UCRÂNIA - UM ESTADO FALHADO?
As implicações da derrota iminente da NATO na Ucrânia para o destino do Estado ucraniano
Por Gordon Hahn - 16 de janeiro de 2025
Os
ocidentais gostam de citar uma declaração falsamente atribuída ao
presidente russo, Vladimir Putin, de que “a Ucrânia nem sequer é um
Estado”. Esta citação é usada para apoiar a afirmação igualmente falsa e
verdadeiramente absurda de que a decisão de Putin de empreender a sua
“operação militar especial” e invadir a Ucrânia em 24 de fevereiro de
2022 tinha como objetivo conquistar toda a Ucrânia, num esforço para
recontituir todos os anteriores Estados soviéticos e territórios
imperiais russos antes destes se integrarem na Europa Ocidental. Na
realidade, o Ocidente tem tratado a Ucrânia como um Estado independente
pouco soberano e como uma ferramenta – um cordeiro sacrificial – para
alcançar a hegemonia máxima dos EUA/Ocidente na Eurásia através da
expansão da NATO.
Agora,
à medida que a guerra fatídica e potencialmente fatal para a Ucrânia – a
Guerra NATO-Rússia na Ucrânia – se aproxima do seu fim, a declaração
atribuída a Putin pode tornar-se uma simples, embora triste, constatação
de facto. E a eliminação do Estado ucraniano do mapa da Europa
Oriental, da Eurásia Ocidental e do mundo será provavelmente o resultado
final das ações ocidentais, tal como o é, também, o avanço das forças
russas para oeste.
Na
realidade, foram os EUA e o Ocidente que impulsionaram a expansão da
NATO, apesar da cláusula inscrita na constituição ucraniana, que
estipulava para o país um estatuto de neutralidade e não inserção em
blocos, revogada depois pelo antecessor de Volodomyr Zelenskiy na
presidência, Petro Poroshenko, e apesar da população ucraniana estar
dividida a esse respeito, e ser até tendencialmente contrária à
integração na NATO.
Foram
os EUA e o Ocidente que se recusaram a negociar a expansão da NATO e
uma arquitectura de segurança europeia global e, em vez disso,
empurraram a Ucrânia para a linha da frente no confronto da NATO com a
“Rússia de Putin”, apesar das próprias alegações do Ocidente de que
Putin e a sua Rússia eram perigosos e expansionistas.
Foram
os EUA e o Ocidente que pressionaram Zelenskiy para continuar a guerra
com a Rússia, que Moscovo intensificou depois de perder todas as
esperanças, em Janeiro de 2022, de quaisquer negociações com o Ocidente
sobre estas questões. Putin optou por se envolver numa diplomacia
coercitiva, iniciando a “operação militar especial” e invadindo a
Ucrânia e oferecendo quase simultaneamente conversações de paz com a
Ucrânia em Fevereiro de 2022, a fim de tentar alcançar com Kiev o tipo
de acordo de segurança que Moscovo não conseguira obter nas suas
relações com o Ocidente. As negociações de Minsk, depois de Istambul,
que resultaram, chegaram a um acordo preliminar, mas o Ocidente
apressou-se a afundar o acordo, recusando-se a fornecer as garantias de
segurança nele previstas e enviando a Kíev o então primeiro-ministro
britânico, Boris Johnson, com a mensagem da NATO de que Kiev deveria
lutar e Washington e Bruxelas forneceriam tudo o que a Ucrânia
precisasse “durante o tempo que fosse necessário”.
A relação
entre o Ocidente e a Ucrânia que se desenvolveu no decurso da guerra
lembra a de uma vassalagem – sendo a Ucrânia o vassalo com pouca ou
nenhuma soberania.
Foram
os EUA e o Ocidente que se recusaram a iniciar conversações de paz com
Moscovo ou a pressionar Kiev para o fazer e, em vez disso,
intensificaram continuamente uma guerra que está a desgastar a Ucrânia,
tanto em termos da sua população como do seu território, enquanto o
avanço das forças russas para Ocidente acelera cada mês que passa (como
previ em janeiro de 2024; ver: https://youtu.be/P_MJi5H6HKU?si=rxRiaE0EglSgbclw ),
ap esar das repetidas declarações de Putin e de outros altos
funcionários russos de que estavam e estão abertos a negociações.
Agora,
o controlo do Estado ucraniano sobre os seus territórios está a ser
reduzido pela ofensiva crescente, ainda que cautelosa, da Rússia.
Zelenskiy
e os líderes ocidentais afirmaram que a incursão imprudente,
dispendiosa e falhada das forças ucranianas na região russa de Kursk em
Julho de 2024 daria a Kiev garantias negociais em termos de eventual
troca com suas regiões ocupadas pela Rússia. Mas a Rússia declarou que
não haverá conversações com Kiev enquanto as tropas ucranianas
permanecerem em território russo. Entretanto, o avanço das tropas russas
na Ucrânia aprofunda-se para além das regiões da Crimeia, Donetsk,
Luhansk, Kherson e Zaporozhia que a Rússia reivindica e parcialmente
anexou. Assim, em vez de a Ucrânia poder trocar Kursk por uma ou mais
dessas regiões em quaisquer conversações futuras, será a Rússia que
poderá exigir concessões para a devolução de regiões ou parte delas,
como Kharkiv (Kharkov), Sumy, Dnipro (Dnepropetrovsk), Mikolaev e até
mesmo o leste de Kiev.
