Sobre o agravamento da situação internacional
Jorge Cadima
A Humanidade está a ser conduzida para uma enorme catástrofe. Banaliza-se a ideia de uma III Guerra Mundial em plena era nuclear. Altos dirigentes das principais potências imperialistas (EUA, Inglaterra, países da UE), o Parlamento europeu e a NATO, defendem publicamente ataques com mísseis contra a Rússia, uma grande potência nuclear, ao mesmo tempo que encobrem os ataques do regime ucraniano a centrais nucleares. O genocídio do povo palestiniano prossegue impiedosamente há mais de um ano, embora cada vez mais arredado da comunicação social de regime, numa tentativa de fazer esquecer a barbárie em curso – barbárie executada por Israel, mas armada, financiada, apadrinhada e protegida pelas grandes potências imperialistas. Os crimes de Israel/EUA assumem cada vez mais abertamente uma natureza monstruosa, de aberto terrorismo contra civis e extermínio de massas na Palestina, e agora também no Líbano e outros países do Médio Oriente. Sobem de tom as provocações dos EUA/UE contra a China, deixando antever a abertura duma nova frente de conflito aberto, desta vez no Extremo Oriente. É real o perigo dum alastramento incontrolado do conflito mundial em curso. Como sempre, o militarismo crescente é acompanhado pelo reforço do autoritarismo, da repressão e censura, da promoção de forças fascistas ou fascizantes, do ataque aos direitos dos trabalhadores e dos povos com um sério aumento dos níveis de exploração. O imperialismo está a afundar o planeta no caos e na guerra.
Por entre as terríveis notícias que diariamente vão chegando, importa não perder de vista o contexto geral e compreender as causas e natureza da crise. Para poder identificar o inimigo principal, as forças de resistência e os potenciais aliados. Para poder dinamizar o movimento dos trabalhadores e dos povos pela Paz e contra os fautores da guerra – movimento que será, em última análise, o factor decisivo para travar o caminho para o desastre.
O declínio das potências imperialistas
O momento que vivemos é o resultado da crise profunda das tradicionais potências imperialistas. Do seu sistema económico, social, político e militar. Os EUA e as velhas potências europeias, cuja prosperidade assentou historicamente na dominação colonial e neo-colonial sobre o resto do planeta, estão num já indisfarçável declínio histórico. A euforia da sua vitória contra-revolucionária no final do Século XX escondeu momentaneamente este processo, mas não o inverteu.
Essa crise está patente no seu declínio económico relativo; na multiplicação das grandes crises financeiras que (sobretudo a partir de 2007-8) puseram a nu a insustentabilidade do sistema; no crescimento exponencial do endividamento (público e privado) das principais potências imperialistas, resultante também dos gastos (públicos) na sua gigantesca máquina de guerra e subversão; na crescente dificuldade em impor a sua hegemonia militar a nível planetário (resistência da Venezuela e Síria, retirada do Afeganistão, incapacidade de ganhar as guerras na Palestina e Ucrânia, ou de travar os ataques no Mar Vermelho, etc.). A crise traduz-se numa acentuada perda de consenso entre os povos dos próprios centros imperialistas (embora esse descontentamento seja muitas vezes canalizado para falsos ‘opositores do sistema’). E reflecte-se numa multiplicação sem precedentes das clivagens e disputas internas entre as classes dirigentes dos centros imperialistas, de que o enfraquecimento do poder central nos EUA e a saga das suas eleições presidenciais são exemplo. É real o perigo de que, neste contexto, surjam acções aventureiristas dos sectores mais fascizantes do poder imperialista, de que Israel e os sectores sionistas nos EUA e UE são exemplo vivo.
