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20 de março de 2022

Sanções económicas. Quem perde.

 Dizia João Oliveira (PCP) no início do conflito: “perde a Rússia, perde a Ucrânia, perde a UE, os únicos que ganham são os EUA.” Totalmente certo, pelo menos no curto-prazo, porque o futuro, segundo Luís de Camões, depende dos deuses. Por outras palavras, no evoluir da guerra e suas consequências. (1)

Para já, as perdas totais da UE pelas sanções contra a Rússia são estimadas em 250 mil milhões de dólares. Na RDP-1 um camionista queixava-se não só do preço dos combustíveis, mas da dificuldade em obter as cargas tendo de fazer o serviço com metade das cargas habituais, o que revela a escassez de bens que se começou a fazer sentir.

Um dirigente da Associação de empresários da metalurgia e metalomecânica queixava-se do aumento dos custos da energia e matérias-primas e dificuldade em obtê-las. Apelava a apoios do Estado. O mesmo dizia um exportador de vinhos para a Rússia. Não deixa de ser curioso mesmo votando em partidos do neoliberalismo (a “democracia liberal”) logo se voltem para o Estado ( mau gestor) face aos problemas. 

Não disse, até um ministro, que o embargo de gás e petróleo à Rússia não nos iria afetar, pois tínhamos outras fontes. Afinal ainda não perceberam como funcionam os mercados… São comentadores e chegam a ministros. Tudo boa gente a precisar de ir para a (outra) escola.

A Rússia também irá sofrer as consequências das sanções, ou seja, o povo russo. Putin reconheceu a dor que as sanções ocidentais estavam a infligir à economia russa. Quanto à Ucrânia é um país que corre o risco de ficar ainda mais destroçado, perder mais partes do seu território e população. A menos que venha a manter boas relações e cooperação com a Rússia, como antes de 2014, limitar-se-á a ser um país empobrecido, um Estado falido como estava a ser desde então mantido com financiamentos (que não serão pagos) dos EUA, FMI, UE.

Os EUA aumentaram as pressões sobre os seus aliados (NATO e outros) procurando substituir as exportações russas por bens de mercados que controlam, mais caros e com dificuldades acrescidas de transporte e sem estruturas portuárias suficientes, caso dos navios com gás liquefeito.

O evoluir do conflito dirá até que ponto os EUA vão conseguir segurar o dólar. E nesta equação é necessário incluir a China. A quota dos países da Asia Pacific Economic Conference e da Organização de Cooperação de Xangai no volume de negócios do comércio externo da União Económica Eurasiática (EAEU) aumentou entre 2014 e 2020 de 29,6% para 36,4% e de 16,3% para 24,1%, respetivamente. Durante oito anos, após a imposição das sanções, a participação do dólar nas compensações internacionais diminuiu 13,5 pontos percentuais (de 60,2% em 2014 para 46,7% em 2020). No comércio mútuo dos Estados da EAEU, a participação do dólar diminuiu mais de 6 pontos percentuais (de 26,3% em 2014 para 20,0% no final de 2020). No período de 2014-2020, o volume de negócios da Rússia com a UE e os Estados Unidos diminuiu ao passo que com a China cresceu de 88,4 mil milhões de dólares para 104,1 mil milhões de dólares.

A União Económica da Eurásia, liderada pela Rússia, e a China acabam de acordar um mecanismo para um sistema financeiro e monetário independente do dólar o que representa um dos fundamentos do novo mundo multipolar.

Os EUA com as sanções contra a Rússia procuram fortalecer o seu controlo sobre o sistema financeiro global. Mas, há noutros países uma crescente consciência e necessidade de evitarem ser sequestradas pela hegemonia financeira ocidental e que o Ocidente não deve ser deixado sem controle em suas economias. Na realidade a falência financeira da Rússia seria também a falência dos EUA e seus aliados.

Outro problema que ameaça os EUA e aliados é a inflação. “A inflação pode causar danos duradouros à confiança internacional no valor do dólar” “Em última análise, o financiamento da economia dos EUA depende do status do dólar. Os Estados Unidos são capazes de administrar deficits orçamentais vivendo estruturalmente além de suas possibilidades – porque metade do mundo está disposta a emprestar dinheiro aos Estados Unidos a taxas de juros muito baixas."

Este conflito começa tornar claro o que é na realidade a “comunidade internacional”. As sanções para a Rússia não são seguidas pela maioria dos países da América Latina e da África, Irão, Índia, Paquistão e China. A Arábia Saudita e outros estados do Golfo não aumentaram a produção para compensar a proibição do petróleo russo. A Arábia Saudita está em negociações com a China para trocar parte de seu petróleo por yuan, em vez de dólares.

1 – Diz o general Raul Cunha já quase no final da sua entrevista: “Nisso tenho algumas dúvidas, porque eles ( a Rússia) prepararam-se bem. Depois, perdeu a Ucrânia. Não há quem os safe agora [aos ucranianos]. Talvez daqui a uns 20 ou 30 anos e para isso é preciso a Europa abrir os cordões à bolsa. A Europa, está-se a ver. Não há gasolina, não há gás, não há milho, não há rações para gado, não há trigo, não há óleo de girassol. Quem ganhou? Os EUA e a China.”

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