Linha de separação


24 de maio de 2023

 Por VÁRIOS AUTORES*

Artigo publicado na primeira página do “New York Times”, assinado por quinze especialistas em segurança reunidos pela “Eisenhower Media Network”

A Guerra Rússia-Ucrânia é um desastre absoluto. Centenas de milhares de pessoas foram mortos ou feridos. Milhões foram deslocadas. A destruição ambiental e econômica tem sido incalculável. A devastação futura pode ser ainda maior à medida que as potências nucleares se aproximam cada vez mais da guerra aberta.

Lamentamos a violência, os crimes de guerra, os ataques indiscriminados com mísseis, o terrorismo e outras atrocidades que fazem parte desta guerra. A solução para essa violência chocante não é mais armas ou mais guerra, com a garantia de mais mortes e destruição.

Como americanos e especialistas em segurança nacional, instamos o presidente Joe Biden e o Congresso a usar de seus poderes para encerrar a Guerra Rússia-Ucrânia rapidamente, por meio da diplomacia, principalmente por conta dos graves perigos de uma escalada militar que pode sair do controle.

Sessenta anos atrás, o presidente John F. Kennedy fez uma observação que é crucial para a nossa sobrevivência hoje: “Acima de tudo, enquanto defendemos nossos próprios interesses vitais, as potências nucleares devem evitar os confrontos que levam o adversário a escolher entre uma retirada humilhante ou uma guerra nuclear. Adotar esse movimento na era nuclear evidencia apenas a falência de nossa política – ou o desejo coletivo de morte para o mundo”.

A causa imediata desta guerra desastrosa na Ucrânia é a invasão da Rússia. No entanto, os planos e ações para expandir a OTAN para as fronteiras da Rússia serviram para provocar os temores russos. Os líderes russos defenderam esse ponto por 30 anos. Uma falha na diplomacia levou à guerra. Agora a diplomacia é urgentemente necessária para acabar com a Guerra Rússia-Ucrânia antes que ela destrua a Ucrânia e coloque a humanidade em perigo.

O potencial para a paz

A atual ansiedade geopolítica da Rússia é informada pelas memórias das invasões de Carlos XII, Napoleão, Kaiser e Hitler. As tropas dos EUA participaram da força de invasão aliada que interveio sem sucesso contra o lado vencedor na guerra civil na Rússia logo após a Primeira Guerra Mundial. A Rússia vê o alargamento e a presença da OTAN nas suas fronteiras como uma ameaça direta; os EUA e a OTAN consideram que se trata apenas de uma preparação prudente. Na diplomacia, deve-se procurar ver com empatia estratégica, buscando compreender os adversários. Isso não é fraqueza: é sabedoria.

Rejeitamos a ideia de que os diplomatas, em busca da paz, devam escolher um lado, neste caso, a Rússia ou a Ucrânia. Ao favorecer a diplomacia, escolhemos o lado da sanidade. Da humanidade. Da paz.

Consideramos a promessa do presidente Joe Biden de apoiar a Ucrânia “pelo tempo que for necessário” uma licença para perseguir objetivos mal definidos e, em última análise, inatingíveis. Pode ser tão catastrófico quanto foi a decisão do presidente Vladimir Putin no ano passado de lançar essa invasão e ocupação criminosas. Não podemos e não iremos endossar a estratégia de lutar contra a Rússia até o último ucraniano.

Defendemos um compromisso significativo e genuíno com a diplomacia, especificamente um cessar-fogo imediato e negociações sem quaisquer pré-condições desqualificantes ou proibitivas. Provocações deliberadas resultaram na Guerra Rússia-Ucrânia. Da mesma forma, a diplomacia pode acabar com isso.

Ações dos EUA e invasão da Ucrânia pela Rússia

Com o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, os líderes dos Estados Unidos e da Europa Ocidental garantiram aos líderes soviéticos e russos que a OTAN não se expandiria em direção às fronteiras da Rússia. “Não haveria extensão da OTAN uma polegada a leste”, disse o secretário de Estado dos EUA, James Baker, ao líder soviético Mikhail Gorbachev em 9 de fevereiro de 1990. Garantias semelhantes de outros líderes dos EUA, bem como de líderes britânicos, alemães e franceses foram dadas na década de 1990.

Desde 2007, a Rússia advertiu repetidamente que a presença das forças armadas da OTAN nas fronteiras russas era intolerável – assim como as forças russas no México ou no Canadá seriam intoleráveis para os EUA agora, ou como foram os mísseis soviéticos em Cuba em 1962. A Rússia destacou ainda que a expansão da OTAN para a Ucrânia era especialmente provocativa.

Vendo a guerra pelos olhos da Rússia

Nossa tentativa de entender a perspectiva russa em sua guerra não endossa a invasão e a ocupação, nem implica que os russos não tiveram outra opção a não ser esta guerra. Entretanto, assim como a Rússia tinha outras opções, os EUA e a OTAN também tinham antes desse momento.

Os russos deixaram claras suas linhas vermelhas. Na Geórgia e na Síria, eles provaram que usariam a força para defender essas linhas. Em 2014, sua tomada imediata da Crimeia e seu apoio aos separatistas de Donbas demonstraram que eles estavam comprometidos com a defesa de seus interesses. Por que isso não foi entendido pela liderança dos EUA e da OTAN não está claro: incompetência, arrogância, cinismo ou uma mistura traiçoeira dos três provavelmente foram os fatores decisivos.

