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14 de maio de 2021

Ao troca tintas do António Barreto , ao seu panegírico director do Público ...

 Agostinho Lopes

TERRA, ALENTEJO, EM ODEMIRA

«Toda a gente sabia» (1) excepto o próprio e inefável Barreto, que se põe fora do

saco onde meteu toda a gente. Só lhe faltou a «barretal» e habitual conclusão:

toda a gente sabia e sabe que a Reforma Agrária, mesmo depois de liquidada por

mim e mais alguns da mesma laia política, só podia dar em desastre humano,

ambiental, económico. Odemira é a prova e a contraprova. Exploração da terra e

da água insustentável. Trabalho escravo. Cumplicidade do poder político e

económico. «Toda a gente sabia». Escapa um sociólogo, que foi ministro da

agricultura anos atrás, há muito, muito tempo.

A registar. Os que prometeram, anunciaram um Alentejo de explorações agrícolas

familiares e cooperativas de pequenos agricultores, produziram um imenso

latifúndio de exploração, agressão ambiental e que só não é um suicídio

económico, porque não se fazem contas à destruição do solo e à subsidiação

pública da água. E que opera com infraestruturas construídas com dinheiros

públicos, sem pagar rendas. (Depois das mais-valias da terra beneficiada pelo

Alqueva terem sido inteiramente apropriadas pelo latifúndio). Lembras-te, Barreto,

da propaganda, demagógica e divisionista, da distribuição de terra a pequenos

agricultores no processo de descrédito e destruição da Reforma Agrária? Não

resta um rendeiro na Herdade dos Machados... Mas há muito hectare de

agricultura intensiva e superintensiva. Mas que se há-de fazer? «São aquelas

loucuras típicas de Portugal»! (2)

As mesmas famílias políticas, PS, PSD e CDS, que destruíram a Reforma

Agrária, os mesmos que sabotaram a construção do Alqueva enquanto existiu

Reforma Agrária, os mesmos que enchem o Diário da República e o discurso

político com a palavra «sustentabili...lili...dade...dade», produziram milhares de

hectares de insustentabilidade social, insustentabilidade ambiental,

insustentabilidade económica. Resta a sustentabilidade financeira, mas como

sabemos esta é de curto prazo. A terra não é hoje o ventre de uma produção

agrícola e pecuária atenta aos equilíbrios da natureza e às necessidades de

quem a trabalha e do país. A terra alentejana é hoje um «activo financeiro»,

concentrada na mão de grupos financeiros, incompatível com uma agricultura

familiar e cooperativas de produtores. No perímetro do Alqueva, nos últimos 10

anos, cerca de 70% da terra mudou de mãos e o seu preço multiplicou-se por

seis! A forma da exploração da terra está intrinsecamente ligada à forma das

relações de propriedade. A exploração capitalista agrária intensiva, «industrial»,

de terras de dimensão latifundiária (sujeita às dinâmicas e lógicas de reservas de


activos financeiros, com exigências de elevadas rentabilidades) exige uma mão-

de-obra numerosa, barata e precária/sazonal, dispensável sempre que


necessário. No contexto do Alentejo desertificado e despovoado do pós-Reforma

Agrária, só uma imigração em condições de desprotecção social e laboral quase

total, com elevada percentagem de clandestinos, sob a exploração de empresas

de aluguer de mão-de-obra e redes de tráfico de seres humanos, poderia

satisfazer. É o que está traduzido em Odemira. Nada que não tenha acontecido já

há décadas nas terras vizinhas da Andaluzia.

Nas heróicas jornadas de Abril e Maio de 1962 o proletariado alentejano e


ribatejano, dirigido pelo seu Partido, conquistaram as 8 horas de trabalho, pondo

fim ao trabalho escravo de sol a sol imposto pelos latifundiários. Quase sessenta

anos passados, o escândalo: trabalhadores nas mesmas terras trabalham 12

horas consecutivas, em regime de quase escravatura.

Algo está podre, muito podre no reino da política de direita do PS, PSD e CDS!

PS: por falar em Reforma Agrária, domingo passado, a comunicação social do

costume não apareceu na Voz do Operário (terá estado a RTP 1). Desta vez,

nem para dizer mal! Comemoravam-se os 100 anos do nascimento do General

Vasco Gonçalves, o 1.o Ministro do Governo de Portugal que aprovou a Lei da

Reforma Agrária. Nenhum canal generalista passou uma imagem, nenhuma rádio

reproduziu uma voz, nenhum jornal diário publicou uma notícia... Ódio velho não

cansa!

(1) Público de 08MAI21.

(2) Sol de 08MAI21.

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