Nota ; Mais um importante artigo que se conjuga com o que publicamos acima
General Carlos Branco
«Tanto Israel como a Ucrânia estão a servir interesses norte-americanos, em particular de um poderoso segmento das suas elites.»
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Quando,
em 1997, Zbigniew Brzezinski, antigo Conselheiro Nacional de Segurança
do presidente Jimmy Carter, escreveu na sua obra de referência (O Grande
Tabuleiro de Xadrez) o que deveriam fazer os Estados Unidos para
controlar o mundo, prescreveu um programa de ação geopolítica para os
EUA que inspirou a ala neoconservadora do establishment político
norte-americano, e tem influenciado de modo determinante a política
externa norte-americana no pós-guerra fria.
Não
será de estranhar o surgimento ainda nesse ano do Project for the New
American Century (PNAC), um think tank fundado por William Christol e
Robert Kagan, onde se advogava ser o século XXI o século americano, onde
o domínio militar dos EUA não só protegeria a segurança nacional e os
interesses nacionais dos EUA, mas também estabeleceria uma Pax Americana
global. Defendia ainda o PNAC que “a liderança americana é, ao mesmo
tempo, boa para a América e para o mundo”.
De
entre as muitas ideias avançadas por Brzezinski, pela sua atualidade,
uma deve merecer a nossa particular atenção. Dizia ele que o cenário
mais perigoso para o projeto hegemónico norte-americano seria uma
coligação anti hegemónica constituída pela China, Rússia e Irão.
Adiantando que “uma coligação que alie a Rússia à China e ao Irão só
pode desenvolver-se se os Estados Unidos forem suficientemente míopes
para antagonizarem simultaneamente a China e o Irão.”
Apesar
do conselho avisado de Brzezinski, foi exatamente isso que aconteceu. A
arrogância das sucessivas Administrações norte-americanas conseguiu
alienar os seus adversários ao ponto de se coligarem contra Washington e
pugnarem por uma ordem multipolar que desafia o projeto da primazia
norte-americana. Não faltaram oportunidades para Washington aproximar
Moscovo e Teerão do Ocidente, estupidamente desperdiçadas.
Muito
se poderia escrever sobre a alienação da Rússia pelos EUA, desde o
alargamento da NATO, apesar das garantias que foram dadas a Mikhail
Gorbachev de que a Aliança não se expandiria para leste, à rejeição
categórica da ajuda ocidental à União soviética em 1991, que
impossibilitou que se produzisse na Rússia um efeito psicológico e
político galvanizador semelhante ao do Plano Marshall para a Europa
Ocidental no pós II Guerra Mundial, quando Moscovo procurava
desesperadamente aproximar-se do Ocidente.
A
invasão do Afeganistão pelos EUA foi outra oportunidade perdida para se
esquecerem os acontecimentos do passado e aproximar Teerão de
Washington. Em 2001, o Irão não hesitou em cooperar com os EUA na luta
contra a Al-Qaeda e os talibãs. Teerão forneceu Intelligence e apoiou os
EUA na operação de contraterrorismo Enduring Freedom.
Os
iranianos estavam ansiosos por ajudar Washington e mostrar-lhe os
benefícios estratégicos em cooperarem. No entanto, o comportamento
colaborativo de Teerão não foi recompensado. Em 29 de janeiro de 2002,
no discurso sobre o estado da União, o presidente George W. Bush incluiu
o Irão no grupo dos países do “eixo do mal”, fazendo tábua rasa de toda
a colaboração prestada pelo Irão aos EUA. Exauriu-se nesse momento, a
possibilidade de se ultrapassarem experiências negativas do passado e
encetar-se um novo capítulo nas relações entre os dois Estados.
A
ter em conta a prosa prospetiva de Brzezinski, não será de estranhar
que os três grandes focos de conflitualidade/tensão da atualidade sejam a
Ucrânia, Israel e Taiwan, com os EUA a procurar tardiamente contrariar
essa aliança anti hegemónica e a procurar reparar erros de cálculo
estratégico passados muito difíceis agora de reverter. Como dizia Mike
Pompeo, ex-diretor da CIA e ex-secretário de Estado, enganado
telefonicamente por uma brincadeira feita por russos, “a Rússia precisa
ser puxada de volta para a Europa, para longe da China.” Tarde piaste!
Há
semelhanças evidentes naquilo que levou a União Soviética a invadir o
Afeganistão, a Rússia a Ucrânia e o Irão a responder militarmente a
Israel. Em todas essas situações, procurou-se, com sucesso, provocar o
adversário criando-lhe uma situação psicológica insustentável. Visa-se
com essas provocações levá-lo a envolver-se militarmente, utilizando
esse pretexto para lhe responder e o derrotar, explorando a sua
vulnerabilidade percebida.
No
Afeganistão, o sucesso do apoio norte-americano aos Mujahidins que
combatiam o regime pró-Moscovo de Mohammad Najibullah; na Ucrânia, a
interferência de Washington na política interna de Kiev, o golpe de
Estado em Maidan (2014), obra dos neoconservadores instalados na
Administração Obama (nunca é demais recordar que a obreira Nuland
participou em todas as Administrações norte-americanas desde a primeira
Administração Clinton, em 1993), o armamento das fações
ultranacionalistas e o iminente ataque às comunidades russófonas
ucranianas.
No
caso do Irão, o ataque a instalações diplomáticas iranianas em Damasco,
os sucessivos assassinatos seletivos de dirigentes iranianos, do
Hezbollah e do Hamas, muito em particular o de Ismail Haniya em Teerão,
tinham como objetivo provocar o Irão, criar-lhe uma situação
insustentável, não lhe dando outra alternativa que não fosse a de
retaliar. Encostado à parede, o Irão respondeu à provocação e voltou a
atacar Israel a 1 de outubro. O fornecimento de armamento e treino
militar a Taipé ainda não colocou a China numa situação insustentável,
em que não tenha outra alternativa senão intervir, como sucedeu com a
Rússia e o Irão.
