Quincy Institute ou de suas afiliadas.
Fonte: Responsible Statecraft, Eldar Mamedov , 14-06-2025
Traduzido por leitores do site Les-Crises
Oferecemos este artigo para ampliar seu escopo de reflexão. Isso não significa necessariamente que endossamos a visão aqui desenvolvida. De qualquer forma, nossa responsabilidade se encerra nas declarações que aqui relatamos. [Leia mais]
3 reações e comentários
Macron vem fazendo o oposto do que deveria ser feito em política externa há muito tempo. Ninguém pode conter esse homem sem cérebro, já que ele dissolveu o corpo diplomático e o substituiu por comparsas inevitavelmente endividados.
Mas Macron não é o único responsável. O que a oposição está fazendo?
+4
AlertaBem, as "elites" europeias... elas não trabalham para a Europa há muito tempo...
+2
AlertaDesculpe... falar sobre "incompetência, ignorância e falta de jeito" é um pouco demais.
Tudo isso mostra o incrível poder de controle sobre nossa sociedade (mídia, política, economia) de um lobby pró-Israel que não esconde mais suas intenções e que nunca teve nos EUA a falsa modéstia ou vergonha que aqui em nossas velhas "democracias" os princípios históricos fizeram prevalecer...
Pode-se escrever durante anos fazendo circunlóquios, talvez seja esse o problema, alguns exageram na imposição do silêncio aos outros, privando-os dos meios de analisar, já que não têm o direito de falar.
Este é o limite que qualquer oposição hoje pode aceitar. A oposição está, portanto, fadada a não ser controlada, mas sim estéril, porque avança mais lentamente que seu oponente...
Alerta