CIMEIRA HISTÓRICA NO ALASCA: MUITO MAIS DO QUE PARECE
por Carlos Fino
A
sensação, à primeira vista, é de frustração: só isto? Afinal, tanto
barulho para nada?! Mas, olhando melhor, por detrás da aparente
inocuidade, está uma enorme mudança - Trump e Pútin viraram a página do
confronto total à beira do abismo, retomando a via do confronto
regulado. Parecendo pouco, é enorme -verdadeiramente histórico.
O
grande vencedor imediato é Pútin, que, de vilipendiado e ostracizado,
voltou, em passadeira vermelha, pela mão (e o aplauso!) de Trump, ao
grande palco da política mundial. De onde, na realidade, apesar da
hostilidade ocidental, nunca chegou a sair graças aos BRiCS, engenhosa e
paciente construção da diplomacia russa. Mas uma coisa é lidar com a
versão contemporânea dos antigos Não Alinhados do tempo da Guerra Fria,
outra falar de igual para igual com o líder da maior potência mundial,
em encenação mediática de repercussão universal, prendendo as atenções
de todo o mundo.
Trump,
por seu turno, a coberto de uma nuvem de ameaças e zigzagues para
confundir e despistar os seus poderosos adversários neoconservadores,
consegue a proeza de restabelecer as relações com a Rússia praticamente
contra tudo e contra todos. Compreendendo que a guerra na Ucrânia está
perdida, teve a sagacidade de se colocar de fora ainda a tempo, agindo
como se fosse parte neutra e evitando dessa forma para os EUA mais uma
retirada sem honra nem glória como aconteceu no Vietname e no
Afeganistão. Em compensação, vê abrirem-se-lhe as portas de acesso às
riquezas da Sibéria e do Ártico, em cooperação com Moscovo. Não é um mau
negócio.
A paz eterna
está finalmente estabelecida? Não, de modo nenhum, infelizmente! Em
declínio, mas ainda maior potência do planeta, os EUA continuarão a
contrariar a emergência de potências rivais, em particular a China, que
já se perfila no horizonte como seu principal desafio. Mesmo em relação à
Rússia, não terminarão amanhã os esforços de a conter, sempre e onde
puderem - do Báltico ao Cáucaso, passando pela Ucrânia. Mas, neste
último caso, parece haver vontade de uma progressiva retirada, agora que
a Rússia está em vias de ganhar.
Os
grandes perdedores são manifestamente Zelensky e os europeus, que
insistiram na guerra, totalmente alinhados com a administração Biden,
primeiro, e não sabendo depois distanciar-se a tempo quando Trump
sinalizou que ao excessivamente caro intervencionismo externo dos seus
antecessores, preferia virar-se para dentro, a fim de Make America Great
Again. É triste olhar para os protagonistas da UE neste cenário.
Obtida
a certeza de que não haverá Nato na Ucrânia nem Ucrânia na Nato, os
russos vão continuar a avançar até que Kíev aceite as realidades no
terreno. Ou que, por força das contradições internas que tendem a
acentuar-se com as derrotas, haja eventualmente uma mudança de regime
naquela que foi "a primeira de todas as cidades russas".
Ou
seja, de imediato, não haverá cessar-fogo. Mas o tom já mudou na
relação entre Moscovo e Washington. E esse é o grande resultado desta
aparentemente vazia cimeira histórica no Alasca.
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