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13 de novembro de 2023

O desafio da China

 Assim qualificam os EUA o facto da China se desenvolver de forma soberana, independente, seguindo os interesses nacionais, à margem das “regras” inventadas pelos EUA segundo os seus interesses, para os demais países serem governados.

Foi a ascensão da China em poder e capacidade nacional que despertou preocupação, depois medo. A China tornou-se uma ameaça à crença no execionalismo e na superioridade dos EUA, uma ameaça existencial.

"Esta cidade não é grande o suficiente para nós dois!" é uma frase comum nos westerns. Hoje, os EUA aplicam-na à política externa, resumindo a sua atitude em relação a Pequim. A série de disputas sobre esta ou aquela questão é apenas o sintoma e não a causa do antagonismo que leva os Estados Unidos a tratar a China como um inimigo. Quando se examina a cronologia dos acontecimentos, fica claro que a acusação norte-americana está longe de se justificar. 

Aqui a repetição da propaganda mediática transforma a "acusação" em julgamento de que a China é um perigo para os estados Unidos.

Xi Jinping e a restante liderança, teriam perdido a oportunidade de se juntar às nações liberais; tornaram-se cada vez mais repressivos internamente – desqualificando-se da parceria com as democracias; têm sido agressivos na afirmação das suas reivindicações territoriais no Mar da China Meridional; não apaziguaram os diferendos especialmente com o Japão; desviaram-se da linha ocidental (ou seja, dos EUA) em relação ao Irão enquanto negociavam com a Arábia Saudita.

A China é acusada de explorar redes de espionagem nos Estados Unidos para se apropriar de tecnologias avançadas, manipular sistematicamente transações comerciais a seu favor e expandir a influência cultural.

Nesta acusação, nenhuma referência é feita às ações dos Estados Unidos. Porém, foi Washington que tomou as medidas mais provocadoras. A prisão do diretor financeiro da Huawei, por insistência de Trump, por motivos escusos (violação da campanha de sanções ilegais contra o Irão), a fim de impedir o sucesso da empresa em se tornar dominante no campo da tecnologia da informação. O próprio Trump o admitiu quando disse que os EUA poderiam abster-se de persegui-lo se a China estivesse disposta a ceder nas negociações comerciais bilaterais.

A provocação final foram as medidas tomadas em relação a Taiwan, para impedir a sua integração na República Popular da China, cruzando a mais indelével das linhas vermelhas da China, que os próprios Estados Unidos ajudaram a traçar e respeitaram durante meio século. Um convite inequívoco para um confronto que exclui qualquer possível negociação, mediação ou compromisso.

Os EUA acham muito mais fácil lidar com inimigos óbvios, como a URSS, do que partilhar o cenário internacional com países que são iguais a eles no poder, não importa se representam ou não uma ameaça aos EUA. Daí caracterizar a China não apenas como rival global, mas também como uma ameaça.

Uma enorme quantidade de energia é dedicada a este empreendimento delirante. O alvo é o próprio público americano. Esta a bizarra forma de conversão substituindo a realidade por uma versão inventada.

Todos os dias, somos brindados com dois ou três artigos nos media sobre o que há de errado com a China, uma lavagem cerebral a que se é submetido diariamente. A implementação da estratégia  anti China foi feita sob Obama, Trump implementou-a, Biden continuou, o que mostra que esta não é uma decisão do presidente, mas de uma estrutura burocrática, anti-China foi feita sob Obama, Trump implementou-a, Biden continuou, o que mostra que esta não é uma estrutura burocrática não eleita e cujas decisões não estão sujeitas a debate. 

É estranho que um compromisso tão importante tenha sido feito por uma equipe tão sem brilho, liderada por um presidente diminuído e distraído. Há duas razões. A primeira é a visão do mundo dogmática dos líderes, integrando o memorando de Paul Wolfowitz de 1992 que estabelece uma estratégia para consolidar e expandir o domínio global dos EUA perpetuamente. A segunda é o objetivo dos neoconservadores por moldar outros países à imagem dos Estados Unidos.

Essa mistura tornou-se uma ortodoxia para quase toda a comunidade de política externa dos EUA. 

Isto mostra que os neoconservadores se infiltraram nas estruturas burocráticas ocidentais para que suas ideias de supremacia pudessem ser implementadas sem passar pelo debate democrático e do voto.

O apoio a Taiwan será reforçado. A premissa fundamental da abordagem com a China é a sua adoção de um sistema neoliberal atraindo-a para o campo dos EUA. Assim, o desafio à hegemonia dos EUA/ocidente seria gradualmente neutralizado, evitando o confronto direto.

Para que isso acontecesse, o governo chinês teria que deixar que seus líderes empresariais se envolvessem na política do país, o que não é o caso, como vimos quando Jack Ma (grande empresário chinês) foi chamado à ordem, dizendo-lhe que "se ele quer fazer política, deve juntar-se ao Partido Comunista e se quer fazer negócios, não deve intrometer-se na política".

De um texto de Michael Brenner, prof. na Universidade de Harvard. Em itálico comentários do editor, The saker.

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