Gordon M. Hahn é jornalista investigador e autor de vários livros especializado em islamismo e nas relações internacionais na Eurásia. Do seu texto sobre as forças políticas do regime de Kiev e o pós-guerra destacamos alguns aspetos essenciais. (1)
Em primeiro lugar é de referir o ressentimento existente na Ucrânia causado pelas promessas quebradas pelo ocidente pelo facto de ter sido sacrificada pela NATO tendo em vista a sua expansão e de que se aproveitam os neofascistas. No contexto da ruína total do país causada pela guerra, a possibilidade da Ucrânia capitular e assinar um tratado de paz que entregue a Moscovo as regiões ucranianas que a Rússia reivindica como suas (Donetsk, Luhansk, Zaporozhye, Kherson e Crimeia), é altamente provável que um importante segmento da população ucraniana se sinta chocada e abusada pela interferência política do ocidente que nem sequer mitigou a corrupção, um dos principais argumentos do golpe de 2014.
Um golpe que dividiu o país, desencadeou a guerra civil, provocou a guerra entre a Rússia e a Ucrânia ao ser revogado um compromisso do presidente Biden com Putin em janeiro de 2022, de que os EUA nunca implantariam mísseis balísticos na Ucrânia. Foi prometida assistência militar à Ucrânia "pelo tempo que for necessário" para que Kiev abandonasse o iminente tratado de paz com Moscovo em abril de 2022, acabando por razões políticas internas dos EUA a ajuda ser cortada, pressionando para expandir uma mobilização brutalmente coerciva na Ucrânia para a faixa etária de 18 a 25 anos. Tudo isto leva a um colapso demográfico quase catastrófico para uma população já esgotada por mortes de guerra e emigração.
As raízes do ressentimento ucraniano estão na lacuna entre palavras e ações e nas motivações claramente egoístas que motivaram as ações ocidentais na Ucrânia, destinadas a trazer benefícios ao ocidente comprados à custa da economia, finanças e do sangue ucraniano, considerando ser um "bom negócio" (tal como considerado por congressistas nos EUA e pelo SG da NATO) os ucranianos morrerem lutando contra os russos para que os ocidentais não precisassem de fazê-lo.
Políticos ocidentais repetem incessantemente que Putin quer dominar toda a Europa depois de tomar a Ucrânia. Os ucranianos veem-no como uma hipocrisia: se a ameaça é tão séria, forças da NATO deveriam ser enviadas para a Ucrânia imediatamente. Claro, quase todo mundo entende que tais alegações sobre intenções de Putin são retórica absurda, não só "os amigos da Ucrânia" recusam enviar tropas enquanto as frentes de batalha entram em colapso, como nem mesmo lhe enviam as armas de que precisaria.
Em Washington perceberam que a estratégia atual não é sustentável porque "estamos a perder a guerra". A Ucrânia caminha para o momento mais sombrio da guerra até agora, as forças russas avançam implacavelmente, um sistema arbitrário de mobilização militar causa tensões sociais, a população enfrenta um inverno rigoroso com graves quedas de energia.
A família e os amigos dos quase um milhão de ucranianos que perderam a vida nesta guerra eminentemente evitável terão perguntas, e aqueles que rejeitaram a paz com Moscovo e ainda persistem num empreendimento perdido não terão boas respostas. A atmosfera na Ucrânia é cada vez mais ansiosa e vingativa, não havendo nada de incomum em se voltar contra o Ocidente.
Apesar da desinformação mediática, tem havido considerável instabilidade e lutas internas dentro do regime de Kiev desde 2014, saído de uma coligação de forças oligárquicas, nacionalistas, ultranacionalistas, neofascistas, republicanas liberais e centristas. (Nota - a esquerda foi posta fora da lei, sofrendo em muitos casos prisões e tortura pelos neonazis. É mais um caso de "liberalismo e democracia" saudado por políticos e propagandistas "atlantistas)
O grupo político-ideológico mais bem armado, são os ultranacionalistas e neofascistas. Já em outubro de 2023 à medida que a posição do exército ucraniano se deteriorava, a probabilidade de uma insurreição militar e/ou revolta popular tornava-se bastante alta. Forças como o Setor Direita, Azov, o Corpo de Voluntários Ucranianos etc., poderiam tomar o poder, em conjunto com oficiais das FAU. Afinal, aqueles elementos têm sido uma fonte de violência política, agitação em massa e manifestações de intimidação neofascista há mais de uma década. Eles transformaram os protestos de Maidan, num violento ataque terrorista de falsa bandeira que teve como alvo manifestantes e policias. Não há razão para que não possam realizar um novo ciclo de convulsão, ou mesmo caos, para derrubarem uma liderança política que não lhes agrade.
Um golpe militar ou um golpe apoiado pelos militares também poderia resultar da desintegração e do isolamento de um ou mais grandes contingentes militares ucranianos. As atitudes dos EUA e dos vassalos da UE/NATO estão a fazer o jogo dos ultranacionalistas e neofascistas levando a uma potencial aposta desesperada: raiva pela derrota e suas consequências.
1 - Fonte - Le potentiel tournant ukrainien anti-Occidental vers l’Est
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