Linha de separação


28 de maio de 2021

Inflação

J.A. Lourenço

 Questão colocada: 

Será que a subida de preços registada nos últimos meses pelo Índice de Preços no Consumidor (IPC), permite prever uma subida considerável da inflação nos próximos tempos no nosso país?


Antes de tentar responder a esta questão, sem dúvida importante, vejamos algumas questões prévias:

  1. O índice de Preços no Consumidor (IPC), a partir do qual o Instituto Nacional de Estatística (INE) todos os meses mede a evolução da inflação no nosso país, dá-nos a evolução temporal dos preços de um conjunto de bens e serviços representativos da estrutura de despesa de consumo da população residente em Portugal. Resulta daqui desde logo uma questão importante que diz respeito à estrutura da despesa de consumo da população residente, a qual tem por base o Inquérito às Despesas das Famílias (IDEF) realizado em 2015/2016 e actualmente é a seguinte:



Consumo individual por objectivo

Estrutura do IPC em 2021

Total

100,0%

Grupo 1 . Produtos alimentares e bebidas não alcoólicas

22,4%

Grupo 2. Bebidas alcoólicas e tabaco

4,2%

Grupo 3. Vestuário e calçado

5,3%

Grupo 4. Habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis

10,3%

Grupo 5. Acessórios para o lar, equipamento doméstico e manutenção corrente da habitação

7,1%

Grupo 6. Saúde

7,1%

Grupo 7. Transportes

14,4%

Grupo 8. Comunicações

3,2%

Grupo 9. Lazer, recreação e cultura

6,7%

Grupo 10. Educação

2,1%

Grupo 11. Restaurantes e hotéis

6,1%

Grupo 12. Bens e serviços diversos

11,0%

Índice de preços no consumidor (Ponderador IPC - Base 2012) por Consumo individual por objectivo; Anual - INE.




Ou seja, considera-se actualmente para o cálculo da inflação que uma família média gasta do seu orçamento mensal, 22,4% em alimentação e bebidas, com despesas com a sua habitação incluindo a renda 10.3%, em transportes 14,4%, em educação 2,1%, em saúde 7,1% e assim sucessivamente. Nos casos, que serão certamente muitos, em que a estrutura das despesas difere desta estrutura média, a inflação suportada pelas famílias é naturalmente diferente daquela que o INE divulga mensalmente.

  1. A partir destes dados recolhidos pelo INE e da estrutura de despesas de consumo considerada, a evolução média anual da inflação foi a seguinte nos últimos anos:


ÍNDICE DE PREÇOS NO CONSUMIDOR






Nacional, Índices e Taxas de Variação anuais






Série de base 2012

Anos

Total

Variação

Total

Variação

excepto habitação

%

%

(*)

-

-

-

-

2008

93,421

2,56

93,354

2,59

2009

92,502

-0,98

92,574

-0,83

2010

93,783

1,38

93,872

1,40

2011

97,281

3,73

97,302

3,65

2012

100,000

2,80

100,000

2,77

2013

100,250

0,25

100,274

0,27

2014

99,848

-0,40

99,996

-0,28

2015

100,313

0,47

100,483

0,49

2016

100,875

0,56

101,094

0,61

2017

102,270

1,38

102,477

1,37

2018

103,246

0,95

103,496

0,99

2019

103,470

0,22

103,846

0,34

2020

103,342

-0,12

103,833

-0,01

2021 (Abril)

104,951

-0,03

104,447

0,05

Fonte: INE






  1. Como o quadro anterior mostra nos últimos 13 anos – entre 2008 e 2020 - a inflação máxima registada no nosso país foi de 3,65% em 2011, sendo que desde 2016, com excepção de 2017, a inflação foi sempre inferior a 1%. 

  2. Depois do ano passado a inflação anual ter registado um valor ligeiramente negativo (-0,01%), influenciada pela evolução negativa dos preços dos produtos energéticos que caíram no IPC 4,9%, queda que mais do que compensou a subida de 2,6% dos produtos alimentares não transformados, no corrente ano o valor anualizado referente a Abril é já positivo e de 0,05%.

  3. A análise desagregada da evolução da inflação nos primeiros quatro meses deste ano mostra-nos que os maiores contributos para esta subida vêm destas duas classes de bens, bens energéticos e bens alimentares não transformados. Os bens energéticos no cIPC, como resultado da subida dos preços dos combustíveis estão a crescer mensalmente em cadeia no à taxa de 1%, enquanto os bens alimentares não transformados (pão, carne, peixe, frutas e hortícolas) estão a crescer também em cadeia à taxa de 0,3%.Quer num caso quer noutro parece-me que a subida que se vem registando nos preços destes dois tipos de bens, energéticos e alimentares, poderá estar associada à retoma da actividade económica que se começa a registar nos últimos meses que não é ainda acompanhada pelos funcionamento dos seus circuitos de abastecimento, já que muitos destes bens são bens importados e com a pandemia, esses circuitos estão a ser grandemente afectados, o que faz com aumente em muitos casos a sua procura, sem correspondência do lado da oferta que é ainda escassa, resultando daqui movimentos de pressão que conduzem à subida dos preços. 

    1. Um exemplo apenas que pode explicar o forte impacto que a evolução da pandemia teve sobre a evolução dos preços, neste caso do barril de petróleo. No início de Janeiro de 2020 o barril de petróleo brent estava a ser vendido para a Europa a 68,05 dólares para quatro meses depois em plena pandemia, no final de Abril, esse preço ser apenas 14,24 dólares (-80%). No início de Janeiro do corrente ano, o preço de barril de petróleo era por sua vez de 50,82 dólares por barril, para agora no final de Abril ser de 65,34 dólares (+29%). 

    2. Por muito que as alterações dos preços dos bens energéticos possam não espelhar de forma imediata e directa as fortes variações registadas no preço do barril de petróleo, todos sabemos que mais cedo ou mais tarde essas alterações acabam por ter impacto nos preços dos bens finais. É isso que está a acontecer hoje com a evolução da inflação no nosso país. 

    3. Em conclusão, a resposta à pergunta feita no início vai depender da forma como dada a estrutura do nosso actual Índice de Preços no Consumidor (IPC) - em pelo menos quase 50% dependente de três grupos de despesas de consumo (produtos alimentares, transportes e habitação) - evoluírem os preços desses mesmos bens de que somos fortemente dependentes do exterior.     


    28 de Maio de 2021 

    José Alberto Lourenço 



Sem comentários: