Depois da condenação da opinião publica Moedas . igreja e o dito Estado Laico querem reduzir custos.
Com dignidade dizem alguns em tom de justificação . Com dignidade sim. Mas não se pode receber com dignidade . sem ostentação e mais modestamente ? Receber o Papa no espírito das encíclicas que a igreja portuguesa objectivamente silenciou . Publicamos aqui uma apreciação feita por Fernando Sequeira aquando da sua publicação
Carta Encíclica Fratelli Tutti
Capítulo I – Introdução
A Carta Encíclica Fratelli Tutti (Todos Irmãos), de ora em diante designada por
Encíclica, elaborada sob a responsabilidade do Papa Francisco, viu a luz do dia a 3 de
Outubro de 2020 em Assis, terra Natal de S. Francisco de Assis, na véspera da
designada Memória Litúrgica deste Santo.
Muito à semelhança da via prosseguida e da estrutura da sua anterior Encíclica, a
Laudato Si (Sobre o cuidado da casa comum), dada à luz em 2015, e tratando
aparentemente de questões ambientais, o Papa Francisco, nesta sua nova Encíclica,
tendo escolhido um foco claramente cristão, mas não só, a saber, o da Fraternidade
entre os Homens, tal foco, naturalmente que não em contradição, constitui uma
espécie de pretexto para apresentar, novamente, pois que já o tinha feito na anterior
Encíclica, embora naturalmente noutros moldes, um diagnóstico demolidor do modo
de produção capitalista nas condições da atualidade.
Contudo, não se ficou pela apresentação de um diagnóstico, tendo mesmo passado à
apresentação de soluções e medidas para superar ou atenuar os gravíssimos
problemas identificados, muitas delas, obviamente, soluções claramente anti-
capitalistas.
De referir também e desde já, que a presenta Encíclica reúne e desenvolve os grandes
temas constantes de um documento comum, assinado em 4 de Fevereiro de 2019, em
Abu Dhabi, pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã Ahmad Al-Tayyb, documento sobre
a Fraternidade humana em prol da Paz mundial e da convivência comum.
Tal como na anterior Encíclica, trata-se de um documento profunda e
inequivocamente político, que só a utilização de uma linguagem diferente do que é
habitual em documentos com origem em pensadores de matriz marxista ou próximos,
para tratar de tal tema, poderá passar despercebida a observadores menos atentos e
preparados, para saber distinguir entre o essencial e o acessório.
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Assim, no que respeita às questões essenciais, esta Encíclica, não apresenta o mínimo
desvio ou hesitação em identificar e caracterizar, sem equívocos, os fenómenos de
exploração desenfreada nas suas diversas vertentes, e dos instrumentos,
designadamente os do domínio comportamental-ideológico, para prosseguir tal
exploração, indo ainda até questões limite, como a da guerra e do recurso às armas
nucleares.
E também identifica os responsáveis pelo próprio nome, tais como o brutal poder
económico das multinacionais (que designa por “o grande poder económico”), e
instrumentos como a manipulação e a instrumentalização dos povos, ou a promoção
desenfreada do individualismo e do egoísmo.
Só não usa é o termo capitalismo uma única vez que seja, talvez por estratégia, tal
como já tinha acontecido na Encíclica anterior.
Sendo produto intelectual de um Papa, naturalmente que a Encíclica apresenta
diversas, mas, contudo, não abundantes, em termos relativos, referências
exclusivamente religiosas, questões, digamos, do domínio do Catecismo.
Trata-se do indispensável, quase que o acessório, uma espécie de véu para cobrir a
essência do documento, que, como afirmámos atrás, é uma devastadora crítica do
modo de produção capitalista nas condições da atualidade.
Trata-se de um documento que, muito mais do que questões divinas e metafísicas,
incide sobre questões bem terrenas, ou seja, as condições de vida, as questões do
quotidiano dos povos, muitas delas dramáticas, nas circunstâncias históricas do século
XXI.
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Capítulo II – Questões metodológicas
Por razões metodológicas, o presente documento de apreciação, seguirá uma
estrutura, naturalmente que arbitrária e artificial, mas absolutamente necessária para
sistematização daqueles temas que entendemos como dominantes, ou críticos, ou
estratégicos, independentemente das suas naturais ligações orgânicas, dependências e
hierarquias.
Assim sendo, tal como afirmámos no título, tratam-se de notas de uma leitura e não de
notas da leitura da Encíclica.
Os temas que selecionámos como dominantes, ou que, no nosso entendimento,
merecem uma abordagem autónoma, e que vão sendo apresentados ao longo da
Encíclica, de forma dispersa ou mesmo muito dispersa, são os seguintes, a saber:
Grupo I – Temas selecionados que integram o Diagnóstico
- As políticas, mundial e nacionais, subordinadas ao poder económico das
multinacionais
- Sobre a manipulação e instrumentalização dos povos pelo grande poder económico
- A construção da linha ideológica de perda de sentido da História
- A promoção do individualismo e do egoísmo enquanto instrumentos políticos do
processo de dominação
- Sobre a exploração dos seres humanos, designadamente enquanto trabalhadores
- Acerca da imposição de um modelo cultural único
- Sobre a problemática da Guerra e da Paz
- Sobre a questões das migrações nas condições da atualidade
- Sobre as profundas contradições entre o desenvolvimento da C&T e a distribuição da
riqueza
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Grupo II – Temas pertencendo à categoria de propostas
- Sobre a necessidade da luta dos povos contra as causas estruturais da exploração,
por uma política nova
- Das pequenas às grandes lutas, todas são importantes
- Sobre as dimensões local e global das lutas e a sua complementaridade
- Sobre a questão da propriedade privada
- A questão central do Trabalho nas sociedades atuais
- Sobre o papel do Estado (dos Estados), no processo de procura de uma nova política
- Sobre o papel da política e dos políticos
- C &T e desenvolvimento
É também de realçar, que outras questões, no nosso entendimento menores, ou não
essenciais, são abordadas, e por vezes até razoavelmente desenvolvidas na Encíclica,
mas que não abordaremos nesta nossa apreciação.