A
Ucrânia e Israel desempenham papeis muito semelhantes no xadrez
geopolítico mundial para os EUA. A primeira para controlar a Rússia, e o
segundo o Médio Oriente. Se dúvidas existissem sobre isso, elas foram
desfeitas num discurso do então energético Joe Biden ao Congresso
norte-americano, em 1986, quando afirmou que “Israel é o melhor
investimento que fazemos [EUA], caso Israel não existisse os EUA teriam
que inventar um Estado de Israel para proteger os nossos interesses na
região, os Estados Unidos teriam de inventar Israel.”
É
também à luz disto que se deve procurar entender o comportamento de
Washington, mais precisamente da ativa ala neoconservadora. Enquanto o
enfraquecido Biden procura limitar a resposta de Telavive à retaliação
de Teerão, de 1 de outubro, as fações da administração pública
norte-americana trabalham nos bastidores em estreita coordenação com
Israel, discutindo os possíveis ataques e “explorando opções de resposta
ao ataque de mísseis do Irão contra Israel”, como afirmou o
vice-secretário de Estado dos EUA, Kurt Campbell.
Segundo
o Politico, ao mesmo tempo que a Administração Biden instava
publicamente o Governo israelita a reduzir os seus ataques,
“funcionários americanos apoiavam discretamente a ação militar de Israel
contra o Hezbollah… figuras de topo da Casa Branca diziam a Israel que
os EUA apoiariam o aumento da pressão militar contra o Hezbollah.”
Este
comportamento aplica-se igualmente à possibilidade de uma
contrarretaliação israelita ao ataque iraniano de 1 de outubro. Segundo o
texto de Kenneth M. Pollack (Which path to Persia?) publicado pela
Brookings, em 2009, o facto de os EUA afirmarem não querer que Israel
ataque as instalações nucleares iranianas baseia-se numa estratégia de
manter uma negação plausível enquanto, de facto, ataca o Irão, incluindo
as suas instalações nucleares.
Por
outras palavras, os neoconservadores instalados no poder querem uma
guerra com o Irão, querem destruir a sua indústria de armamento, o seu
programa nuclear, a sua economia e derrubar o seu governo, mas não
querem ser alvo de condenação e retaliação a nível mundial, pelo que
estão a armar/apoiar Israel para o fazer por eles.
Falamos
daquilo a que Mearsheimer chamou de buck-passing. Isto é, quando uma
grande potência se encontra numa postura defensiva, tentando evitar que
os seus rivais ganhem poder à sua custa, pode optar pelo equilíbrio ou
intervir, transferindo a responsabilidade de agir para outros Estados,
mantendo-se à margem no assento traseiro.
Entretanto,
multiplicam-se os apelos aos ataques ao Irão. “De facto, esta é a
oportunidade ideal para destruir o programa nuclear do Irão. O tempo que
o país leva para chegar a uma bomba é de uma a duas semanas. Não está
previsto qualquer novo acordo nuclear. O Hamas e o Hezbollah não estão
em posição de retaliar. E a República Islâmica acabou de o pedir. De
facto, esta pode ser a última oportunidade para impedir Teerão de ter
uma bomba.”
Na
mesma linha, o antigo primeiro-ministro de Israel Naftali Bennett veio
dizer que se trata da “grande oportunidade em 50 anos, para alterar a
face do Médio Oriente, destruir o programa nuclear do Irão, as
instalações energéticas terroristas, que se encontra mortalmente
incapacitado.” “Temos uma justificação. Temos ferramentas. Agora o
Hezbollah e o Hamas estão paralisados, o Irão está exposto. Há alturas
em que a história nos bate à porta, e nós temos de a abrir. Esta
oportunidade não pode ser desperdiçada.”
De
facto, este é o momento indicado para o fazer aproveitando o vácuo de
poder na Casa Branca e antes que Trump se possa vir a sentar-se na Sala
Oval. Nesta matéria, Trump não é fiável para os neoconservadores, que já
os tinha impedido em 2019 de materializar um ataque ao Irão. Os
neoconservadores têm de aproveitar esta janela de tempo, porque com
Trump no poder, se ganhar as eleições, essa possibilidade pode
desaparecer.
Os
projetos, as ideias e as ambições pessoais e políticas de Zelensky e
Netanyahu só serão concretizáveis se inseridas numa grande estratégia,
que lhes é alheia, atuando por procuração e colaborando na concretização
da primazia geoestratégica norte-americana abraçada pelos
neoconservadores: provocar mudanças de regime em Moscovo e Teerão (como o
afastamento do primeiro-ministro iraniano Mohammed Mossadegh, em 1953,
que teve a aleivosia de privatizar as petrolíferas) infligindo-lhes
derrotas estratégicas.
Nem
a Ucrânia, nem Israel teriam conseguido resistir não fosse o apoio
político, financeiro e militar proporcionado por Washington. Tanto
Israel como a Ucrânia estão a servir interesses norte-americanos, em
particular de um poderoso segmento das suas elites. O envolvimento de
Taiwan nesse projeto encontra-se, por enquanto, comprometido.
A
grande interrogação que se nos coloca neste momento é saber se Teerão
tem capacidade para responder à retaliação israelita, como Moscovo está a
responder ao desafio geoestratégico colocado por Washington. Teerão já
fez saber aos EUA, através do Qatar, que a fase da contenção unilateral
terminou. Está para ver se vai conseguir dar a volta por cima, como
estão a fazer os russos.
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