O que faria se fosse o senhor Xi?
A tensão existente no Mar do Sul da China tornou-se um dos temas mais controversos da atualidade política internacional. Seguindo as pisadas do seu antecessor, Joe Biden optou por confrontar diplomática e militarmente Beijing no Mar do Sul da China. O Secretário de Estado Anthony Blinken acusou a China de ser uma ameaça à estabilidade global com base na forma como tem lidado com os Uigures, Hong Kong e Taiwan.
Os dois primeiros assuntos são de natureza interna e o terceiro não é uma ameaça verosímil. Não é razoável equacionar a possibilidade de uma operação militar chinesa para “conquistar” Taiwan. Não são argumentos suficientemente robustos e convincentes para acusar o gigante asiático de perturbador da paz e segurança internacional, e com isso justificar uma postura confrontacional.
Essa postura tem expressão no Mar do Sul da China. Sem pretender passar uma esponja pelo comportamento da China na região, nem fazer a sua apologia, há aspetos incontornáveis a considerar. A sua importância pode ser analisada de diferentes perspetivas. Concentrar-nos-emos neste texto na militar.
A análise deste confronto na proximidade do litoral chinês tem de considerar o poderoso dispositivo militar americano no Pacífico Ocidental, ao redor da China, construído a seguir ao fim da Segunda Guerra Mundial, tamponando a saída da marinha chinesa para o Pacífico, e aquele que está previsto ser construído.
Os EUA planeiam alargar este dispositivo de 18 bases militares, a que se junta um sistema de defesa antimíssil, com a construção de mais oito bases. O Pentágono tem vários projetos ambiciosos para a região – entre outras iniciativas, colocar um sistema de mísseis na primeira cadeia de ilhas assim como elementos de apoio a uma rede de vigilância e targeting baseada em terra e no espaço (Iniciativa de Dissuasão do Pacífico, US$ 27 mil milhões), deslocar mais forças para oeste da “International Dateline” (US$ 9 mil milhões), e utilizar a Guarda Costeira na região.
Em resposta ao “Pivot to Asia” anunciado pela Administração Obama em 2012, a China iniciou em 2013 a transformação de baixios em ilhas artificiais no Mar do Sul da China, criando uma zona defensiva contígua ao seu litoral. Beijing tem vindo a construir bases militares (navais e aéreas) nessas ilhas e instalado armamento militar sofisticado.
Essas instalações foram concebidas para funcionarem como uma linha avançada de defesa. Permitem começar o combate mais longe do seu território continental, aumentando assim a profundidade do seu sistema defensivo, negando a supremacia naval às marinhas hostis que desafiem sua posição nas suas águas litorais. O que se afigura natural e legítimo.
Este sistema defensivo insere-se numa estratégia de “antiacesso/negação de área” (A2/AD) que visa impedir a intervenção militar dos EUA nas áreas de preocupação imediata da China. Há uma lógica existencial subjacente à construção daquelas ilhas artificiais, uma vez que a China não dispõe de um território insular semelhante ao dos EUA, que estes utilizam com um objetivo ofensivo.
Ao avançar o seu dispositivo defensivo, Beijing procura responder não só à capacidade militar americana instalada e a instalar na primeira linha de ilhas, como à que se estende para leste, por uma série de ilhas espalhadas pelo Pacífico.
Não deixa de ser notável que os EUA, não sendo uma potência asiática e tendo apenas duzentos anos de história, consigam controlar uma malha arquipelágica superior à da China, com a característica de esta se estender por todo o Oceano Pacífico, relacionando-se com aquelas ilhas de diferentes modos (soberania, “território não incorporado”, ou até colonial no que respeita à ilha inglesa de Chagos). Daquelas ilhas, apenas o Havai se encontra mais próximo da costa americana do que da costa do continente asiático. A forma como os EUA foram assumindo o controlo dessas ilhas foi também diferente.
O projeto chinês para o Mar do Sul da China tem suscitado diferentes questões de Direito Internacional. A presença dos EUA no arquipélago de Chagos e a soberania britânica sobre as respetivas ilhas tem sido objeto de forte contestação internacional. Ao não terem ratificado a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982), os EUA encontram-se numa posição fragilizada para criticar o comportamento chinês. O que vem provar que a Ordem só é baseada em regras quando estas interessam.
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