A Nova Rússia foi formalmente declarada quando Putin disse: "quem se regozija com o fim da URSS não tem coração, mas quem a quer reconstruir, não tem cérebro" ou "o fim da União Soviética representou a maior tragédia geopolítica do século XX." A partir daqui, o trabalho dos perestroikos de denegrir o passado soviético foi revertido, a Rússia liga-se aos 27 milhões de soviéticos caídos em luta ou assassinados pelo nazifascismo. Como disse Richard Sakwa (RS) o caminho para a guerra estava traçado. (1)
Na Nova Rússia, Putin liquidou o poder oligárquico e a sua capacidade de condicionar o poder político. Os líderes empresariais tornaram-se vulneráveis ao comportamento do regime e seus funcionários, como parte de um arranjo flexível entre a elite empresarial e a administração do Kremlin. O que não impede a corrupção, favorecendo certos capitalistas em detrimento de outros e licitações não competitivas em grandes contratos.
A economia desenvolve-se no quadro do mercado. Não se pode falar em economia planeada, mas de dirigismo, intensificado pelo "keynesianismo militar", com um sistema de governação focado no próprio chefe. Os procedimentos são seguidos, as instituições funcionam de acordo com seus preceitos, a fonte de legitimidade continua sendo a Constituição, embora desrespeitada quando necessário.
O sistema baseia-se no formalismo legal. As eleições são realizadas com regulamentação meticulosa, procedimentos parlamentares observados. No entanto, tudo isto pode ser ofuscado pelo Kremlin e repercutido por todo o país.
Contudo, isto não dá qualquer superioridade moral ao Ocidente. Para RS a democracia nos na generalidade dos países do Ocidente é cada vez mais disfuncional, condenando gerações à marginalidade e pobreza, sujeitas aos caprichos de poderes políticos e económicos irresponsáveis. A subordinação dos resultados democráticos à manipulação externa é desenfreada no Ocidente político, corroendo os fundamentos da sua própria legitimidade.
A democracia nos países capitalistas avançados está esgotada: sem ideias e em termos organizativos disfuncional. A maré volta-se contra a desconstrução do Estado democrático pelo neoliberalismo. Precisamos nos afastar do globalismo liberal em direção a um maior respeito pelo internacionalismo soberano, conforme a Carta da ONU.
O termo "autocracia", frequentemente aplicado para descrever a Rússia, é enganoso. Podemos distinguir quatro grandes blocos ideológicos na sociedade russa. Os liberais económicos, influentes em determinadas posições estatais, mais que a insignificante proporção de votos obtidos nas eleições. Defendem políticas macroeconómicas ortodoxas, orçamentos equilibrados, inflação baixa e uma dívida nacional reduzida. Geralmente admiram e desejam copiar o Ocidente, contudo são controlados: Alexei Kudrin, ministro das Finanças de 2000 a 2011, opôs-se ao desvio de recursos para necessidades militares sendo demitido por Medvedev.
Outro grupo são os okhraniteli-siloviki (ligados ao aparelho de segurança). Consideram-se responsáveis por "proteger" a Rússia vendo-a como uma fortaleza sitiada sendo seu dever sagrado defende-la dos inimigos internos e externos. Os militares fazem parte deste bloco, mas sua preocupação é defender o país, os okhraniteli-siloviki concentram-se em defender o regime. Após a unificação da Crimeia em 2014, Putin adotou parte da linguagem deste grupo.
Em terceiro lugar, o bloco dos neotradicionalistas, monarquistas, neoestalinistas, nacionalistas, adaptando o que vem do passado às preocupações atuais. Com a guerra na Ucrânia reafirmaram o seu domínio.
Os euroasianistas são uma quarta categoria, em parte sobreposta à anterior, com uma ideologia antiocidental, consideram que a Rússia e a "civilização romano-germânica" são incompatíveis.
Nenhum desses grupos é hegemónico. A liderança de Putin baseia-se em todos, mas não depende de nenhum. Quanto à sociedade permanece tolerante, um legado dos valores iluministas proclamados pelo socialismo soviético.
Um dos nomes mais mencionados como sucessor de Putin, com experiência e semelhança ideológica, é Alexei Dyumin, tenente-general das Forças Especiais que liderou a anexação da Crimeia. Em 2024, foi nomeado secretário do Conselho de Estado, órgão destinado a fornecer a Putin um lugar quando se retirar. A partir daí, Putin pode supervisionar a direção estratégica geral do país.
O resultado das eleições, livres e justas, pode não ser do agrado do Ocidente, uma vez que a alienação do Ocidente Político é muito profunda. Aqueles que pedem a mudança de regime ou a remoção forçada do "regime de Putin", deviam estar cientes da catástrofe global que a desintegração de um país com milhares de armas nucleares e diversificadas regiões representaria.
Os erros em relação a Putin, reforçaram o seu poder e popularidade, fortaleceram a economia russa e enfraqueceram a da UE. Refletem a profunda incompetência na compreensão do país e um zelo missionário como o imperialismo liberal do século XIX, que assumiu várias formas, incluindo a russofobia, como durante a Guerra da Crimeia, 1853-56.
Tem havido muita conversa ao longo dos anos sobre a "autonomia estratégica" da Europa. Porém, sem uma mudança do pensamento da Guerra Fria, essa autonomia será colocada a serviço da militarização contínua, em vez de desenvolver uma ordem de paz e segurança para todo o continente. Venho alertando para estes perigos há três décadas, acima de tudo, para o fracasso do Ocidente Político se abrir e ir além das trajetórias da Guerra Fria. (RS)
Fonte - Richard Sakwa sobre a Rússia desde a Perestroika
1 - Sobre este tema ver: "Do fim da URSS à atual russofobia" aqui e aqui
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