A razão que nos conduziu, foi de facto a da essencialidade dos temas em análise,
naturalmente que de acordo com o nosso entendimento, com vista a apreciação não
perder força.
No capítulo IV, iremos desenvolver, por vezes de forma algo desequilibrada, o
conteúdo de cada um destes grandes temas.
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Capítulo III – A Encíclica Fratelli Tuttti e as posições históricas
do PCP
Julgamos ser desde já de destacar, que, embora partindo de posicionamentos
diferentes ou mesmo muito diferentes, uma observação muito razoavelmente isenta e
descomprometida, partindo de um quadro sociológico de crenças e valores
historicamente associados ao Cristianismo e à Igreja Católica (do grego, universal),
múltiplos aspetos e abordagens das até agora duas Encíclicas do Papa Francisco,
chegam, muitas das vezes, e em muitos e diversificados domínios, apreciações e
propostas a identificarem-se com muitas das posições históricas do PCP.
É o que tentaremos observar ao longo das páginas seguintes.
E isto é tanto mais de realçar, porquanto se trata muitas das vezes de domínios
ideologicamente muito críticos, muito no fio da navalha, domínios mesmo de rutura,
como a questão dos limites sociais e económicos da propriedade privada, do direito à
revolta, à insubmissão e à luta contra a exploração, da manipulação e
instrumentalização dos trabalhadores e dos povos, ou mesmo sobre o insubstituível
papel do Estado.
E mais ainda, algumas das formulações, se dissecadas na sua essência, conduzem-nos a
perspetivas que andarão não muito longe, da nossa perspetiva de uma sociedade
socialista.
De facto Francisco fala-nos da necessidade de um Mundo Novo, quando afirma que
“…O debate é completamente manipulado pela prepotência dos mais fortes, que estão
contra um mundo novo…”.
Aquilo em que há uma diferença muito significativa, é no léxico utilizado por parte de
Francisco, diferente, mais comedido, mais redondo, mas que, se bem lido e apreciado,
conduz exatamente aos mesmos conceitos e fenómenos, sociais, económicos e
políticos.
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De alguma maneira, esta abordagem lexical e sintática, é, em termos comunicacionais,
muito mais útil, pois que não cria, por si só, anti-corpos a uma linguagem mais de
esquerda, com evidentes categorias de esquerda, mesmo de matriz marxista, anti-
corpos inoculados durante, pelo menos, 104 anos de anti-comunismo.
A este propósito, uma questão de enorme importância política e ideológica, seria a
divulgação muito ampla desta Encíclica (e também da anterior), tendo em atenção,
simultaneamente, a sua origem (o Papa), o seu real conteúdo. e traços sociológicos
dominantes do grosso dos potenciais recetores, que, de forma mais profunda ou mais
ténue, sofreram e sofrem influências históricas do Catolicismo, e constituem uma
parte muito significativa da população.
E tal divulgação deveria ser suportada numa forma condensada e apelativa.
Capítulo IV – Sobre as grandes questões desenvolvidas na
Encíclica
IV.1 – Na perspetiva do diagnóstico de situação
a) Acerca das políticas, mundial e nacionais, subordinadas ao poder económico
das multinacionais
De alguma maneira, poderemos afirmar que esta é a questão das questões,
indiscutivelmente a questão central das conclusões explícitas ou implícitas constantes
do diagnóstico da situação política, social, económica, financeira, cultural e ambiental
mundial, nas condições concretas da contemporaneidade (embora assumindo aspetos
objetivos e subjetivos), da qual todas as outras decorrem (mesmo aquelas que atrás
inventaríamos e que seguidamente desenvolveremos), seja enquanto instrumentos
para prosseguir tal orientação de domínio mundial, seja enquanto efeitos de tal
política.
É muito firme e muito clara a posição do Papa Francisco a este propósito, ao afirmar
que, para prosseguimento e aprofundamento de um “…modelo económico fundado no
lucro…” de que resultam “inúmeras e profundas injustiças que negam completamente
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os direitos humanos…”, o grande capital multinacional, trabalha para que a esfera mais
nobre e importante da política, esteja subordinada ao seu poder económico, ou seja,
“…a política, subordinada ao poder económico das transnacionais…”.
Ou ainda, na mesma linha de denúncia, que “…A única liberdade é a dos poderes
económicos para investir sem entraves em todos os países…”.
E sendo isto verdade no plano dos Estados que vivem sob o modo de produção
capitalista, é-o cada vez mais, de acordo com a Encíclica, num plano mais abrangente e
perigoso, isto é, no plano mundial.
Nesta perspetiva, é afirmado na Encíclica que “…a eficiência económica dos sistemas
económicos, políticos e ideológicos comandados pelas grandes empresas…”, assenta
na “…exploração dos seres humanos e dos trabalhadores…” e é claramente “…contra
os mais fracos e dependentes…”.
E isto no que concerne à exploração dos seres humanos, mas, noutro domínio, existe a
exploração, num só sentido, e num só interesse, dos recursos naturais.
E a propósito, a Encíclica afirma, por outro lado, que as grandes multinacionais, de
forma crescente, “…apropriam-se dos recursos naturais de outros países (que não o do
país de origem da multinacional), por vezes de países inteiros…”.
Também no mesmo domínio destaca “…as pressões exercidas pelas dívidas externas,
que estrangulam o desenvolvimento dos países mais pobres…”.
Também se afirma na Encíclica “…que o mercado não resolve tudo (bem ao contrário),
embora o dogma (é muito interessante o uso desta palavra pelo Papa) da fé neoliberal
nos queira fazer crer o contrário…”.
O Papa, dando um exemplo muito concreto e muito atual, o “…das circunstâncias
concretas em que se desenvolveu a pandemia do COVID-19, provou inequivocamente
que o mercado não resolve os verdadeiros problemas das sociedades…”.
Por outro lado, também afirma que “…Neste século XXI, os Estados nacionais, vêm
perdendo cada vez mais poder, face à dimensão económico-financeira das
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multinacionais e ao seu poder económico e político, pelo que, perante isto, torna-se
urgente e necessário
- uma nova arquitetura económica e financeira;
- um reforço e uma reforma da ONU, com vista à promoção e ao fortalecimento do
direito internacional;
- reforçar a força do Direito, em vez do direito da Força;
- estabelecer acordos multilaterais entre os Estados, acordos para proteger os mais
fracos, em vez de acordos bilaterais…” que claramente os desprotegem.
Também é afirmado na Encíclica que “…a política não deve submeter-se à economia
(assim como determina a Constituição da República Portuguesa) e aos seus
paradigmas eficientistas…”, base de todos os processos de exploração.
Não são todos, mas são alguns dos importantes exemplos da intervenção do grande
capital transnacional, na sua perspetiva de conquista e exploração mundial, elencados
nesta Encíclica.
b) A manipulação e a instrumentalização dos povos pelo grande poder
económico
Ao evidenciar a importância dos processos profundos, crescentes e cada vez mais
diversificados e sofisticados de manipulação dos povos pelo imperialismo, o Papa
Francisco está a pôr a nú, talvez o principal instrumento para obtenção do poder
absoluto e geral por parte do grande capital transnacional sobre os Estados e os povos,
nas condições do capitalismo neoliberal globalizado do século XXI.
Para prosseguir e aprofundar tal processo planetário de manipulação, o grande capital
utiliza em seu proveito as brutais potencialidades contidas e decorrentes dos
progressos da C&T, designadamente no domínio das centrais de produção e difusão
ideológica e dos modernos meios de comunicação de massas.
A Encíclica analisa e inventaria tais usos. Vejamos pois.
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Assim, destaca que “…a comunicação e os meios de comunicação, designadamente as
redes sociais e o seu total controlo pelos grandes interesses económicos, seja na
perspetiva económico-financeira, seja sobretudo na perspetiva da instrumentalização
das massas…”, portanto dos trabalhadores e dos povos.
Também refere a sistemática “… instrumentalização de palavras e conceitos, tais como
liberdade, democracia e fraternidade…”, ou “…a utilização completamente abusiva e
permanente do conceito de direitos humanos…” […..] “…que não são iguais para
todos…”.
Nesta mesma linha, também é afirmado na Encíclica que “…a consciência do que
realmente se passa, em cada país e no Mundo, poderá ser bem pouca por parte dos
Povos, face à propaganda política criada e orientada pelos meios e os criadores de
opinião pública, que tudo fazem para fomentar uma cultura individualista, face aos
desenfreados interesses económicos dos poderosos…”.
No quadro desta muito bem focada crítica, o Papa Francisco também alerta para o
facto de “…as redes sociais apresentarem um caráter perverso e manipulatório, pois
que os pseudo-debates realizados no seu seio, são manipulados pelos interesses
daqueles que detêm o poder e conseguem inclinar a opinião pública a seu favor…”, e
afirma ainda que “…os meios de comunicação digital expõem ao risco de dependência,
independência e perda progressiva de contacto com a realidade…”, e ainda que “…as
relações digitais impedem o cultivo da amizade e retiram tudo aquilo que faz parte da
comunicação humana…”.
E porque está perfeitamente implícito, nem é preciso citar os nomes de Google, Face
Book e quejandos.
Por outro lado, também afirma que “…a “internet”, que encerra em si mesma,
enormes potencialidades, também potencia enormes contradições e está a ser
utilizada não só para manipular, mas também para explorar as nossas fraquezas e
potenciar o pior de nós…”.
No quadro dos processos manipulatórios, a Encíclica coloca-nos a questão da verdade
nestes termos, “…temos que desmascarar as várias modalidades de manipulação,
deformação e ocultação da verdade, nas esferas pública e privada; caso contrário, os
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direitos fundamentais acabam negados pelos poderosos, que impõem as “… verdades
que lhes interessam…”.
E insiste no facto de “…Os grandes interesses económicos, interesses gigantescos, que
operam no mundo digital, usam-no para operar formas de controlo subtil, criando
mecanismos de manipulação das consciências e do processo democrático…”.
De facto, é muito difícil ser-se mais claro e certeiro.
