Intervenção em nome das organizações promotoras da Manifestação de 14 de Janeiro, em Lisboa "Paz no Médio Oriente! Palestina Independente!"
Três
meses e uma semana. Cem dias. Duas mil e quatrocentas horas. Cento e
quarenta e quatro mil minutos. Cada manhã é mais dolorosa, cada momento é
mais insuportável, a revolta a crescer a cada instante na exata medida
em que a matança se vulgariza, que, na perversa produção de “notícias”, a
chacina abandona as primeiras páginas e a abertura dos noticiários e os
discursos normalizadores procuram silenciar as vozes dissonantes.
Mais
de 23 mil mortos e 58 mil feridos. Mais de 2 milhões de desalojados. A
violência mais desabrida, cruel e inclemente, numa alucinada exibição de
prepotência que não conhece limites, ameaça lançar o Médio Oriente num
abismo de guerra, destruição e horror. São, claro, os bombardeamentos,
maciços e indiscriminados, os ataques a hospitais e centros de saúde,
aagências das Nações Unidas e organizações humanitárias, a destruição
decasas, bairros inteiros, escolas, mesquitas e igrejas, património
cultural. O uso
de armas proibidas, fósforo branco e
munições de grande efeito destrutivo cujouso em zonas residenciais é
proibido pelas convenções internacionais. O assassinato de médicos e de
outros profissionais de saúde, de funcionários dasNações Unidas, de
jornalistas. A privação de alimentos, de água e demedicamentos, com o
alastramento consequente da fome e das doenças. Tudo isso e o mais que
sabemos, mas que a comunicação social dominante silencia:as execuções
sumárias e os massacres, a pilhagem dos bens nas casas
abandonadas
pelas famílias palestinas, as prisões em massa, as sevícias e as
humilhações, a tortura e os constantes maus tratos dentro dos cárceres
israelitas, a destruição das infraestruturas nos campos de refugiados e
nasvilas e cidades da Margem Ocidental. Israel também semeia o
desemprego e apobreza entre os trabalhadores palestinos. São já quase
400 mil os empregos destruídos desde o intensificar da violência. Número
que aumenta a cada dia
que passa.
Tudo,
tudo isso e mais a verborreia genocida em Israel a apelar à aniquilação
do povo palestino e sua expulsão da sua terra, como está a ser
denunciadoperante o Tribunal Internacional de Justiça de Haia, por
iniciativa meritória da África do Sul, hoje liberta do Apartheid.
Sabemos
que nada disto é novo. Há quem queira apagar a longa história
deocupação, colonização e expulsão dos palestinos promovida pelo
sionismo ecomeçar a contagem do tempo apenas a partir de Outubro. Mas a
agressãotem hoje uma escala e uma dimensão que o povo palestino só
conheceu nos anos da Nakba. E, porém os Estados Unidos da América e os
seus aliados,
nomeadamente na União Europeia,
negam, silenciam, justificam, ou apoiam acarnificina. Todos eles são
responsáveis, contrariando o clamor dos povos domundo, bem expresso nas
votações na Assembleia Geral da ONU. Todos osgovernos que apoiam
materialmente, que financiam, que deram ou venham a
dar
apoio militar e logístico à agressão de Israel ao povo palestino
sãoigualmente cúmplices do que configura ser um crime de genocídio e
devem porisso ser responsabilizados.
As
notícias dos últimos dias, nomeadamente os bombardeamentos dos Estados
Unidos da América e do Reino Unido contra o já tão martirizado Iémen,
confirmam que cada dia que passa torna mais ameaçador o perigo de
umaguerra generalizada no Médio Oriente, com consequências catastróficas
paraos seus povos e repercussões no mundo inteiro. E que ninguém se
iluda: na Palestina há um povo a lutar pela sua sobrevivência, a
suportar uma agressãocom uma brutal violência, com um imenso saldo de
vítimas no banquete de morte com que Biden e Netanyahu e os seus
cúmplices se comprazem.
A
luta do povo palestino é mais do que apenas a luta do povo palestino.
Nosdias que correm, a sua luta encerra a afirmação de que a resistência
contra adominação e as injustiças é um direito inalienável e
imprescritível, constitutivoda própria condição humana, que a ninguém
pode ser negado. Lá em Gaza, em
Hebron ou em
Nablus, é a nossa própria dignidade que está a ser aviltada e onosso
próprio direito a resistir à opressão, a todas as formas de opressão,
que está a ser ameaçado. “A nossa liberdade nunca estará completa sem a
liberdade dos palestinos”, disse Mandela. A solidariedade com a causa
nacionaldo povo palestino, com o seu direito a viver em paz na sua
terra, livre de opressão, de discriminação e colonização, conforme o
direito internacional
estabelece, é um imperativo
de consciência e um acto de determinação. Mas é também um contributo
para a defesa dos valores da Revolução de Abril cujocinquentenário este
ano comemoraremos. Valores consagrados constitucionalmente, como “a
abolição do imperialismo, do colonialismo e dequaisquer outras formas de
agressão, domínio e exploração nas relações entreos povos” ou “o
direito dos povos à autodeterminação e independência e
aodesenvolvimento, bem como o direito à insurreição contra todas as
formas deopressão”.
Não
se esqueça o que disse o poeta palestino Tawfiq Zayad: “nós
ficaremos!”.Continuaremos a exigir um cessar-fogo imediato e permanente e
ofornecimento sem entraves de ajuda humanitária. Continuaremos a levar
abandeira da Palestina a todos os lugares, a informar e a esclarecer, a
denunciaros crimes de Israel, a acusar as mentiras e as cumplicidades, a
exigir umposicionamento da Assembleia da Republica, do Governo e do
Presidente da República consoante os princípios da Constituição
Portuguesa, incluindo o reconhecimento e cumprimento dos direitos
nacionais do povo palestino e a responsabilização de Israel pelo
respeito do direito internacional e do direitointernacional humanitário.
Aqui
estamos, aqui seguimos, braço dado com o povo palestino. Como oescritor
palestino Refaat Alareer nos pediu no último poema que nos
deixou,continuaremos a pronunciar os seus nomes. Não soltaremos a mão de
ninguém.
--/
Leitura: Joana Figueira
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