Leituras
Viriato Soromenho-Marques
Publicado a:
17 Jan 2025
As
palavras de Trump sobre uma eventual expansão dos EUA, por compra ou
imposição, para o Canadá, Gronelândia e Panamá, causaram sobressalto na
UE. A maioria dos analistas europeus de geopolítica assemelha-se àqueles
estudantes de Medicina que não suportam a visão de sangue...
Não
há impérios benignos. Trump não rompe com a vontade de hegemonia
norte-americana, antes lhe pretende determinar um novo e não menos
arriscado caminho. Assume o saldo desastroso de quase três décadas de
deriva intervencionista de Washington, sob o mito de um “mundo regido
por regras” (impostas pelos EUA, sem a elas se sujeitarem). Um caminho
que colocou os EUA num distante segundo lugar como potência industrial,
provocando um imenso caudal de guerras e sofrimentos que nos trouxeram à
beira da III Guerra Mundial.
A
clarificação de Trump, no seu estilo brutalista, retoma e prossegue as
grandes linhas históricas da expansão dos EUA. Começando pelo Canadá, já
na primeira Constituição dos EUA, “Os Artigos de Confederação” (vigente
entre 1777 e 1788), o artigo XI convidava, expressamente, o Canadá a
aderir diretamente aos EUA, sem necessitar de uma aprovação prévia de 9
Estados.
Em relação à
compra da Gronelândia, além de ter havido uma proposta secreta do
presidente Truman, em 1946, a verdade é que a aquisição territorial foi
tão decisiva como a conquista, na delimitação da geografia política dos
EUA. Em 1803, o presidente Jefferson acrescentou 2,12 milhões de Km2 aos
EUA com a compra, a Napoleão, da Louisiana francesa, por 15 milhões de
dólares.
Em 1867, seria a
vez de o presidente Andrew Johnson, por apenas 7,2 milhões de dólares,
adquirir ao czar Alexandre II, os 1, 5 milhões de Km2 do Alasca.
Quanto
ao Panamá, Trump segue a bicentenária Doutrina Monroe (neste caso para
travar a presença económica chinesa). A própria criação do Panamá, como
país, não teria sido possível sem a intervenção militar americana em
1903. O território onde se encontra o canal pertencia originariamente à
Colômbia, tendo esta apoiado a construção do mesmo, mas recusado a
soberania americana sobre o canal. O Panamá só teria o controlo do canal
no derradeiro dia de 1999, não sem que antes, em 1989, os EUA do
presidente Bush (pai) tivessem voltado a invadir o país, para derrubar o
governo de Noriega.
A
clarificação de Trump não esconde que a lógica dos jogos de soma zero
(“eu ganho o que tu perdes”) se aplica tanto a aliados como a
adversários.
Com Trump, a
prioridade dos interesses exclusivos dos EUA dispensa o manto diáfano
de valores universais e abstratos, usado pelos neocons e democratas. A
NATO vai acentuar a sua natureza rentista a favor de Washington. Os 5%
do PIB na Defesa, que Trump exige a quem queira ficar na NATO, é o
imposto a pagar por uma UE que trocou a dignidade, inerente à soberania
de um caminho comum, pela servidão voluntária.
Em
2014 publiquei um livro sobre Portugal na Queda da Europa (Temas &
Debates). Tenho uma profunda tristeza por não me ter enganado.
Professor universitário
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