Quando em 1991 os EUA se tornaram a ‘superpotência única’, após o desaparecimento da URSS socialista, pareciam destinados a hegemonizar o planeta durante um longo período. Mas é hoje evidente o ‘desafio’ económico que as velhas potências do G7 (EUA, Alemanha, Inglaterra, França, Japão, Itália e Canadá) enfrentam face à ascensão meteórica da República Popular da China, e também da Índia, Indonésia, Brasil e outros países do outrora chamado ‘Terceiro Mundo’, bem como da Rússia. Com todas as suas limitações, os números do PIB (em Paridade de Poder de Compra) reflectem esta realidade. Segundo estimativas do FMI para 2024, aos países do G7 correspondem 29,6% do PIB mundial, enquanto que aos cinco países originais dos BRICS (China, Índia, Rússia, Brasil e África do Sul) correspondem 32,7%, número que sobe para 36,7% juntando os cinco países que entraram no ano passado para essa organização (Irão, Egipto, EAU, Etiópia e Arábia Saudita (1)). Há 30 anos, em 1994, as percentagens correspondentes eram 45% (G7), 17% (futuros BRICS a 5) e 22% (BRICS a 10). Segundo os números do Banco Mundial para PIB PPC em 2023, três das quatro maiores economias pertencem hoje aos BRICS (China em primeiro lugar, Índia em terceiro e Rússia em quarto, tendo este último país ultrapassado o Japão e a Alemanha (2)). A lista de países que já pediu, ou manifesta interesse em aderir ao processo BRCIS, ultrapassa já as três dezenas. Na reunião dos G20 à margem da Assembleia Geral da ONU, o MNE russo informou que o uso do dólar nas transacções entre os países BRICS não chega a 29%, sendo 60% com o uso das respectivas moedas nacionais. Essa percentagem sobe para 90% nas transacções entre os países da Organização de Cooperação de Xangai (que inclui Rússia e China) (3).
Muito heterogéneos e até contraditórios na sua composição, os BRICS têm a particularidade de ter surgido fora das estruturas de dominação imperialista mundial. Assentes no eixo China-Rússia, afirmam defender os seus interesses nacionais, pugnando por regras de ‘multipolaridade’, alternativas à ditadura planetária dos EUA e seus vassalos. O férreo controlo que os EUA exercem sobre o sistema financeiro internacional e suas estruturas desde a II Guerra Mundial e o papel do dólar como moeda de reserva hegemónica, foram sempre usados como arma de dominação pelos EUA sobre o resto do planeta. Mas as sucessivas crises que a partir dos anos 80 eclodiram nos países sujeitos a ‘intervenções’ financeiras (Brasil, tigres asiáticos, Rússia, etc.) e a cada vez mais descarada utilização dessas ferramentas hegemonizadas pelos EUA como arma de guerra (sanções generalizadas: confisco dos bens nacionais de países que se recusam submeter – Venezuela, Irão, Rússia, e a imposição de ‘regras transnacionais’, arrogando o direito do governo e tribunais dos EUA darem ordens a todo o planeta), empurraram países com acentuadas diferenças – nos seus sistemas sociais, económicos e políticos, na natureza de classe dos seus sistemas de poder, na sua história e cultura – a procurar formas alternativas de cooperação. O futuro dirá se, e em que termos, essa cooperação irá marchar adiante (4): se irá predominar uma vontade de autonomia ou se as hesitações, contradições, ameaças e pressões (ou mesmo subversões) imperialistas irão entravar o processo.
A passagem do ‘momento unipolar’ ao caos mundial
É natural a pergunta: como foi possível o imperialismo, e em particular a sua principal cabeça, os EUA, terem passado do seu momento de quase hegemonia planetária, nos anos 1990, para este declínio?
A partir dos anos 1980, e desenvolvendo processos que vinham de trás, as economias dos EUA e Inglaterra foram sendo desindustrializadas e transformadas em economias assentes na especulação financeira e no rentismo. Este processo correspondia à tentativa de contrariar os efeitos da lei (descoberta por Marx) da baixa tendencial da taxa de lucro. Procuravam-se os lucros que escasseavam nas actividades produtivas – a bem designada ‘economia real’ – através de fantásticas operações financeiras cada mais especulativas (como os ‘futuros’ e ‘derivados’). Este processo era acompanhado pela deslocalização da produção efectiva para paragens distantes (a globalização imperialista) por empresas multinacionais que assim beneficiavam de níveis salariais mais baixos e canalizavam os seus mega-lucros para o sistema financeiro controlado pelo imperialismo (bolsas e instituições financeiras, em grande parte dos EUA e Inglaterra). Como vantagem política adicional, os centros imperialistas podiam assim destruir os grandes centros industriais dos seus países (como ocorreu a partir da década de 1980, também em Portugal), colocando a classe operária e as suas organizações na defensiva. Parecia a galinha dos ovos de ouro.
Mas a viabilidade deste sistema de dominação imperialista exige o controlo total do sistema financeiro mundial. E o castigo de quem se recuse submeter. O que por sua vez exige o uso da força militar para destruir qualquer tentativa de afirmação soberana de outros países. O contexto que surgiu no final do Século XX, com o desaparecimento da URSS e as vitórias contra-revolucionárias no Leste da Europa, ajudou o imperialismo a impor a sua hegemonia planetária. Por um lado, desapareceu a alternativa que a URSS e o sistema socialista representavam no plano económico e financeiro. Quase todos os países ficaram sob o cutelo do FMI e outras instituições ao serviço da ditadura planetária dos EUA. Por outro lado, o ‘momento unipolar’ dos EUA permitiu-lhe lançar uma brutal sucessão de guerras de agressão que tentaram destruir qualquer réstia de soberania: Jugoslávia, Iraque, Afeganistão, Líbia, Síria e outros países sentiram na pele como funcionam as ‘leis do mercado livre’. Tornaram-se evidentes o recurso em massa à mentira e provocação, o uso sem princípios de autênticos exércitos de terror, como o ISIS (Estado Islâmico). Quase todos os países que queriam preservar algum elemento de soberania foram vítimas dos mecanismos de ‘guerra híbrida’, das subversões e ‘revoluções coloridas’ do imperialismo. O processo de expansão sem cessar da NATO, que incluiu os golpes e guerras na Jugoslávia, Geórgia, Ucrânia e outros países ex-socialistas ou mesmo ex-soviéticos, bem como as tentativas de subversão da China (como Tien An Men e Hong Kong) mostraram que nenhum país, nem mesmo os maiores e mais populosos, estava fora da mira do imperialismo. Foi o reviver, num novo contexto, do processo de expansão mundial do imperialismo de cem anos antes.
Mas a contradição está, dialecticamente, em todos os fenómenos vivos, e a galinha imperialista não punha apenas ovos de ouro.
Inglaterra e EUA, cujo poderio mundial havia assentado num desenvolvimento industrial sem paralelo no seu tempo, foram-se tornando economias cada vez mais fictícias, onde o valor efectivo foi sendo substituído pelo papel (e bits) sem valor subjacente real. A desindustrialização e a fuga aos impostos do grande capital alimentam o endividamento público e privado (a dívida é a ‘matéria prima’ de que vive o sistema bancário e financeiro). Os custos da máquina de guerra e subversão imperialista alimentam ainda mais o endividamento público. E o conflito na Ucrânia mostra que a desindustrialização dos centros imperialistas tem também resultados inesperados, nomeadamente a incapacidade de produzir armamento nas quantidades exigidas para uma guerra ‘convencional’ em grande escala.
A insustentabilidade do novo ‘modelo económico’ anglo-saxónico tornou-se uma evidência com a eclosão da crise de 2007-8. Os métodos ‘não convencionais’ para tentar suster a crise criaram quantidades ilimitadas de dinheiro que foi entregue à grande finança, ao mesmo tempo que biliões de lixo financeiro (na altura falou-se em ‘produtos tóxicos’) foram transferidos para os bancos centrais, com os Estados como garantes. Uma gigantesca fraude, que premiou os infractores e castigou os contribuintes, acelerando os processos de centralização e concentração da riqueza. Mas, se esses métodos ‘não ortodoxos’ evitaram para já a implosão total do sistema, também aumentaram os volumes de dívida, que hoje cresce exponencialmente sendo, pois, insustentável. A dívida pública dos EUA ronda os 35 biliões (5) de dólares (quando o seu PIB anual, estimado pelo FMI, são 28 biliões). Só os juros de dívida pagos no último trimestre de 2023 totalizam uns estonteantes 1 bilião de dólares (6), mais do que o gigantesco orçamento militar anual oficial do país (7). Também no Reino Unido a dívida nacional já ultrapassou 100% do PIB (8). No Japão a dívida pública excede mesmo os 200% do PIB. Esta situação é insustentável, sobretudo porque o crescimento exponencial da dívida acontece num momento de enfraquecimento generalizado dos mecanismos de dominação mundial imperialistas (nomeadamente o papel do dólar como moeda de reserva). Há dificuldades crescentes em encontrar quem compre a dívida pública do EUA. Também por essa razão surgiu a política de taxas de juro elevadas que, no entanto, deprime ainda mais a actividade económica e acaba por aumentar a própria dívida. A galinha está a deixar de pôr ovos e apenas põe notas promissórias.
Em simultâneo, a deslocalização da produção dos centros imperialistas contribuiu para o crescimento de outros países, nomeadamente da China, que manteve sempre o controlo soberano e estatal sobre o seu sistema financeiro e considerou sempre que os baixos salários que atraíram os colossais investimentos externos eram uma fase transitória, no âmbito dum processo de desenvolvimento que foi mantido sob controlo público. A China é hoje, não apenas a fábrica do planeta, mas está presente em muitas indústrias de ponta e de alta tecnologia (informática, telecomunicações, veículos eléctricos, comboios de alta velocidade, programa espacial, etc.). O crescimento espectacular da China assenta nas conquistas da sua grande Revolução de há 75 anos (lançamento das bases industriais, alfabetização e elevação do nível cultural do povo, etc.), mas foi realizado no fundamental com as regras internacionais estabelecidas pelo imperialismo. Os êxitos da RP da China levaram o imperialismo a deitar fora todos os chavões da sua propaganda (‘mercados livres’, abertura de fronteiras, globalização) e a voltar-se para mecanismos de proteccionismo cada vez mais declarados (tarifas alfandegárias, subsídios nacionais, sanções). Como em tantas outras frentes, revela-se a hipocrisia. As ‘regras’ mudam a meio do jogo, sempre ao sabor dos interesses imperialistas.
Este processo de desindustrialização está agora a avançar na UE, nomeadamente na Alemanha. A sabotagem pelos EUA do gasoduto NordStream, que destruiu o abastecimento de energia barata russa que era vital para a indústria alemã, e as suicidas sanções económicas à Rússia – que a Comissão Europeia parece determinada em estender agora à China – estão a destruir a ritmo cada vez mais rápido a economia alemã, ao mesmo tempo que a economia russa revela uma inesperada resistência e maior crescimento do que a UE. O recente anúncio pela Volkswagen de que pondera fechar, pela primeira vez na sua história, fábricas na Alemanha, é um exemplo entre outros. Uma já longa série de falências ameaça emperrar a famosa ‘locomotiva da UE’ (9). O Relatório de Mário Draghi em Setembro reflecte a consciência do problema, embora a receita seja mais do mesmo.
A militarização acelerada da UE é um perigoso sinal para os povos. A ‘economia de guerra’ promovida pela Comissão Europeia, reproduzindo na UE mais uma faceta do ‘modelo americano’, é a prova de que os vassalos da UE não aprenderam as lições daquilo que conduziu à profunda crise do seu farol norte-americano.
Mas a culpa não é de Putin?
Há quem nos queira convencer que, se o mundo está à beira da guerra, ‘é culpa de Putin’. São os que tentam começar a contar a história a partir de 24 de Fevereiro de 2022. São os mesmos que tentam contar a história da Palestina a partir de 7 de Outubro de 2023. Num caso e noutro apagam décadas de história. Apagam os seus próprios crimes e as suas próprias guerras. Mentem e apagam a sua longa história de promessas nunca cumpridas, de acordos sempre rasgados.
Nas três décadas que antecederam a intervenção militar russa na Ucrânia, todas as guerras foram iniciadas pelos EUA, pela NATO e pelas potências da UE. A tentativa de imposição pela força da ditadura planetária dos EUA que está por detrás da destruição do Médio Oriente e do caos galopante no planeta, esteve também presente na infindável expansão da NATO para Leste, na sucessão de golpes e subversões nos países que rodeiam a Rússia, visando transformá-los de amigos e parceiros em inimigos abertos daquele país. A destruição da Jugoslávia, que teve o seu ponto alto nos 78 dias de bombardeamentos da NATO em 1999, é o plano de marcha do imperialismo para a Rússia.
A Rússia de Putin é um país capitalista. Isso é também visível na sua política económica; nas suas críticas (que se acentuam) ao papel de Lénine e dos bolcheviques na história da Rússia (embora traga vantagem de gigantesca obra de construção económica, social, política e militar da URSS); na sua desconfiança na intervenção dos povos (não apenas na Ucrânia, como no próprio Donbass). Mas o grande ‘crime’ que as potências imperialistas não perdoam a Putin é ter resistido à subjugação e desmantelamento do seu país. Não lhes ter permitido completar a obra de pilhagem e de abocanhamento dos seus gigantescos recursos naturais. Como o próprio Putin confessa, eram muitas as suas ilusões (e de todos aquele que colaboraram na destruição da União Soviética) sobre o ‘mundo ocidental’. Mas, interrompendo o caminho entreguista de Iéltsine, Putin encetou um processo de consolidação que reergueu uma Rússia que estava à beira do colapso nos anos 1990, e afirmou-a como país soberano e viável. A Rússia de Putin esforçou-se por ser aceite como ‘parceiro’ das potências imperialistas. Chegou mesmo a oferecer-se para entrar na NATO. Mas os planos do imperialismo eram os mesmos que aplicaram à Jugoslávia. O cerco à Rússia, o alargamento incessante da NATO, o rasgar dos tratados de desarmamento, o golpe de Estado dos nazi-fascistas ucranianos em 2014 e o incumprimento ‘ocidental’ dos Acordos de Minsk de 2014-15 (prevendo a manutenção do Donbass na Ucrânia, com estatuto da autonomia), foram peças do caminho que levou a Rússia a considerar que tinha de combater para sobreviver.