E é espantoso que, quando milhões e milhões de pessoas no Mundo, exatamente
porque completamente manipuladas, não percebem estas situações, isto é, passe a
redundância, a verdadeira verdade, situações que estão na base da mais completa
negação das liberdades individuais, sobretudo em termos dos processos decisórios
livres e autónomos, seja preciso um chefe da Igreja Católica, para dizer que o rei vai
nu, afirmando de forma clara e crua.
E, no pressuposto da aplicação da regra de ouro dos processos manipulatórios, que é,
como bem sabemos, a de quem está a ser manipulado não poder saber que o está a
ser, e continuar portanto a julgar que pensa exclusivamente pela sua própria cabeça,
podendo até vir a suceder que muitas das pessoas manipuladas possam vir a rejeitar o
próprio diagnóstico de Francisco.
c) Sobre a perda do sentido da história
Ao também fazer incidir a sua atenção sobre a questão História da Humanidade, e ao
realçar a enorme importância do seu conhecimento, pretérito, nomeadamente em
termos das dinâmicas e leis que lhe subjazem, para o entendimento do Presente e do
Futuro, a Encíclica faz uma abordagem absolutamente progressista, particularmente
quando acuso os teóricos e os propagandistas do neoliberalismo de “…perda do
sentido da História: Não há passado, só futuro …”, ou seja, de que as suas análises não
têm em consideração o devir histórico e que portanto são análises inconsistentes e
falsas.
É pois mesmo muito importante a afirmação de Francisco, de que, “…contrariamente
às teses da teoria económica imperante…” [……..] “…não há fim da História…”.
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Não é engano, ele escreveu mesmo isto.
Em completa linha com esta visão, e, relativamente à memória histórica, a Encíclica
afirma “…que os crimes contra a Humanidade podem ser perdoados, mas nunca
devem ser esquecidos; por exemplo, os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki
não podem nem devem ser esquecidos…”, assim como, “…também não devemos
esquecer outros factos históricos que nos envergonham, como as perseguições, o
comércio de escravos, os massacres étnicos, etc….”.
E continua afirmando que, “perante os crimes há que fazer justiça, mas não vingança,
mas também não impunidade…”
Reforçando o que atrás vimos observando, devemos sobretudo valorizar a destruição,
completamente demolidora sob o ponto de vista ideológico, por parte da Encíclica, de
que, “…contrariamente às teses da teoria económica imperante…”, isto é, as teses
neoliberais do império, “…não há fim da História…”.
Mais não fora, a Carta Encíclica Fratelli Tutti já valeria somente por esta afirmação.
d) Sobre a exploração dos seres humanos, nomeadamente enquanto
trabalhadores
A abordagem da questão da exploração das pessoas nas suas múltiplas vertentes e
circunstâncias, designadamente enquanto trabalhadores, e da sua veemente denúncia,
constitui uma constante ao longo de toda a Encíclica, independentemente dos
capítulos e dos temas mais especializados em apreço.
De uma outra maneira, a defesa constante e quase obsessiva do respeito pela pessoa
humana, em contraposição aos fenómenos de exploração, nomeadamente quando
destaca que “…cada sociedade necessita de garantir geracionalmente a transmissão de
valores de respeito pela pessoa humana, nas suas diversas vertentes, pois, caso
contrário, o que imperará é o egoísmo, a violência, a corrupção e a indiferença…”.
No que respeita mais diretamente à pobreza, Francisco evidencia um aspeto de
enorme importância política e social, que é o facto de “…Os atuais graus de pobreza
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não podem ser avaliados com os critérios do passado, porque o contexto histórico é
outro, e as necessidades humanas sempre têm evoluído historicamente…”, chegando
ao ponto de referir a “…pobreza energética…”.
De facto, de vez em quando é preciso recordar que há setenta anos quase nenhuma
família em Portugal possuía frigorífico ou há sessenta anos televisão.
Hoje é insuportável que o não tenha.
E noutro domínio, destaca também “…A obsessiva redução de custos, no quadro do
descarte (dos trabalhadores), gerando desemprego, assim como formas diversas de
racismo e pobreza…”.
No quadro da questão tipo de linguagem utilizada na Encíclica, o Papa Francisco,
raramente, ou mesmo nunca, utiliza as palavras trabalhador ou explorado, ou
proletário, antes preferindo, de forma recorrente, os termos pobre e pobres,
desfavorecidos, os mais vulneráveis, os descartáveis.
Contudo, ao contrário, como observámos e observaremos, utiliza e enfatiza a palavra
Povo.
A questão do Homem, do trabalhador, do reformado, enquanto coisa que se usa e se
deita fora, como algo completamente descartável por parte de um sistema económico
e social que a Encíclica condena, de forma clara e inequívoca, é uma das pedras de
toque de Francisco ao longo de todo o documento.
Por exemplo, quando afirma que “…o desprezo pelos mais vulneráveis, esconde-se
muitas vezes sob a capa do populismo e ou do neoliberalismo, ambos ao serviço dos
interesses dos poderosos…”.
E, numa outra linha, contudo complementar da anterior, afirma que “…A tentativa de
fazer desaparecer da linguagem a palavra Povo, pode conduzir à eliminação da própria
categoria democracia…”, pois que, “… o liberalismo não tem em consideração a
categoria Povo…” e que “…os populistas deformam permanentemente a palavra
Povo…”.
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Numa espécie de contra-ponto, a Encíclica considera que “…A superação das
desigualdades requer desenvolvimento económico…”.
Uma consequência limite dos processos de exploração é a fome.
