Dois textos
OS REFÉNS MORTOS POR GAZA E POR ISRAEL
Carlos Matos Gomes/ Medium
No
memorial que um dia o Estado de Israel inevitavelmente erigirá em Gaza
em memória e glorificação aos seus heróis que ocuparam aquele território
inimigo, dele expulsando os palestinianos, constarão os nomes destes
três israelitas prisioneiros como mártires da causa da construção de um
Estado Unitário Judaico na Palestina, do Grande Israel da Terra
Prometida!
A morte destes
três israelitas pelas suas próprias forças — falaciosamente designadas
por Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla anglo-saxónica, como as
forças do apartheid da África do Sul se designavam também Forças de
Defesa Sul Africanas — SADF) — resulta da política que o Estado de
Israel tem desenvolvido desde a sua fundação com o apoio das potências
vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Os reféns não foram mortos por
engano.
No terreno, este
caso é o resultado da tradução militar de uma política. A mentalização
dos militares israelitas — de população em geral, pois Israel é o estado
mais militarizado do mundo — é a de que ocupam um território inimigo e
têm de se defender dos ocupados. Os israelitas nascem e vivem num
ambiente de conquista, ocupação e imposição de um poder, de uma cultura
de exclusão do outro, de diferença, de racismo — os típicos ingredientes
do colonialismo.
A
mentalização das forças coloniais assenta em dois pontos: a defesa de um
direito a ocupar um território e destruir um povo por superioridade
civilizacional e por conquista de um novo espaço e das suas riquezas que
permitem o desenvolvimento da sua superioridade e do aumento da
distância às que vão ser destruídas ou submetidas.
Os
militares israelitas entram em ação municiados com estas justificações —
antes da invasão, nos discursos às tropas, quer Netanyahou, quer o
ministro da defesa junto à fronteira com Gaza apontavam as “muralhas” e
diziam aos soldados: vocês vão entrar ali e destruir aquilo, o nosso
inimigo. Aquele é o nosso objetivo, o que se opõe à nossa Terra
Prometida. O “aquilo” já tinha sido classificado de uma terra habitada
por animais, logo por não humanos. A desumanização é um requisito
habitual da mentalização colonial: os índios não eram humanos, os
africanos não eram humanos, os vietgongs não eram humanos, os judeus não
eram humanos, os palestinianos não são humanos.
Para
os pilotos dos aviões que largam bombas indiscriminadamente sobre Gaza,
para os marinheiros que do largo do Mediterrâneo disparam sobre Gaza,
para os artilheiros que operam da retaguarda peças e obuses, ou dirigem
drones em Gaza não existem seres humanos, mas terríveis terroristas do
HAMAS, como enfaticamente e deliberadamente afirmam os políticos e os
seus instrumentos de manipulação na comunicação.
Mas
esses militares estão longe, vêm o “inimigo” num ecrã de plasma, estão
num vídeo jogo, não lhes cheira ao queimado de carne, nem de pólvora,
nem dos incêndios, não escutam os gritos, nem os estrondos. Outra é a
situação do soldado no terreno, em geral jovem e a enfrentar a
realidade, a sujar as botas, as mãos, mas acima de tudo a lutar contra
si. O primeiro choque desses jovens que vemos nas televisões de
capacete, com uma espingarda, a saltitar sobre escombros é consigo, com
aquilo que os seus chefes lhe incutiram e com o que eles enfrentam.
Depois é o medo. Eles estão em território inimigo. Cercados de inimigos e
perigos. Para cada um, a sua principal preocupação é consigo, é
sobreviver. Em ação eles não estão a pensar na Pátria, estão a pensar em
como não morrer e em matar aqueles que os podem matar.
Voltamos
à política: a política do Estado de Israel quer que os seus militares
no terreno reajam assim, por Medo e que esqueçam o Mal. O soldado no
terreno está, ou é preparado, é mentalizado, é treinado para estar tão
desumanizado quanto ele foi treinado para desumanizar o seu inimigo. A
este processo de alteração do comportamento do ser humano é dado o nome
científico de “criação da mente saqueada — ou devastada”. O objetivo é
“desfigurar” cada soldado da pessoa que efetivamente é. É ainda o de
negar à pessoa sob uniforme o direito a pensar, a duvidar, a abdicar da
sua liberdade. Há o nós e os outros. Ou há concordância total, ou
discordância total. Um universo maniqueísta e esquizofrénico. É neste
cenário que surgem três seres vivos a abanar uma bandeira branca diante
de uns jovens armados e em estado de medo em território hostil…
O
caso do abate dos três israelitas pelos seus soldados tem um
enquadramento tático conhecido. O ataque a Gaza é uma típica operação de
“search&destroy”, de busca e destruição, que teve o seu ponto mais
alto no Vietname sob o comando do general americano Westmorland e que
foi ensaiada pelo general Kaúlza de Arriaga em Moçambique, na operação
“Nó Górdio”; é uma adaptação da doutrina de “Shock and Awe”, Choque e
Pavor, utilizada pelos estados Unidos no Iraque e que teve agora uma
nova aplicação com a doutrina Dahiya, utilizada por Israel no Líbano,
assente no princípio de destruição de infraestruturas civis e populações
que contribuam para o apoio ao inimigo: neste sentido, para o soldado
israelita no terreno, ser vivo em Gaza é para ser morto, seja
jornalista, criança, médico, velho ou novo, seja prisoneiro que se quer
apresentar aos seus. Para o soldado colocado nestas circunstâncias pelo
poder político trata-se de reagir a uma ameaça. Está debaixo de stress
máximo e foi colocado naquela situação deliberadamente por quem decidiu a
frio e sem qualquer risco.
Os
militares portugueses passaram por estas situações na guerra colonial. O
caso mais conhecido será o Wiriamu. Os três israelitas mortos pelos
seus são tão vítimas da política dos seus políticas e das políticas do
Estado Israel e dos seus aliados quanto os seus soldados e quanto os
palestinianos.
Estar
incondicionalmente ao lado de Israel é estar incondicionalmente ao lado
destas situações. E não adianta dizer aos jovens soldados israelitas que
mataram os seus concidadãos que contam com o apoio incondicional dos
Estados Unidos que lhes colocaram duas esquadras nas suas costas, ou dos
seus políticos e cientistas que os protegem com armas nucleares,
satélites, drones e ciberarmas, porque eles estão entre a vida e a
morte. Entre o Medo e o Mal, eles escolhem o Mal, que é o Bem que lhes
salva a vida.
2)QUASE METADE DAS MUNIÇÕES USADAS POR ISRAEL NÃO SÃO DE PRECISÃO, E POR ISSO MATAM CIVIS INDISCRIMINADAMENTE!
- noticiaram a CNN-EUA e o jornal 'The Washington Post', com base na avaliação feita pelos serviços secretos dos EUA
Segundo
noticiou o 'Público' (06 /Dezembro/2023): «A avaliação do gabinete que
junta os serviços secretos nacionais [dos EUA] (DNI na sigla em inglês) é
de que 40 a 45% das 29 mil munições ar-terra que Israel já usou na
Faixa de Gaza não eram munições de [alta] precisão. As restantes eram.
«Se
o uso de munições que causam mais perigo para civis, em especial em
zonas tão densamente povoadas, for da dimensão que está a ser estimada
pelos EUA, isso põe em causa a afirmação repetida por Israel de que está
a ser precisa nos ataques e a fazer os possíveis para evitar mortes de
civis - afirma a CNN [dos EUA] com base em conversas com peritos».
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