A Síria e os “nossos ativos ocidentais”
É
muito interessante ler o desfile de declarações de muitos líderes
ocidentais sobre o fim da República Árabe Síria, hoje conquistada e
substituída por uma coligação jihadista liderada por Abu Muhammad
al-Jawlani, que tem uma longa história de militância no ISIS e na Al
Qaeda, e que como primeira medida libertou todos os terroristas do ISIS
das prisões sírias.
As
declarações dos figurões ocidentais também são interessantes pela
uniformidade de estilo e argumentos, todos eles seguindo o mesmo padrão:
Júbilo pelo derrube de Assad, rotulado como “ditador”.
Referência
genérica e muito monótona aos riscos associados aos novos líderes
devido ao seu passado, quase nunca mencionado explicitamente.
Confiança na boa oportunidade para alcançar bons acordos com os novos líderes.
Alegria
beligerante pela derrota estratégica de Putin. (pesquise na Internet
declarações de Biden , Scholz , Von Der Leyen , Macron , Metsola ,
Starmer , Kallas ).
Estes são os mesmos líderes
ocidentais que, em certos momentos, fizeram todos os possíveis para nos
assustar com o perigo do fundamentalismo terrorista e, hoje, celebram o
primeiro triunfo verdadeiramente importante do jihadismo, que se torna
um Estado na Síria, e fazem-no em proclamação, como zelosos repetidores
das instruções de um esquema predefinido.
Você está
surpreendido? Para quem acompanha estes acontecimentos há muitos anos
não há surpresas. Em 19 de janeiro de 2016, o jornal The Times of Israel
publicou declarações do então ministro da Defesa de Telavive, Moshe
Ya'alon , que explicou que o Irão representava uma ameaça maior do que o
Estado Islâmico, e que no caso de o regime sírio cair, Israel iria
preferir que a Síria ficasse sob o controlo do ISIS em vez do governo
iraniano.
A declaração
de Ya'alon soou como uma declaração de guerra ao Irão, uma guerra total
em que cada movimento, aberto ou encoberto, era previamente justificado
por Telavive. Ya'alon explicou sem floreados o que já sabíamos, mas que
milhões de cidadãos ocidentais não sabem porque os jornais não os
informam: os hospitais israelitas, no auge da agressão jihadista contra a
Síria há dez anos, trataram milicianos jihadistas sírios feridos, e
depois enviaram-nos de volta para lutar para enfraquecer ainda mais o
Estado sírio.
A
intervenção russa na guerra síria conseguiu alterar o equilíbrio, e
aqueles que optaram por uma situação diferente queixaram-se com raiva:
até as grandes e velhas raposas do imperialismo americano, Zbignew
Brzezinski (1928-2017) e John McCain (1936-2018), levantaram as suas
vozes alarmadas.
Na
verdade, John McCain acusou Moscovo de “destruir os nossos ativos”, isto
é, os militantes de grupos terroristas, considerados recursos orgânicos
no que diz respeito às estratégias geopolíticas do Império. McCain, em
particular, reuniu-se com vários líderes jihadistas em 27 de maio de
2013, depois de cruzar a fronteira entre a Turquia e a Síria, para
discutir o envio de armas pesadas e outro tipo de apoio.
É
instrutivo reler hoje uma declaração divulgada pelo Wikileaks, datada
de dezembro de 2006 e assinada por William Roebuck, então encarregado de
negócios da embaixada americana em Damasco, que dizia:
"Pensamos
que as fraquezas de Bashar al-Assad residem na forma como ele reage aos
problemas iminentes, sejam eles reais ou percebidos, como o conflito
entre as reformas económicas, a corrupção, a questão curda e a ameaça ao
regime, que representa uma presença crescente de extremistas
islâmicos. A nossa opinião resume a avaliação das vulnerabilidades do
regime de Assad e sugere que poderíamos aumentar a probabilidade de
potenciais eventos desestabilizadores”.
Traduzido
de forma menos suave: “devemos atiçar o fogo de tudo o que pode queimar
Assad, incluindo aqueles assassinos nojentos, que são úteis aos EUA”.
Pouco
importa se até há poucos anos o Ocidente declarou a Al Qaeda e os seus
líderes, Al Zarqawi e Osama Bin Laden, terroristas e a expressão do mal
absoluto. Hoje está claro que o fizeram para pôr em prática as suas
técnicas de manipulação, o medo das massas e assim justificar novas
guerras e leis de segurança draconianas.
Quem
– tal como eu – apresentou numerosos documentos para demonstrar a
estreita relação que sempre existiu entre as organizações terroristas
islâmicas e os serviços de inteligência ocidentais e especialmente com
as operações sujas dos serviços israelitas, foi acusado de ter “uma
mentalidade conspiratória”. Mas hoje as ações dos terroristas jihadistas
são um grande motivo de alegria nas redes sociais para toda a elite dos
governos ocidentais.
A
pimeira lição que emerge dos factos: o que é comummente definido como
“terrorismo” é, na maior parte dos casos, uma ferramenta de manipulação
de massas, apoiada por entidades estatais e orquestrada com o
consentimento dos poucos proprietários de quase todos os meios de
comunicação social tradicionais.
Estes
meios de comunicação social têm a tarefa de alimentar a histeria e os
medos coletivos quando ordenados, destacando algumas vítimas inocentes e
ignorando outras. Com esse controlo rígido da narrativa, a operação
oposta também é alcançada: transformar os assassinos em rebeldes e em
novos estadistas da noite para o dia.
Segunda
lição e não menos importante: há uma uniformidade de papagaio nos
chefes de governo e nos eurocratas que agora apoiam “o ponto de viragem
sírio”, demonstrando que também eles, tal como os quadros da Al Qaeda,
não são verdadeiros “líderes”. São simplesmente simples “ativos” de um
sofisticado sistema de dominação, são “recursos” inteiramente nas mãos
de quem realmente dirige o Império. E, portanto, podem rapidamente
alinhar-se com os outros “ativos” das guerras eternas.
(Pino Cabras, Deputado italiano in Observatoriocrisis, 12/12/2024, Trad. da Estátua)
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