Agostinho Lopes
TERRA, ALENTEJO, EM ODEMIRA
«Toda a gente sabia» (1) excepto o próprio e inefável Barreto, que se põe fora do
saco onde meteu toda a gente. Só lhe faltou a «barretal» e habitual conclusão:
toda a gente sabia e sabe que a Reforma Agrária, mesmo depois de liquidada por
mim e mais alguns da mesma laia política, só podia dar em desastre humano,
ambiental, económico. Odemira é a prova e a contraprova. Exploração da terra e
da água insustentável. Trabalho escravo. Cumplicidade do poder político e
económico. «Toda a gente sabia». Escapa um sociólogo, que foi ministro da
agricultura anos atrás, há muito, muito tempo.
A registar. Os que prometeram, anunciaram um Alentejo de explorações agrícolas
familiares e cooperativas de pequenos agricultores, produziram um imenso
latifúndio de exploração, agressão ambiental e que só não é um suicídio
económico, porque não se fazem contas à destruição do solo e à subsidiação
pública da água. E que opera com infraestruturas construídas com dinheiros
públicos, sem pagar rendas. (Depois das mais-valias da terra beneficiada pelo
Alqueva terem sido inteiramente apropriadas pelo latifúndio). Lembras-te, Barreto,
da propaganda, demagógica e divisionista, da distribuição de terra a pequenos
agricultores no processo de descrédito e destruição da Reforma Agrária? Não
resta um rendeiro na Herdade dos Machados... Mas há muito hectare de
agricultura intensiva e superintensiva. Mas que se há-de fazer? «São aquelas
loucuras típicas de Portugal»! (2)
As mesmas famílias políticas, PS, PSD e CDS, que destruíram a Reforma
Agrária, os mesmos que sabotaram a construção do Alqueva enquanto existiu
Reforma Agrária, os mesmos que enchem o Diário da República e o discurso
político com a palavra «sustentabili...lili...dade...dade», produziram milhares de
hectares de insustentabilidade social, insustentabilidade ambiental,
insustentabilidade económica. Resta a sustentabilidade financeira, mas como
sabemos esta é de curto prazo. A terra não é hoje o ventre de uma produção
agrícola e pecuária atenta aos equilíbrios da natureza e às necessidades de
quem a trabalha e do país. A terra alentejana é hoje um «activo financeiro»,
concentrada na mão de grupos financeiros, incompatível com uma agricultura
familiar e cooperativas de produtores. No perímetro do Alqueva, nos últimos 10
anos, cerca de 70% da terra mudou de mãos e o seu preço multiplicou-se por
seis! A forma da exploração da terra está intrinsecamente ligada à forma das
relações de propriedade. A exploração capitalista agrária intensiva, «industrial»,
de terras de dimensão latifundiária (sujeita às dinâmicas e lógicas de reservas de
activos financeiros, com exigências de elevadas rentabilidades) exige uma mão-
de-obra numerosa, barata e precária/sazonal, dispensável sempre que
necessário. No contexto do Alentejo desertificado e despovoado do pós-Reforma
Agrária, só uma imigração em condições de desprotecção social e laboral quase
total, com elevada percentagem de clandestinos, sob a exploração de empresas
de aluguer de mão-de-obra e redes de tráfico de seres humanos, poderia
satisfazer. É o que está traduzido em Odemira. Nada que não tenha acontecido já
há décadas nas terras vizinhas da Andaluzia.
Nas heróicas jornadas de Abril e Maio de 1962 o proletariado alentejano e
ribatejano, dirigido pelo seu Partido, conquistaram as 8 horas de trabalho, pondo
fim ao trabalho escravo de sol a sol imposto pelos latifundiários. Quase sessenta
anos passados, o escândalo: trabalhadores nas mesmas terras trabalham 12
horas consecutivas, em regime de quase escravatura.
Algo está podre, muito podre no reino da política de direita do PS, PSD e CDS!
PS: por falar em Reforma Agrária, domingo passado, a comunicação social do
costume não apareceu na Voz do Operário (terá estado a RTP 1). Desta vez,
nem para dizer mal! Comemoravam-se os 100 anos do nascimento do General
Vasco Gonçalves, o 1.o Ministro do Governo de Portugal que aprovou a Lei da
Reforma Agrária. Nenhum canal generalista passou uma imagem, nenhuma rádio
reproduziu uma voz, nenhum jornal diário publicou uma notícia... Ódio velho não
cansa!
(1) Público de 08MAI21.
(2) Sol de 08MAI21.
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