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20 de janeiro de 2025

 UCRÂNIA - UM ESTADO FALHADO? 

As implicações da derrota iminente da NATO na Ucrânia para o destino do Estado ucraniano
 
Por Gordon Hahn - 16 de janeiro de 2025

Os ocidentais gostam de citar uma declaração falsamente atribuída ao presidente russo, Vladimir Putin, de que “a Ucrânia nem sequer é um Estado”. Esta citação é usada para apoiar a afirmação igualmente falsa e verdadeiramente absurda de que a decisão de Putin de empreender a sua “operação militar especial” e invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 tinha como objetivo conquistar toda a Ucrânia, num esforço para recontituir todos os anteriores Estados soviéticos e territórios imperiais russos antes destes se integrarem na Europa Ocidental. Na realidade, o Ocidente tem tratado a Ucrânia como um Estado independente pouco soberano e como uma ferramenta – um cordeiro sacrificial – para alcançar a hegemonia máxima dos EUA/Ocidente na Eurásia através da expansão da NATO. 

Agora, à medida que a guerra fatídica e potencialmente fatal para a Ucrânia – a Guerra  NATO-Rússia na Ucrânia  – se aproxima do seu fim, a declaração atribuída a Putin pode tornar-se uma simples, embora triste, constatação de facto. E a eliminação do Estado ucraniano do mapa da Europa Oriental, da Eurásia Ocidental e do mundo será provavelmente o resultado final das ações ocidentais, tal como o é, também, o avanço das forças russas para oeste.

Na realidade, foram os EUA e o Ocidente que impulsionaram a expansão da NATO, apesar da cláusula inscrita na constituição ucraniana, que estipulava para o país um estatuto de neutralidade e não inserção em blocos, revogada depois pelo antecessor de Volodomyr Zelenskiy na presidência, Petro Poroshenko, e apesar da população ucraniana estar dividida a esse respeito, e ser até tendencialmente contrária à integração na NATO.

Foram os EUA e o Ocidente que se recusaram a negociar a expansão da NATO e uma arquitectura de segurança europeia global e, em vez disso, empurraram a Ucrânia para a linha da frente no confronto da NATO com a “Rússia de Putin”, apesar das próprias alegações do Ocidente de que Putin e a sua Rússia eram perigosos e expansionistas. 

Foram os EUA e o Ocidente que pressionaram Zelenskiy para continuar a guerra com a Rússia, que Moscovo intensificou depois de perder todas as esperanças, em Janeiro de 2022, de quaisquer negociações com o Ocidente sobre estas questões. Putin optou por se envolver numa diplomacia coercitiva, iniciando a “operação militar especial” e invadindo a Ucrânia e oferecendo quase simultaneamente conversações de paz com a Ucrânia em Fevereiro de 2022, a fim de tentar alcançar com Kiev o tipo de acordo de segurança que Moscovo não conseguira obter nas suas relações com o Ocidente. As negociações de Minsk, depois de Istambul, que resultaram, chegaram a um acordo preliminar, mas o Ocidente apressou-se a afundar o acordo, recusando-se a fornecer as garantias de segurança nele previstas e enviando a Kíev o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, com a mensagem da NATO de que Kiev deveria lutar e Washington e Bruxelas forneceriam tudo o que a Ucrânia precisasse “durante o tempo que fosse necessário”.


A relação entre o Ocidente e a Ucrânia que se desenvolveu no decurso da guerra lembra a de uma vassalagem – sendo a Ucrânia o vassalo com pouca ou nenhuma soberania.

Foram os EUA e o Ocidente que se recusaram a iniciar conversações de paz com Moscovo ou a pressionar Kiev para o fazer e, em vez disso, intensificaram continuamente uma guerra que está a desgastar a Ucrânia, tanto em termos da sua população como do seu território,  enquanto o avanço das forças russas para Ocidente acelera cada mês que passa (como previ em janeiro de 2024; ver:  https://youtu.be/P_MJi5H6HKU?si=rxRiaE0EglSgbclw), ap esar das repetidas declarações de Putin e de outros altos funcionários russos de que estavam e estão abertos a negociações.   

Agora, o controlo do Estado ucraniano sobre os seus territórios está a ser reduzido pela ofensiva crescente, ainda que cautelosa, da Rússia. 

Zelenskiy e os líderes ocidentais afirmaram que a incursão imprudente, dispendiosa e falhada das forças ucranianas na região russa de Kursk em Julho de 2024 daria a Kiev garantias negociais em termos de eventual troca com suas regiões ocupadas pela Rússia. Mas a Rússia declarou que não haverá conversações com Kiev enquanto as tropas ucranianas permanecerem em território russo. Entretanto, o avanço das tropas russas na Ucrânia aprofunda-se para além das regiões da Crimeia, Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporozhia que a Rússia reivindica e parcialmente anexou. Assim, em vez de a Ucrânia poder trocar Kursk por uma ou mais dessas regiões em quaisquer conversações futuras, será a Rússia que poderá exigir concessões para a devolução de regiões ou parte delas, como Kharkiv (Kharkov), Sumy, Dnipro (Dnepropetrovsk), Mikolaev e até mesmo o leste de Kiev.

