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15 de dezembro de 2024

 A Síria e os “nossos ativos ocidentais”


É muito interessante ler o desfile de declarações de muitos líderes ocidentais sobre o fim da República Árabe Síria, hoje conquistada e substituída por uma coligação jihadista liderada por Abu Muhammad al-Jawlani, que tem uma longa história de militância no ISIS e na Al Qaeda, e que como primeira medida libertou todos os terroristas do ISIS das prisões sírias.

As declarações dos figurões ocidentais também são interessantes pela uniformidade de estilo e argumentos, todos eles seguindo o mesmo padrão:

Júbilo pelo derrube de Assad, rotulado como “ditador”.
Referência genérica e muito monótona aos riscos associados aos novos líderes devido ao seu passado, quase nunca mencionado explicitamente.
Confiança na boa oportunidade para alcançar bons acordos com os novos líderes.
Alegria beligerante pela derrota estratégica de Putin. (pesquise na Internet declarações de Biden , Scholz , Von Der Leyen , Macron , Metsola , Starmer , Kallas ).
Estes são os mesmos líderes ocidentais que, em certos momentos, fizeram todos os possíveis para nos assustar com o perigo do fundamentalismo terrorista e, hoje, celebram o primeiro triunfo verdadeiramente importante do jihadismo, que se torna um Estado na Síria, e fazem-no em proclamação, como zelosos repetidores das instruções de um esquema predefinido.
Você está surpreendido? Para quem acompanha estes acontecimentos há muitos anos não há surpresas. Em 19 de janeiro de 2016, o jornal The Times of Israel publicou declarações do então ministro da Defesa de Telavive, Moshe Ya'alon , que explicou que o Irão representava uma ameaça maior do que o Estado Islâmico, e que no caso de o regime sírio cair, Israel iria preferir que a Síria ficasse sob o controlo do ISIS em vez do governo iraniano. 

A declaração de Ya'alon soou como uma declaração de guerra ao Irão, uma guerra total em que cada movimento, aberto ou encoberto, era previamente justificado por Telavive. Ya'alon explicou sem floreados o que já sabíamos, mas que milhões de cidadãos ocidentais não sabem porque os jornais não os informam: os hospitais israelitas, no auge da agressão jihadista contra a Síria há dez anos, trataram milicianos jihadistas sírios feridos, e depois enviaram-nos de volta para lutar para enfraquecer ainda mais o Estado sírio.

A intervenção russa na guerra síria conseguiu alterar o equilíbrio, e aqueles que optaram por uma situação diferente queixaram-se com raiva: até as grandes e velhas raposas do imperialismo americano, Zbignew Brzezinski (1928-2017) e John McCain (1936-2018), levantaram as suas vozes alarmadas.

Na verdade, John McCain acusou Moscovo de “destruir os nossos ativos”, isto é, os militantes de grupos terroristas, considerados recursos orgânicos no que diz respeito às estratégias geopolíticas do Império. McCain, em particular, reuniu-se com vários líderes jihadistas em 27 de maio de 2013, depois de cruzar a fronteira entre a Turquia e a Síria, para discutir o envio de armas pesadas e outro tipo de apoio.

É instrutivo reler hoje uma declaração divulgada pelo Wikileaks, datada de dezembro de 2006 e assinada por William Roebuck, então encarregado de negócios da embaixada americana em Damasco, que dizia:

"Pensamos que as fraquezas de Bashar al-Assad residem na forma como ele reage aos problemas iminentes, sejam eles reais ou percebidos, como o conflito entre as reformas económicas, a corrupção, a questão curda e a ameaça ao regime, que representa uma presença crescente de extremistas islâmicos.  A nossa opinião resume a avaliação das vulnerabilidades do regime de Assad e sugere que poderíamos aumentar a probabilidade de potenciais eventos desestabilizadores”. 

Traduzido de forma menos suave: “devemos atiçar o fogo de tudo o que pode queimar Assad, incluindo aqueles assassinos nojentos, que são úteis aos EUA”.

Pouco importa se até há poucos anos o Ocidente declarou a Al Qaeda e os seus líderes, Al Zarqawi e Osama Bin Laden, terroristas e a expressão do mal absoluto. Hoje está claro que o fizeram para pôr em prática as suas técnicas de manipulação, o medo das massas e assim justificar novas guerras e leis de segurança draconianas. 

Quem – tal como eu – apresentou numerosos documentos para demonstrar a estreita relação que sempre existiu entre as organizações terroristas islâmicas e os serviços de inteligência ocidentais e especialmente com as operações sujas dos serviços israelitas, foi acusado de ter “uma mentalidade conspiratória”. Mas hoje as ações dos terroristas jihadistas são um grande motivo de alegria nas redes sociais para toda a elite dos governos ocidentais.

A pimeira lição que emerge dos factos: o que é comummente definido como “terrorismo” é, na maior parte dos casos, uma ferramenta de manipulação de massas, apoiada por entidades estatais e orquestrada com o consentimento dos poucos proprietários de quase todos os meios de comunicação social tradicionais.

Estes meios de comunicação social têm a tarefa de alimentar a histeria e os medos coletivos quando ordenados, destacando algumas vítimas inocentes e ignorando outras. Com esse controlo rígido da narrativa, a operação oposta também é alcançada: transformar os assassinos em rebeldes e em novos estadistas da noite para o dia.

Segunda lição e não menos importante: há uma uniformidade de papagaio nos chefes de governo e nos eurocratas que agora apoiam “o ponto de viragem sírio”, demonstrando que também eles, tal como os quadros da Al Qaeda, não são verdadeiros “líderes”. São simplesmente simples “ativos” de um sofisticado sistema de dominação, são “recursos” inteiramente nas mãos de quem realmente dirige o Império. E, portanto, podem rapidamente alinhar-se com os outros “ativos” das guerras eternas.

(Pino Cabras, Deputado italiano in Observatoriocrisis, 12/12/2024, Trad. da Estátua)

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