Além
disso, o perigo de as forças russas cruzarem o rio Dnieper para o oeste
da Ucrânia está no horizonte. Portanto, agora, mais do que nos
aproximarmos de uma situação favorável aos objetivos da NATO de cercar a
Rússia para a destruir , o que pode acontecer é perder-se em
definitivo a possibilidade de a Ucrânia existir como um estado neutro.
A
Rússia declarou repetidamente que é do seu interesse que a Ucrânia seja
um Estado neutro, não integrado no bloco e nunca se torne membro da
NATO. Isto acontece porque a Rússia prefere ter entre ela e o Ocidente
um amortecedos , uma região tampão, por todas as razões óbvias e não tão
óbvias. Portanto, a parte na Guerra Ucraniana NATO-Rússia que está mais
interessada em destruir a Ucrânia como Estado não é a Rússia, mas sim a
NATO.
A eliminação da
Ucrânia alcançaria o objectivo principal que a expansão da NATO para a
Ucrânia pretendia alcançar: a aquisição de membros pela NATO ao longo de
todas as fronteiras ocidentais e sudoeste da Rússia ( Transcaucásia).
Em
comparação com a possibilidade de ter a Ucrânia como Estado-membro, a
absorção da Ucrânia pela Rússia teria apenas duas desvantagens para
Washington e Bruxelas. Em primeiro lugar, teriam de renunciar ao
controlo do Mar Negro que cobiçavam como segundo objectivo da expansão
da NATO, embora talvez a Geórgia continue a ser uma opção, agora menos
provável na sequência das recentes eleições e da tentativa falhada de
repetir em Tbilissi uma revolução "cor de rosa".
Em
segundo lugar, porque essa eventual absorção da Ucrânia pela Rússia
seria um golpe no prestígio ocidental à luz do seu fracasso em salvar a
Ucrânia e impor uma derrota estratégica à Rússia.
Há
várias maneiras pelas quais o Ocidente ou alguns dos seus elementos
podem facilitar ou provocar o fim da Ucrânia. A mais provável é outro
naufrágio das negociações de paz — desta vez aquelas que estão sendo
trabalhadas pela Administração Trump — forçando a Ucrânia a continuar
travando uma guerra perdida de atrito, com as forças russas avançando
até às fronteiras polaca, húngara e romena. É precisamente para isso que
o ex-secretário de linha dura do Conselho de Segurança da Rússia e
chefe do FSB Nikolai Patrushev estava alertando em sua recente e muito
debatida entrevista ao jornal Moskovskii Komsomolets.
Para
Trump, esta seria uma derrota política logo esquecida. Mas muitos em
Washinton DC e Bruxelas ficariam satisfeitos com a perspectiva de uma
longa guerra com a Rússia que se prolongasse até que a saúde física ou
política de Putin falhe, desencadeando uma luta pelo poder em Moscovo
que poderia oferecer a perspectiva de um colapso russo, como aconteceu
quando do colapso soviético.
Um
cenário menos provável seria o anterior acrescido de anexações das
províncias transcarpáticas e ocidentais da Ucrânia pela Hungria, Roménia
e Polónia juntas. Elementos em todos estes três países estão
pressionando por devoluções dos seus territórios nacionais tradicionais
que foram dados à República Socialista Soviética da Ucrânia por Joseph
Stalin após a Segunda Guerra Mundial. Partilhas em sequência da
dissolução da Ucrânia também poderão surgir como resultado da colocação
de tropas da NATO na Ucrânia a oeste do Dnieper, como foi proposto por
alguns no início da guerra. Conversas recentes sobre "forças de
pacificação" britânicas e francesas na Ucrânia poderão ter o mesmo
efeito. Embora essa variante seja improvável, uma tal "Ucrânia
protetorado" poderia eventualmente ser dissolvida e suas partes
incorporadas pelos países vizinhos, conforme observado acima.
Com
o eventual desaparecimento da Ucrânia, Washinton DC e Bruxelas poderiam
sempre dizer que afinal a NATO sempre tinha chegado às fronteiras da
Rússia em mais uma região-chave e sempre teriam a opção de fomentar um
movimento separatista ucraniano dentro da própria Rússia.
A
única coisa que provavelmente superaria ou atrasaria os cenários acima
mencionados, além de Trump e quaisquer esquemas inovadores que sua
equipa possa arquitetar, é alguma forma de intervenção ocidental direta
na guerra no terreno. Neste caso, ainda assim não haveria garantia de
sobrevivência da Ucrânia, com as tropas ocidentais e as tropas russas a
devastarem ainda mais o país numa longa guerra pela expansão da NATO.
Sem comentários:
Enviar um comentário