O CURTO PRAZO NA SÍRIA
Por Major-General Carlos Branco
A
posição ideológica dos novos dirigentes começa a tornar-se evidente. A
secularidade síria corre o sério risco de ser coisa do passado, como
sugerem os primeiros sinais vindos do Ministério da Educação.
Com
a queda de Damasco, a 8 de dezembro de 2024, e a instauração de um novo
regime chefiado por Ahmad al-Sharaa (Jolani), o novo senhor
todo-poderoso da Síria, líder da organização terrorista denominada Hayat
Tahrir al-Sham (HTS), iniciou-se uma nova era no país e no Médio
Oriente. O novo regime, chefiado por um jihadista com a cabeça a prémio
por Washington, foi recebido de braços abertos no Ocidente. Damasco tem
sido palco de um inusitado rodopio de visitas de delegações
estrangeiras.
Apesar
destas credenciais, o mesmo Jolani, que liderou em Idlib um mini
califado, passou a ser apresentado como defensor de um projeto político
democrático, inclusivo e respeitador das minorias. Para o credibilizar e
tornar tolerável, os seus patrocinadores, entenda-se Ancara,
apararam-lhe a barba e substituíram-lhe o turbante pelo fato e gravata.
Entretanto, Jolani já disse que eleições só dentro de quatro anos e uma
nova Constituição daqui a três. Até quando conseguirá Jolani manter a
aparente moderação, tão necessária à sua legitimação internacional?
Se
em Damasco, onde se concentram as cadeias de televisão, tem havido
contenção por parte do HTS, o mesmo não se pode dizer na periferia da
capital e nas zonas costeiras de Latakia e Tartus, onde os assassinatos e
a perseguição de alauitas e xiitas são diárias, e em cidades como Homs,
onde as vítimas são cristãos.
Em
resposta a estas situações, a tensão social tem vindo a aumentar.
Grupos de militares fiéis ao antigo presidente Bashar al-Assad
confrontaram em Latakia milícias afetas ao HTS. Por outro lado, não é
claro até quando o presidente Recep Erdogan e Jolani vão conseguir
segurar os grupos jihadistas próximos do ISIS e da Al-Qaeda, que fazem
parte do HTS, constituídos por estrangeiros oriundos do Cáucaso, Ásia
Central e Médio Oriente que, descontentes com a “complacência” do atual
regime com os infiéis e Israel, pedem sangue. Sem falar no que está a
acontecer no norte do país, entre a Turquia e as milícias sírias curdas
apoiadas pelos EUA, e a possibilidade de um confronto militar entre a
Turquia e Israel.
O
verniz da moderação já começou a estalar. A posição ideológica dos novos
dirigentes começa a tornar-se evidente. A secularidade síria corre o
sério risco de ser coisa do passado. Os primeiros sinais vieram do
Ministério da Educação, rápido a introduzir alterações nos programas
escolares e a impor uma linguagem politicamente correta, que reflete a
visão de um mundo que renega a ciência em favor da teologia. O
Darwinismo foi enterrado. A disciplina “A Origem da Vida e o seu
Desenvolvimento na Terra” foi retirada do programa.
Também
a disciplina de história foi vítima dos novos imperativos ideológicos.
Foi eliminada a referência ao papel das mulheres na história do país.
“Zenobia e as rainhas sírias” estão em vias de desaparecerem dos manuais
escolares. Com os indícios de um futuro sombrio a avolumarem-se, tudo
sugere que a já péssima situação do povo sírio não melhore, mesmo com o
alívio das restrições da ajuda humanitária dos EUA à Síria.
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