Linha de separação


22 de março de 2022

Fizemos de nós mesmos uma nação de grotescos? - pergunta Patrick Lawrence

 (texto completo em: https://consortiumnews.com/2022/03/08/patrick-lawrence-the-casualties-of-empire/ 
A minha inclinação (acerca das baixas na Ucrânia) é adicionar as mortes nas últimas duas semanas aos 14 000 mortos e 1,5 milhões de deslocados desde 2014, quando o regime em Kiev começou a bombardear os seus próprios cidadãos nas províncias orientais – isso porque o povo de Donetsk e Lugansk rejeitou o Golpe promovido pelos EUA que depôs o  presidente eleito. Esta matemática simples dá-nos uma ideia melhor de quantos ucranianos são dignos do nosso luto.
Está cada vez mais claro que a intenção de Washington em provocar a intervenção de Moscovo é instigar um conflito de longa duração que atole as forças russas e deixe os ucranianos a realizar uma rebelião que não tem possibilidades de sucesso.
Existe outra maneira de explicar os muitos milhares de milhões de dólares em armas e material que os EUA e os seus aliados europeus despejam agora na Ucrânia? Se os ucranianos não podem vencer – uma realidade universalmente reconhecida – qual é aqui o objetivo?
A implicação disto deve ser evidente. A estratégia dos EUA exige efetivamente a destruição da Ucrânia ao serviço das ambições imperiais da América. Se este pensamento parece extremo, uma breve referência aos destinos do Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria fornecerá todo o convincente contexto de que se possa precisar.
Acho surpreendente, dadas suas consequências calamitosas, que o plano de 1979 de Zbigniew Brzezinski de armar os mujahideen afegãos contra os soviéticos permaneça mais ou menos inalterado. O conselheiro de segurança nacional do presidente Jimmy Carter não viu nada de errado em consorciar-se com o que se tornou a Al-Qaeda. Agora são as milícias nazis que infestam a Guarda Nacional da Ucrânia que os EUA armam e treinam.
Se os antecedentes servem para alguma coisa, este conflito pode muito bem destruir o que resta da Ucrânia como nação. Na pior das hipóteses, pouco restará do seu tecido social, dos seus espaços públicos, das suas estradas, pontes, escolas, instituições municipais. Essa destruição já começou.
Aqui está o que eu não quero que os norte-americanos não percebam: estamos a destruir-nos e a destruir qualquer esperança possamos ter de restaurar a nossa decência enquanto vemos o regime que nos governa destruir outra nação em nosso nome. 
Muitas pessoas de diferentes idades têm comentado nos últimos dias que não conseguem lembrar-se nas suas vidas de uma enxurrada de propaganda mais abrangente e sufocante do que a que nos engoliu desde os meses que precederam a intervenção da Rússia. No meu caso, veio para superar o pior daquilo que me lembro das décadas da Guerra Fria.
Ainda mais perturbador para mim do que a fria prosa do relatório é a espantosa extensão em que vem sendo comprovado. A guerra cognitiva, seja ou não o relatório da OTAN, agora o manual dos propagandistas, está a funcionar sobre a maioria dos norte-americanos.
É isto que quero dizer quando digo que também nós somos vítimas desta guerra.
Na semana passada, o maestro da Orquestra Filarmónica de Munique, Valery Gergiev, foi despedido por se recusar a condenar Vladimir Putin. A mesma coisa aconteceu com Anna Netrebko. A Metropolitan Opera de Nova York despediu a sua soprano estrela pelo mesmo motivo: ela preferiu não dizer nada sobre o presidente russo.
Não há limite para quanto se pode cair mais baixo. Na sexta-feira passada, Lindsey Graham, senadora da Carolina do Sul, apelou abertamente ao assassínio de Putin. Michael McFaul, ex-embaixador de Barack Obama na Rússia afirma que todos os russos que não protestarem abertamente contra a intervenção da Rússia na Ucrânia devem ser punidos por isso. Na zona do registo idiota, a Federação Internacional de Felinos proibiu a importação de gatos russos.
O International Paralympic Committee baniu – porquê os bielorrussos, pelo amor de Deus? Dos Jogos Paralímpicos de inverno que se iniciavam em Pequim no dia seguinte. Chegámos já agora ao ponto de perseguir pessoas cujos corações e almas são mais capazes do que os seus membros? O comitê deixou claro que agiu em resposta à pressão internacional.
Vejam aonde é que chegámos. A maioria dos norte-americanos parece aprovar estas coisas, ou pelo menos não mexe para objetar. Perdemos todo o sentido de decência, de moralidade comum, de proporção. Pode alguém ouvir o ruído das últimas semanas sem interrogar se fizemos de nós mesmos uma nação de grotescos?
É comum observar que na guerra o inimigo é sempre desumanizado. Estamos agora face a face com outra realidade: aqueles que desumanizam outros desumanizam-se a si próprios ainda mais profundamente.
No outro dia, a PBS Newshour passou uma entrevista com um Artem Semenikhin, presidente da câmara de uma pequena cidade ucraniana foi muito elogiado por enfrentar soldados russos. Em fundo, estava um retrato de Stepan Bandera, o selvagem russófobo, antissemita e líder dos nazis ucranianos na 2ª Guerra Mundial.
Parece-me a metáfora perfeita para o que aconteceu com as nossas faculdades de raciocínio – ou, melhor dizendo, o que permitimos que fosse feito com elas. Que diabo, digam-me se fazem favor, acham que essa é uma boa maneira de viver?
E devemos começar com uma palavra. A menos que possamos aprender a chamar Império à América, iremos andar aos tropeços no escuro da confusão até que se torne tão sem graça que não possamos mais suportar as nossas próprias auto-ilusões.
Vejo aqui uma virtude neste grande e complicado momento. Entre a intervenção da Rússia na Ucrânia, que considero lamentável, mas necessária, e a declaração conjunta que Putin fez com o presidente chinês Xi Jinping em 4 de Fevereiro, todos somos chamados a reconhecer os Estados Unidos por aquilo em que se tornaram, um império defendendo-se violentamente contra a própria história, ou aceitar nosso destino entre as vítimas deste império. Clareza: É sempre uma coisa boa, quaisquer que sejam as dificuldades que traz.



Sem comentários: