Lavrov chegou ao Alasca, vestindo uma camisola com a inscrição CCCP (URSS). Trata-se de um produto de uma marca russa especializada em apresentar motivos soviéticos em roupas e noutros objetos. Comentadores consideraram uma provocação - de tal forma andam nervosos - outros a nostalgia soviética. Marc Rubio, achou engraçado e Lavrov disse que lhe podia oferecer uma.
De facto, a Rússia atual recupera o seu passado soviético que fez dela uma potência mundial. Recentemente foi colocado um busto de Estaline numa das estações centrais do Metro de Moscovo. Noutro local alinha ao lado dos antigos líderes do país. Uma estátua de Dzerzhinsky, fundador dos serviços secretos soviéticos, foi reposta na sede dos atuais serviços secretos, o FSB, e a região administrativa e a militar onde se localiza São Petersburgo, designa-se Leninegrado. A vitória soviética e a memória da guerra são legados duradouros e uma característica da sociedade russa.
Este é um aspeto da Nova Rússia. Como se chegou aqui, partindo do descalabro social-democrata de Gorbatchev e neoliberal de Yeltsin?
Nos finais de 1999, Putin, chamado por Yeltsin, prometeu restaurar a capacidade do Estado de acordo com as tradições russas. Lutou contra o desenvolvimento de feudos nas diversas regiões e repúblicas e restringiu o poder dos "oligarcas". Em 2000, reuniu-se com os oligarcas e disse-lhes que para manterem os seus ganhos, tinham que pagar impostos e ficar fora da política. Em troca, as autoridades permitiriam que as empresas continuassem com os negócios. Isto implicou o fim dos oligarcas como classe... e a Rússia passar a ser considerada um totalitarismo.
Vários autores têm analisado com seriedade a situação russa desde a perestroika até Putin. Um deles, Richard Sakwa (RS) ex-professor jubilado de política russa e europeia da Universidade de Kent e professor honorário de Ciência Política da Universidade de Moscovo, foi detido em Heathrow, em 13 de junho quando regressava de conferências em Tbilisi e Belgrado. Interrogado durante quatro horas, copiados todos os conteúdos do telemóvel e computador, fotografado, tirado o ADN, etc., ao abrigo da Lei de Contraterrorismo em que o silêncio prova ter algo a esconder, levando a consequências piores.
"Os agentes disseram-lhe: "Temos motivos para acreditar que você, Sr. Sakwa, pode estar conduzindo atividades hostis em nome do Estado russo. As informações indicam que você foi entrevistado por pessoas ligadas ao Estado e aos media estatais russos. O Estado russo pode, portanto, vê-lo como uma voz confiável para propagar narrativas pró-russas que buscam minar a democracia do Reino Unido. Se você mantiver um relacionamento com indivíduos ligados ao Estado russo, esses relacionamentos podem estar ligados a atividades que preocupam a segurança nacional."
"Estudo a Rússia e a União Soviética há décadas, agora é equiparado à subversão. É um exemplo de repressão política, pior do que durante a Guerra Fria. O macarthismo está de volta." (RS)
RS, tal como outros analistas (1) concluiu que o sistema soviético foi destruído não por falhas estruturais, mas pelas reformas de Gorbachev. Foi a perestroika e reformas mal pensadas que desestabilizaram e liquidaram a economia. Deslegitimou o sistema de poder, desmantelou-o, incapaz de fornecer alternativas teóricas ou institucionais coerentes. Nos últimos anos estava mais preocupado em obter a aprovação do Ocidente do que em lidar com problemas do país. O pensamento anterior sobre o militarismo, agressividade e expansionismo das potências capitalistas - o imperialismo - foi posto de parte. Em 1988, a União Soviética não era mais comunista. Porém, "dissolver" o comunismo era uma coisa, "desintegrar" as instituições do estatais e do país, outra.
Yeltsin explorou a incapacidade de Gorbachev e a ganância de várias elites pela riqueza do país. Usou o nacionalismo russo para destruir a União Soviética e tomar o poder. Foi um populista tratado no ocidente como a expressão da democracia, esperando juntar-se ao Ocidente Político. Putin nos primeiros anos da sua liderança, também acreditava que a Rússia poderia juntar-se ao Ocidente Político como igual. Quando entendeu que isso não era possível, entre outras razões pela expansão da NATO, o longo caminho para a guerra começou.
Yeltsin permitiu que os EUA aplicassem a "terapia de choque" neoliberal, levando o país ao colapso económico, aumento da criminalidade, alta mortalidade, etc., além da incapacidade do Estado defender os interesses nacionais da Rússia. Era a visão de um Ocidente expansionista, sob o disfarce de "globalização", com o domínio irrestrito do capital, a erosão neoliberal da capacidade estatal de intervenção na economia (exceto para salvar o capitalismo das suas crises).
A incapacidade do Ocidente compreender a experiência histórica e cultural de outras civilizações e Estados permanece até hoje. O globalismo liberal, democracia liberal ou ordem internacional baseada em regras, associa "liberdade" a mercados livres, comércio aberto, gestão estatal mínima da economia e a ambição geopolítica da primazia dos EUA. O que implica ter o direito de interferir nos assuntos internos dos Estados caso considere que violaram elementos da ordem normativa do Ocidente Político.
Fonte - Richard Sakwa sobre a Rússia desde a Perestroika
1 - Sobre este tema ver: "Do fim da URSS à atual russofobia" aqui e aqui
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