Para Francisco, “…A alimentação é um direito fundamental e inalienável e portanto a
fome é criminosa, pelo que a política mundial tem de colocar entre os seus objetivos
principais e irrenunciáveis o eliminar completamente a fome…”.
E mais, vai mais longe na denúncia das responsabilidades daquilo que designa por
“…grande poder económico…” (o grande capital transnacional), ao afirmar que “…A
especulação financeira do grande poder económico (tal como está a acontecer de
forma alargada e violenta nos dias de hoje), está a condicionar o preço dos alimentos,
como se estes fossem uma qualquer mercadoria, promovendo a fome e a morte…”
É muito difícil encontrar quem, fora da área das forças políticas e sociais mais
progressistas, faça uma análise tão vigorosa e certeira quanto esta, do que é a
exploração dos trabalhadores e dos povos pelo capitalismo.
e) Acerca da imposição de um modelo cultural único
Como já anteriormente abordámos, a Encíclica destaca de forma muito clara, o
objetivo estratégico de domínio universal pelo grande capital e o imperialismo (que,
recordamos de novo, o Papa Francisco designa por países poderosos e empresas
poderosas) de imposição de um modelo cultural, e naturalmente ideológico, único,
enquanto vertente daquilo que de há muito designamos por pensamento único, e de
novas e diversificadas formas de colonização cultural.
Começa por afirmar na Encíclica que a “… dependência cultural constitui uma maneira
fácil de domínio…”.
Também novamente, e de forma inequívoca, declara que “…Há que respeitar as
diferentes culturas, enquanto fator de enriquecimento das sociedades e do Mundo…”,
ao mesmo tempo que afirma que “…Uma cultura (nacional) sem valores universais,
não é uma verdadeira cultura…”, mas tal caráter universal “…não significa, bem ao
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contrário, aceitação de uma cultura única, como pretendem os países poderosos e as
empresas poderosas…”.
E continua nesta linha de pensamento, ao afirmar que “… A sã abertura nunca ameaça
a identidade, porque ao enriquecer-se com elementos de outros lugares, nasce uma
nova síntese, que a todos beneficia, pois que o Mundo cresce e enche-se de uma nova
beleza, graças a sucessivas sínteses que a produzem entre culturas abertas, fora de
qualquer imposição cultural…”.
É bom recordar aqui, que a cultura portuguesa é um excelente exemplo de tais
criativas e enriquecedoras sínteses, formadas ao longo da História.
Esta singularidade de cada cultura decorre do facto de “…A cultura é algo que
penetrou profundamente no Povo, nas suas convicções mais profundas e no seu estilo
de vida, o que caracteriza verdadeiramente aquele grupo humano…”.
Por isso, “…A promoção dos países economicamente mais desenvolvidos, enquanto
modelo cultural, para os países pouco desenvolvidos é inaceitável, porque destrói as
culturas nacionais e gera uma baixa auto-estima por aquilo que lhe é próprio,
desprezando as culturas nacionais…”.
De alguma forma, a questão das culturas nacionais (e mesmo regionais) e da
necessidade da sua preservação, tem imensos pontos de contacto com o binómio
patriotismo-internacionalismo.
De facto, de acordo com Francisco, “…temos que atender permanentemente às
dimensões global e local, que não são contraditórias, bem pelo contrário…”, ou ainda
que “…Não há abertura entre os povos (vertente internacionalista), senão a partir do
amor à terra, ao Povo, aos próprios traços culturais (a vertente patriotismo), pois que é
o próprio bem do Mundo que requer que cada um de nós proteja e ame a sua própria
terra…”.
E ainda afirma que “…Um país cresce quando dialogam de forma construtiva as suas
diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura universitária, a cultura juvenil, a
cultura artística, a cultura tecnológica, a cultura económica, a cultura da família e a
cultura dos meios de comunicação…”.
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Ainda no correto entendimento de que o “…o patriotismo é sadio e o nacionalismo é
perigoso…”, afirma que “… As outras culturas não são inimigas, mas antes reflexos
distintos da riqueza inexaurível da vida humana e a abertura a estas nunca ameaça a
nossa própria identidade cultural, ao contrário, enriquece-a…”, como também “… o
relacionamento entre o Oriente e o Ocidente corresponde a uma necessidade mútua
indiscutível, em que ambas as partes se enriquecem mutuamente…”.
O mesmo pensamento de um respeito pelas diferentes culturas, particularmente
aquelas representadas simbolicamente pelo Oriente e o Ocidente, é destacado por
Francisco, sobre a viagem e a visita, muito difícil à época (século XI, em pleno período
de Cruzadas), que São Francisco fez ao Sultão Malik-al-Kamil, no Egito.
f) A promoção do individualismo e do egoísmo, enquanto instrumento de
dominação política
A Encíclica é muito clara a este respeito, quando afirma que, com vista à construção do
novo poder internacional e da nova ordem internacional pelo imperialismo “…As
estratégias mundiais dominantes, têm-se desenvolvido na base de um maior
individualismo e particularmente de uma total liberdade para os poderosos…”. Ao
invés, destaca “…A importância do coletivo e da luta coletiva em contrapartida ao
egoísmo e ao individualismo…”.
Complementarmente, também refere que “… Fazer um povo cair no desânimo é o
epílogo de um perfeito círculo vicioso: assim procede a ditadura invisível dos
verdadeiros interesses ocultos, interesses que se apoderam dos recursos e da
capacidade de ter opinião e pensamento próprios…”.
Num enquadramento diferente, ao tratar da necessidade de recuperar uma postura de
amabilidade para com os outros, a Encíclica afirma que “…O exercício da amabilidade
não é um detalhe insignificante, uma atitude superficial e burguesa, pois que o ser
amável para com os outros é necessário e importante…”, e, “ao contrário, , o
individualismo consumista provoca abusos, tornando-se os outros meros obstáculos,
particularmente em situações de crise…”.
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g) Sobre a problemática da Guerra e da Paz
Contrariamente à prática de muitos movimentos orgânicos e inorgânicos, sejam de
caráter social, sejam de caráter político, normalmente crismados como sendo de
esquerda, ou ecologistas e ambientalistas de vários matizes, ou sejam o que sejam,
para o Papa Francisco, a questão da Guerra e da Paz é uma questão central dos dias de
hoje, questão em que objetivamente não existem meios termos.
De facto, este começa por afirmar, relativamente a este tema e de forma
absolutamente definitiva “… Não à guerra, sim à Paz…”, ou, de outra forma “… Nunca
mais à guerra…”.
É muito evidente a sua perceção acerca de quem, nas condições da atualidade,
promove a guerra, quando afirma “…A guerra não é um fantasma do passado, mas
tornou-se uma ameaça constante, devido à criação constante e crescente das
condições para que ela ecloda…”.
Convirá aqui recordar, que aquando do início da guerra imperialista contra a Síria, os
EUA, alegando uma ficcionada existência de armas químicas por parte do governo
sírio, ameaçavam então com bombardeamentos (ainda que depois de votação
desfavorável do Conselho de Segurança da ONU), o Papa Francisco, numa entrevista
transmitida então pelos principais meios de comunicação, afirmava, a este propósito,
que “…Tenho as maiores dúvidas de que a Síria tenha armas químicas, pois que tal não
é do seu interesse, mas, bem ao contrário, é do interesse daqueles que querem
desestabilizar o país…” (citação de memória), ou sejam os EUA.
E é por razões deste tipo, que a Encíclica afirma que “…As falsas desculpas para
justificar a guerra, como razões humanitárias, defensivas e preventivas e o recurso
(sistemático) à manipulação da informação, designadamente através do uso do medo,
através da ameaça da existência de armas nucleares, químicas e biológicas…”, contra
os países não alinhados com o sistema mundial imperialista, que é importante
diabolizar (é muito interessante que Francisco utilize com alguma frequência este
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termo, para caracterizar situações de mentira e calúnia sistemática, tal como nós, num
quadro inequivocamente político), para justificar ulteriores intervenções militares.
A Encíclica também apresenta “…a guerra enquanto negação de todos os direitos…”.
E nesta vertente, é mais uma vez absolutamente obrigatório cotejar o pensamento do
Papa (espantosamente ou não, enquanto figura máxima de uma organização
historicamente conservadora, não democrática e mesmo com um longo passado de
crimes contra a Humanidade), com os modernos “ambientalistas” e quejandos.
Enquanto para estes a Guerra é tão simplesmente uma não existência, especialmente
a guerra e guerras diariamente desencadeadas, prosseguidas ou apoiadas pelo
imperialismo, para o Papa Francisco a “…A guerra deve ser (também) entendida
enquanto agressão violenta e dramática ao meio ambiente e aos bens culturais da
Humanidade…”.
Isto é, enquanto o Papa é completamente coerente na abordagem das questões
ambientais (e também climáticas), seja nesta, seja na anterior encíclica, para os
“ambientalistas”/”ecologistas”, só algumas agressões é que contam, e mesmo essas
nem sempre.
Outra não preocupação dos ambientalistas é a existência e proliferação de armas
nucleares e sobretudo de quem as detém.
Contrariamente, a Encíclica, entende que “…deveremos colocar como objetivo a
eliminação total das armas nucleares…”.
Por outro lado, refere também que a “…Violência a partir das estruturas e do poder do
Estado – violência de Estado e terrorismo de Estado – não está, de forma alguma, ao
nível da violência promovida por pessoas singulares e pelos grupos, mas sim a um nível
incomensuravelmente maior…”.
Finalmente, em termos de propostas, declara que “… o dinheiro utilizado em despesas
militares, deveria ser utilizado num fundo para acabar de vez com a fome e o
subdesenvolvimento…”, assim como, deverá ser colocada “…A exigência do respeito
pela Carta da Nações Unidas, enquanto veículo de suporta para a Paz…”, ou seja,
“exatamente” como procede o imperialismo.
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h) Sobre a questão das migrações nas condições da atualidade
Trata-se, como é conhecido, de uma das mais prementes e dolorosas questões da
atualidade, filha do subdesenvolvimento e das guerras imperialistas, nas circunstâncias
em que está a ter lugar o processo de globalização.
As posições apresentadas na Encíclica sobre este tema, são muito claras a este
respeito: desde logo no que respeita à críticas às causas que originam tão desumanos
e dolorosos processos migratórios, mas também, ao constatar a sua existência
objetiva, pelo menos conjunturalmente, à crítica às formas e conteúdos concretos do
acolhimento.
Desde logo, denunciando e atacando as causas do subdesenvolvimento, afirmando
que ”…as migrações deveriam ser desnecessários, através da criação de condições
locais de viver e crescer com dignidade nos países de origem…”, mas também, através
da existência, nos países de acolhimento, de “…Garantias e direitos para emigrantes e
refugiados…”.