Mais de uma vez, mesmo com o fim da Guerra Fria, os diplomatas, generais e políticos dos EUA alertaram para os riscos de expandir a OTAN para as fronteiras da Rússia e de interferir em sua área de influência. Os ex-funcionários do gabinete Robert Gates e William Perry emitiram essas advertências, assim como os venerados diplomatas George Kennan, Jack Matlock e Henry Kissinger. Em 1997, cinquenta especialistas seniores em política externa dos EUA escreveram uma carta aberta ao presidente Bill Clinton aconselhando-o a não expandir a OTAN, chamando-o de “um equívoco político de proporções históricas”. O presidente Bill Clinton optou por ignorar esses avisos.

O mais importante para nossa compreensão da arrogância e do cálculo maquiavélico na tomada de decisões dos EUA em torno da Guerra Rússia-Ucrânia é a rejeição das advertências emitidas por Williams Burns, o atual diretor da Agência Central de Inteligência. Em um telegrama para a secretária de Estado Condoleezza Rice em 2008, enquanto servia como embaixador na Rússia, Burns escreveu o seguinte sobre a expansão da OTAN e a adesão da Ucrânia: “As aspirações da Ucrânia e da Geórgia à OTAN não apenas tocam um ponto sensível na Rússia, como também geram sérias preocupações sobre as consequências para a estabilidade na região. A Rússia não apenas percebe o cerco e os esforços para minar a influência da Rússia na região, mas também teme consequências imprevisíveis e descontroladas que afetariam seriamente os interesses de segurança russos. Especialistas nos dizem que a Rússia está particularmente preocupada que as fortes divisões na Ucrânia sobre a adesão à OTAN, com grande parte da comunidade de etnia russa contra a adesão, possam levar a uma grande divisão, envolvendo violência ou, na pior das hipóteses, guerra civil. Nessa eventualidade, a Rússia teria que decidir se iria intervir; uma decisão que a Rússia não quer ter que enfrentar”.

Por que os EUA persistiram em expandir a OTAN, apesar dessas advertências? O lucro das vendas de armas foi um fator importante. Enfrentando a oposição à expansão da OTAN, um grupo de neoconservadores e altos executivos de fabricantes de armas dos EUA formaram o “Comitê dos EUA para Expandir a OTAN”. Entre 1996 e 1998, os maiores fabricantes de armas gastaram US$ 51 milhões (US$ 94 milhões hoje) em lobby e outros milhões em contribuições de campanha. Com esta generosidade, a expansão da OTAN rapidamente se tornou um negócio lucrativo. Os fabricantes de armas dos EUA venderam bilhões de dólares em armas aos novos membros da OTAN.

Até agora, os EUA enviaram US$ 30 bilhões em equipamentos militares e armas para a Ucrânia, com uma ajuda total à Ucrânia superior a US$ 100 bilhões. A guerra, já foi dito, é altamente lucrativa para alguns poucos.

A expansão da OTAN, em suma, é uma característica fundamental da política externa militarizada dos EUA, caracterizada pelo unilateralismo com mudanças de regimes políticos e guerras preventivas. Guerras fracassadas, mais recentemente no Iraque e no Afeganistão, produziram massacres e mais confrontos, uma dura realidade criada pelos próprios Estados Unidos. A Guerra Rússia-Ucrânia abriu uma nova arena de confronto e matança. Esta realidade não é inteiramente de nossa autoria, mas pode muito bem ser nossa ruína, a menos que nos dediquemos a forjar um acordo diplomático que interrompa a matança e diminua as tensões.

Vamos fazer da América uma força para a paz no mundo.

*Dennis Fritz é diretor da Eisenhower Media Network. Sargento Chefe do Comando da Força Aérea dos EUA (aposentado).

*Matthew Hoh é diretor associado da Eisenhower Media Network. Ex-oficial do Corpo de Fuzileiros Navais e oficial do Estado e da Defesa.

*William J. Astore é tenente-coronel da Força Aérea dos EUA (aposentado).

*Karen Kwiatkowski é tenente-coronel da Força Aérea dos EUA (aposentado).

*Dennis Laich é major-general do Exército dos EUA (aposentado).

*Jack Matlock, embaixador dos EUA na URSS, 1987-91, é autor do livro Reagan e Gorbachev: Como acabou a Guerra Fria.

*Todd E. Pierce é Major, Juiz Advogado, Exército dos EUA (aposentado).

*Coleen Rowley é Agente Especial, FBI (aposentado).

*Jeffrey Sachs, é professor na Universidade de Columbia.

*Christian Sorensen, é especialista em língua árabe.

*Chuck Spinney é membro da Força Aérea dos EUA, Engenheiro/analista aposentado no Gabinete do Secretário de Defesa.

*Winslow Wheeler, conselheiro de segurança nacional de quatro estados republicanos e democratas.

*Lawrence B. Wilkerson é Coronel do Exército dos EUA (aposentada).

*Ann Wright é Coronel do Exército dos EUA (aposentada) e ex-diplomata.

Tradução: Benito Mazzi de Araújo.

Publicado originalmente em Eisenhower Media Network [https://eisenhowermedianetwork.org/russia-ukraine-war-peace/].

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