Além disso, o perigo de as forças russas cruzarem o rio Dnieper para o oeste da Ucrânia está no horizonte. Portanto, agora, mais do que nos aproximarmos de uma situação favorável  aos objetivos da NATO de cercar a Rússia para a destruir , o que pode acontecer é  perder-se em definitivo a possibilidade de a Ucrânia existir como um estado neutro. 

A Rússia declarou repetidamente que é do seu interesse que a Ucrânia seja um Estado neutro, não integrado no bloco e nunca se torne membro da NATO. Isto acontece porque a Rússia prefere ter entre ela e o Ocidente um amortecedos , uma região tampão, por todas as razões óbvias e não tão óbvias. Portanto, a parte na Guerra Ucraniana NATO-Rússia que está mais interessada em destruir a Ucrânia como Estado não é a Rússia, mas sim a NATO. 

A eliminação da Ucrânia alcançaria o objectivo principal que a expansão da NATO para a Ucrânia pretendia alcançar: a aquisição de membros pela NATO ao longo de todas as fronteiras ocidentais e sudoeste da Rússia ( Transcaucásia). 

Em comparação com a possibilidade de ter a Ucrânia como Estado-membro, a absorção da Ucrânia pela Rússia teria apenas duas desvantagens para Washington e Bruxelas. Em primeiro lugar, teriam de renunciar ao controlo do Mar Negro que cobiçavam como segundo objectivo da expansão da NATO, embora talvez a Geórgia continue a ser uma opção, agora menos provável na sequência das recentes eleições e da tentativa falhada de repetir em Tbilissi uma  revolução "cor de rosa". 

Em segundo lugar, porque essa eventual absorção da Ucrânia pela Rússia seria um golpe no prestígio ocidental à luz do seu fracasso em salvar a Ucrânia e impor uma derrota estratégica à Rússia.

Há várias maneiras pelas quais o Ocidente ou alguns dos seus elementos podem facilitar ou provocar o fim da Ucrânia. A mais provável é outro naufrágio das negociações de paz — desta vez aquelas que estão sendo trabalhadas pela Administração Trump — forçando a Ucrânia a continuar travando uma guerra perdida de atrito, com as forças russas avançando até às fronteiras polaca, húngara e romena. É precisamente para isso que o ex-secretário de linha dura do Conselho de Segurança da Rússia e chefe do FSB Nikolai Patrushev estava alertando em sua recente e muito debatida entrevista ao jornal Moskovskii Komsomolets. 

Para Trump, esta seria uma derrota política logo esquecida. Mas muitos em Washinton DC e Bruxelas ficariam satisfeitos com a perspectiva de uma longa guerra com a Rússia que se prolongasse até que a saúde física ou política de Putin falhe, desencadeando uma luta pelo poder em Moscovo que poderia oferecer a perspectiva de um colapso russo, como aconteceu quando do colapso soviético.

Um cenário menos provável seria o anterior acrescido de anexações das províncias transcarpáticas e ocidentais da Ucrânia pela Hungria, Roménia e Polónia juntas. Elementos em todos estes três países estão pressionando por devoluções dos seus territórios nacionais tradicionais que foram dados à República Socialista Soviética da Ucrânia por Joseph Stalin após a Segunda Guerra Mundial. Partilhas em sequência da dissolução da Ucrânia também poderão surgir como resultado da colocação de tropas da NATO na Ucrânia a oeste do Dnieper, como foi proposto por alguns no início da guerra. Conversas recentes sobre "forças de pacificação" britânicas e francesas na Ucrânia poderão ter o mesmo efeito. Embora essa variante seja improvável, uma tal "Ucrânia protetorado" poderia eventualmente ser dissolvida e suas partes incorporadas pelos países vizinhos, conforme observado acima.

Com o eventual desaparecimento da Ucrânia, Washinton DC e Bruxelas poderiam sempre dizer que afinal a NATO sempre tinha chegado às fronteiras da Rússia em mais uma região-chave e sempre teriam a opção de fomentar um movimento separatista ucraniano dentro da própria Rússia.

A única coisa que provavelmente superaria ou atrasaria os cenários acima mencionados, além de Trump e quaisquer esquemas inovadores que sua equipa possa arquitetar, é alguma forma de intervenção ocidental direta na guerra no terreno. Neste caso, ainda assim não haveria garantia de sobrevivência da Ucrânia, com as tropas ocidentais e as tropas russas a devastarem  ainda mais o país numa longa guerra pela expansão da NATO.

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