Críticas também para a visão utilitarista no acolhimento de migrantes, pois que na
Encíclica se afirma que “…há países que só lhes interessa acolher cientistas e
investidores, e não trabalhadores comuns…”.
i) Sobre o desenvolvimento em C&T e a repartição da riqueza
A Encíclica alerta para as profundas contradições existentes entre o continuado e
impetuoso nível de desenvolvimento da C&T, com evidentes e inevitáveis reflexos ao
nível da produção de bens e de serviços, seja em termos do alargamento e
diversificação de valores de uso, seja em termos do crescimento das produtividades
alcançadas e de uma cada vez mais injusta repartição da riqueza entre trabalho e
capital, bem como das formas predadoras a que está a ter lugar a exploração dos
recursos naturais.
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De facto, afirma que “…o papel insubstituível do desenvolvimento científico para o
progresso e o desenvolvimento, assim como o aproveitamento socialmente inteligente
dos recursos…”, ou “… Como seria bom se , ao aumento das inovações científicas e
técnicas, correspondesse também uma equidade e uma inclusão social cada vez
maior…”.
IV.2 – Algumas das propostas para uma nova política
Embora ocupando um muito menor espaço da Encíclica do que os temas integrando o
Diagnóstico, a nova política proposta por Francisco, conforma observámos no Capítulo
I, apresenta diversas propostas para melhorar, atenuar ou mesmo eliminar os graves
problemas inventariados, resultantes da globalização nas condições do imperialismo.
a) Por uma Política Nova
É muito clara na Encíclica a tese fundamental sobre a necessidade da luta dos povos
contra as causas estruturais da exploração, por uma política nova.
Assim é, porque “…A comunidade mundial necessita de uma política colocada ao
serviço do bem comum…”, dado que “…A dignidade humana deve estar no centro de
tudo e é sobre tal pilar que deve ser construída a sociedade alternativa de que
precisamos…”.
Estes são alguns dos princípios avocados pelo Papa Francisco para suportarem uma
nova política, que substitua aquela que é atualmente dominante no Mundo, e que os
poderosos, de acordo com a sua linguagem, desejam que seja eterna.
Ou ainda, por outras palavras, a importante assunção de que “…A sociedade mundial
tem grandes carências estruturais, que não se resolvem com remendos, e que exigem
transformações profundas que integrem um novo projeto político, social, cultural e
que vise o bem comum…”, isto é, de alguma maneira, o interesse de todas as classes e
camadas não monopolistas e anti-monopolistas.
Isto é, estamos perante proposta de cariz estratégico, não de “remendos” com afirma
Francisco, propostas que exigem uma Política Nova, suporte de uma Sociedade Nova.
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Ou, invertendo a abordagem dominante, afirma que “…é urgente encontrar soluções
que eliminem tudo o que atente contra os direitos humanos fundamentais…”.
A Encíclica, afirma também que “…é preciso lutar permanentemente contra as causas
estruturais da pobreza, da desigualdade, da falta de trabalho, de terra, de casa e a
negação dos direitos laborais e sociais…”.
E a Encíclica também nos propõe um “…Desenvolvimento humano integral, que mude
as políticas sociais para os pobres, mas nunca com os pobres e ainda menos dos
pobres, e muito menos inserida num projeto que recusa os pobres…”.
Objetivos políticos que seguramente assustam os “muito católicos” políticos da política
de direita, pois que, tendo em atenção sobretudo as suas “praxis”, muito mais do que
o seu discurso, estas situam-se nos antípodas do que, a este propósito, é proposto
pelo Papa.
E isto, porque “…o desenvolvimento deve assegurar os direitos humanos, económicos
e políticos das nações e dos povos e não a acumulação só para alguns…”.
Num outro plano, complementar destes, e no entendimento de que “…A questão
central é o trabalho e a sua dignidade, enquanto dimensão essencial da vida social…”,
Francisco, embora com outras formulações, retoma e atualiza, alguns dos princípios
básicos do socialismo e do comunismo, designadamente no que respeita “…à
necessidade de organizar a sociedade por forma assegurar, que cada pessoa (enquanto
trabalhador) contribua com o seu esforço e as suas capacidades para a satisfação das
necessidades de todos…”.
E ainda refere, que “…É necessário uma nova organização mundial mais eficiente, com
vista a ajudar e resolver os problemas dos pobres e abandonados dos países pobres…”.
Também é importante recordar a tese de que “…É necessária uma economia que
favoreça a diversificação produtiva (em oposição aos regimes de monocultura) e a
criatividade empresarial, ampliando e não reduzindo os postos de trabalho…”.
E a Encíclica também critica muitos políticos, porque estes “…Em busca do interesse
imediato – a obtenção de votos – esquecem a promoção do desenvolvimento
estruturado e sustentável…”.
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b) Das pequenas às grandes lutas, todas são importantes
A Encíclica aborda de forma muito correta e justa a questão da necessidade objetiva e
subjetiva da luta e da sua completa justeza face às situações de exploração e opressão
da esmagadora maioria das populações e dos trabalhadores, seja no plano das nações,
seja no plano mundial.
A justeza e necessidade da luta é entendida pelo Papa sempre que “… se por vezes, os
mais pobres e descartados reagem violentamente, é porque tais reações decorrem de
uma história (por vezes muito longa história) de desprezo e de ausência de inclusão
social…”.
