Por Jorge Luiz Souto Maior.
No Brasil, verificando a experiência histórica, a greve sempre se associa a sofrimento. Aliás, em nossa realidade, não é à toa que se denominam “lutas” as ações voltadas a superar as injustiças sociais e que envolvem também questões de gênero, raça, orientação sexual, crenças e tantas outras.
No dia 14/03/18, vimos mais um capítulo dessa história, refletida na violência a que foram submetidos professores e professoras da rede pública do Município de São Paulo durante um movimento de greve.
Esta greve, vale lembrar, já constituía o efeito de outra violência da qual os professores e professoras haviam sido vítimas, qual seja, a ameaça da aprovação de um projeto de lei (PL 621/2016 – de iniciativa do Poder Executivo) que visa limitar os valores dos benefícios previdenciários, prevendo a possibilidade do recebimento, por intermédio de uma entidade da administração indireta, de benefícios complementares, que seriam devidos somente mediante contribuição específica, além de prever o aumento da contribuição básica de 11 para 14%, o que, em concreto, significa um rebaixamento da carreira e uma real diminuição de salário na ordem de 3%, podendo ser ainda mais, afrontando o princípio constitucional da irredutibilidade salarial.
Se a alteração é necessária ou útil (ou mesmo benéfica os trabalhadores, como alguns poderiam sustentar), o fato indiscutível é que o procedimento utilizado reflete meramente a imposição da vontade do empregador (o Município) aos seus empregados (professores e professoras), utilizando-se, para tanto, o subterfúgio da autorização legislativa. Juridicamente, qualquer alteração dessa natureza não pode ser imposta por lei, ainda mais quando a lei é de iniciativa do próprio interessado. Exigiria negociação coletiva, mas o “diálogo” que a institucionalidade quer manter com as professoras e professores, como se verificou, é o da força policial.
As professoras e professores, responsáveis pela formação educacional de toda uma geração, estão sendo desrespeitados no aspecto da sua condição humana e quanto aos direitos que a ordem jurídica lhes assegura.
Tratar a greve e os grevistas como assunto de polícia equivale a mais um modo de supressão da oportunidade de fala dos trabalhadores e trabalhadoras.
E o mais grave de tudo é tentar ver como normais essas agressões, vez que, assim, elas não param de aumentar.
E eis que, no mesmo dia, no Rio de Janeiro, a Vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes foram assassinados, sendo certo que Marielle, uma lutadora, foi alvo de execução, em razão de seus posicionamentos políticos, não se podendo descartar que também tenha sido vítima de ódio reforçado pelo fato de ser mulher, negra e favelada.
Marielle, que ”venceu” as dificuldades que são impostas a tantas outras pessoas nascidas nas mesmas condições, lutava para que os obstáculos que, no geral, são intransponíveis, deixassem de existir. Lutava por si e por milhões de brasileiras e brasileiros.
Mas, no Brasil, como já se sabe, a tentativa de superação desses estamentos é “criminalizada”.
Sem fazer qualquer ilação quanto à autoria, é imperioso reconhecer que Marielle foi violentamente abatida também porque as injustiças sociais, profundas em nossa realidade, criam poderes e poderosos à margem da institucionalidade e dentro dela, alimentando a força reacionária, estimulando a barbárie e fazendo vítimas em todas as classes sociais.
A violência aos professores e professoras grevistas em São Paulo e os assassinatos de Marielle e Anderson no Rio de Janeiro geraram tristeza e indignação, mas, ao mesmo tempo, estímulo para novas lutas e foi isso o que se viu ainda ontem nas diversas reações, estimuladas pelo espírito de solidariedade e pela lógica de alteridade, ocorridas por todo o país.
O fato é que, apesar de tudo, o Brasil é também o local onde a força popular sempre consegue se reerguer e voltar maior e mais consciente. Uma terra onde nascem Marielles e incontáveis lutadoras e lutadores, que não esmorecem e não deixam de sonhar.
Hoje, o Brasil está de luto.
Porém, como dito em um cartaz, luto é verbo!
***
Jorge Luiz Souto Maior é juiz do trabalho e professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Autor de Relação de emprego e direito do trabalho (2007) e O direito do trabalho como instrumento de justiça social (2000), pela LTr, e colabora com os livros de intervenção Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil (Boitempo, 2013) e Brasil em jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas?.
1 comentário:
Visitando, lendo, gostando e elogiando as suas publicações. Voltarei...
.
* Nosso Amor ... a alvura do Universo *
.
Deixo cumprimentos.
Enviar um comentário