Já há um quarto de século o General Loureiro dos Santos revelava que os EUA preparavam uma guerra mundial para preservar a sua hegemonia planetária (10). A verdade histórica é que, se a resposta russa à ofensiva do imperialismo que de há muito procura a sua destruição pode ser objecto de crítica nas formas e nos meios, o problema de fundo é outro. Como a Palestina tornou abundantemente claro. Quem promove e defende o genocídio do povo palestiniano são os mesmos que promovem a eternização da guerra na Ucrânia, o alargamento do conflito, o combate até ao último ucraniano para defender os interesses da hegemonia planetária do imperialismo. Num caso e noutro, os EUA e seus vassalos da NATO não têm por norte os interesses dos povos ou a soberania e integridade territorial das nações.
O principal perigo de guerra, a principal ameaça para os povos e a Humanidade, reside, hoje como no passado, no imperialismo. E na sua tentativa actual de impor a ditadura planetária dos EUA. Na crise que conduziu à II Guerra Mundial, os principais perigos de guerra vinham das potências ascendentes, que procuravam modificar pela guerra a correlação do forças mundial. Hoje, são as potências em declínio – os EUA e seus vassalos da UE, da NATO e Israel – que constituem o principal perigo de guerra planetária. Recusam aceitar o seu declínio. Recusam perder a sua hegemonia. Recusam novas regras de relacionamento internacional que não assentem na dominação. As classes dominantes que se consideram seres superiores e detentoras do ‘direito divino’ à exploração, à colonização, à escravatura e ao extermínio como forma de manter a sua riqueza e o seu poder estão dispostas a todos os crimes para manter a sua dominação de classe – convencidos da sua impunidade. Como mostra o martírio dos povos palestiniano e libanês às mãos do criminoso poder sionista/norte-americano.
O papel dos povos
Neste quadro muito perigoso e complexo, um elemento crucial continua muito aquém do necessário: a intervenção dos povos.
Ainda não foram ultrapassadas as consequências profundamente nefastas das vitórias contra-revolucionárias e da alteração da correlação de forças mundial do final do Século XX, incluindo o enfraquecimento do movimento comunista e operário. Que foram as forças que, no percurso histórico da Humanidade, souberam criar e fazer avançar a grande alternativa histórica ao capitalismo, a partir da grande Revolução Socialista de Outubro de há 107 anos, tendo estado no centro da derrota das expressões mais bárbaras e genocidas do capitalismo, como o nazi-fascismo.
O anti-comunismo, mesmo quando vestido com roupagens ‘de esquerda’ ou ‘modernas’ é um entrave ao necessário desenvolvimento do movimento de resistência e luta anti-imperialista. O anti-comunismo serve como biombo para ataques às vítimas do imperialismo, e para as isolar na sua resistência, sendo assim um factor objectivo de ajuda ao imperialismo.
Há ainda um caminho a percorrer na identificação pelas grandes massas do inimigo comum de todos os povos: o imperialismo, com o imperialismo dos EUA em primeiro lugar.
Mas as componentes populares da resistência anti-imperialista, nomeadamente a heróica resistência do martirizado povo palestiniano e dos povos do Médio Oriente em geral, são duma grande importância. E têm contribuído para gerar um enorme movimento mundial de solidariedade que é um factor de peso no quadro mundial e aponta o caminho a prosseguir e intensificar.
O trabalho para reerguer um grande movimento anti-imperialista mundial é tarefa mais do que urgente: é vital para a Humanidade poder travar e derrotar os enormes perigos com que está confrontada.
Notas
(1) A Arábia Saudita não terá ainda formalizado a sua adesão, embora esteja a participar nos encontros.
(2) Nas estimativas do FMI a economia russa está ainda em sexto lugar, pouco atrás do Japão e da Alemanha.
(3) Texto da intervenção de Lavrov em https://karlof1.substack.com/p/lavrov-g-20-on-unga-sidelines
(4) Este artigo foi escrito antes da Cimeira dos BRICS em Kazan, na Rússia.
(5) ‘Triliões’ na designação da finança norte-americana.
(6) Forbes, 30.5.24. Este valor do serviço de dívida dos EUA é mais do triplo do PIB nominal de Portugal.
(7) Os verdadeiros montantes da máquina de dominação dos EUA não são conhecidos. Uma importantíssima ‘economia paralela’, ligada a tráficos de todo o tipo, financia as actividades da CIA e outros servições secretos.
(8) kynews, 20.9.24.
(9) Politico.eu, 13.7.23 e 19.9.24.
(10) Diário de Notícias, 13.3.00.
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