Mas vai ainda mais longe, ao afirmar que “…Perante a historicamente compreensível
conflitualidade social, perante conflitos de interesses entre os diferentes grupos
sociais, os cristãos devem tomar partido (em favor dos mais fracos e desprotegidos),
pois que quem sofre injustiças tem de defender energicamente os seus direitos
perante os poderosos…”.
Esta última transcrição da Encíclica, que se insere num ponto designado “As lutas
legítimas”, encerra importantes conclusões de ordem política, a saber:
- A de que as sociedades estão divididas em classes
- A de que os interesses dessas classes, são conflituais entre si, e por vezes mesmo
antagónicos
- A de que a luta de classes existe, e é, portanto, uma realidade do passado, do
presente, e ainda será durante muitos anos no futuro
- Que a luta de classes, mesmo em circunstâncias de violência, é absolutamente
legítima por parte dos grupos sociais oprimidos e explorados
- De que os cristãos devem tomar partido pelos oprimidos nessas lutas
E isto também tem a ver com a afirmação de que “…não há quaisquer contradições
entre crentes e agnósticos, relativamente a vários princípios éticos fundamentais.
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E é também por este conjunto de razões que o Papa Francisco entende que “…Há que
tirar o poder a quem o não sabe usar, isto é, a um opressor…”.
E Francisco também afirma na Encíclica, relativamente aos conflitos de interesses
entre os diferentes grupos sociais, quanto “…importante é o coletivo e a luta coletiva,
em contrapartida com as posições egoístas e individualistas…”, que, como bem
sabemos a nada conduzem.
Por outro lado, também refere um outro ensinamento, sobre o plano tático das lutas,
ao afirmar que “…das pequenas às grandes lutas todas são importantes…”, e que é
possível e desejável “…começar por baixo e caso a caso, lutar pelo mais concreto e
local, até ao último caso da Pátria e do Mundo…”.
Como é fácil de entender trata-se de uma perspetiva de grande importância
estratégica e mesmo histórica, a da unidade orgânica e da confluência entre as
pequenas e as grandes lutas, entre o local, o regional, o nacional e o internacional, que
muita gente de esquerda, muitas das vezes não entende a forte ligação orgânica entre
os diferentes níveis, subvalorizando artificialmente umas lutas e sobrevalorizando
outras, separando portanto aqui que é uno.
c) Sobre a questão da propriedade privada
O Papa Francisco tem enorme consciência de que, em muitas circunstâncias, a
propriedade privada constitui um forte obstáculo ao desenvolvimento e à justiça
social.
O caso da habitação é paradigmático.
Tal consciência do Papa, é desde logo traduzida na proposta de que “…Há que
repensar a função social da propriedade (privada)…”, pois que “…o direito à
propriedade é um direito natural secundário, e, como tal, a ele se devem sobrepor os
direitos prioritários e primordiais…”.
Ou, de outra forma, “… o direito à propriedade não é absoluto nem intocável…”.
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Ou, ainda um outro enfoque, afirma que “…Se alguém não tem o necessário para viver
com dignidade, é porque outrem se está a apropriar do que lhe é devido…”, assim
como “…Os pobres são pobres porque alguém lhes tirou o que lhes pertence…”.
Esta visão, naturalmente lógica, justa e de progresso, arrasta-nos e é um dos suportes
da intervenção alargada do Estado na economia e na sociedade, intervenção
absolutamente necessária em defesa dos legítimos interesses da grande maioria das
populações, ou seja, de todas as classes e camadas não monopolistas e anti-
monopolistas.
De novo, e sem irmos à esfera económica, regressemos à questão da habitação.
De facto, aqui, estamos perante, efetivamente, um direito constrangido por parte do
proprietário da habitação.
E também assim será com muitas atividades produtoras de bens e serviços assumindo
um caráter estratégico, e que, embora de forma não explícita, e de acordo com
Francisco, não devem ser propriedade privada, mas sim, com toda a lógica,
propriedade dos Estados.
Mas a Encíclica ainda reforça a importância da função social da propriedade, quando
afirma que “…mais importante que o direito à propriedade privada, sempre existiu o
princípio antecedente de subordinação de toda a propriedade privada ao destino
universal dos bens da Terra, isto é, ao direito de todos ao seu uso…”.
É evidente, que se entra claramente aqui sobretudo no domínio dos recursos
geológicos, mas também de alguns recursos vivos (uns e outros os bens da Terra), que,
desde logo, devem ser considerados bens do Estado, conforme o caso português, em
que o enquadramento constitucional os caracteriza enquanto bens do domínio público
do Estado.
Ou, de acordo com a Encíclica, e numa perspetiva social e politicamente muito
avançada, mesmo com alguns laivos de socialismo, a direção de “…Pensar e agir
permanentemente em termos do interesse da comunidade, e não em vez da
apropriação dos bens somente por parte de alguns…”.
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d) Sobre o papel do Estado
A Encíclica não passa ao lado, como já anteriormente e de forma recorrente
assinalámos, do importante papel do Estado no desenvolvimento e na soberania, pois
que é inequivocamente afirmado pelo Papa “…o insubstituível papel do Estado na
defesa dos mais fracos…”.
E com enorme atualidade é referido das “…lições a retirar da pandemia do COVD-19 e
o desmantelamento dos sistemas de saúde públicos…”.
Afinal, não é somente o PCP que denúncia a destruição do SNS em Portugal, no quadro
de uma orientação e prática política geral do neoliberalismo em quase todo o Mundo.
CAE/Fernando Sequeira – 1 de Novembro de 2021.
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