Na Polónia :apagar a história , desmantelar monumentos , reescrever a história
Considerações sobre o documentário “La strada di Levi”
A experiência no campo de concentração foi registada por Levi em É isto um homem? (Se questo è un uomo) e em escritos posteriores, dentre os quais Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades, considerado a grande súmula de quarenta anos de reflexão sobre os acontecimentos por ele vivenciados...
O desmantelamento dos monumentos soviéticos ...
O governo polaco, que, desde 2007, vinha intimando as autoridades italianas a retirarem do ex-campo de concentração o “Memorial italiano de Auschwitz”, fechou-o em 2012. Posteriormente desmontada, a obra foi transferida para Florença, para ser instalada no Ex 3 – Centro de Arte Contemporânea.
Inaugurado no dia 13 de abril de 1980, no Bloco 21, em homenagem aos 3.431 italianos mortos no lager, o Memorial foi projetado por Lodovico Barbiano di Belgiojoso. O visitante adentrava um túnel e percorria, como se fossem os trilhos que levavam ao campo, os oitenta metros de uma passarela de madeira, para ter a mesma sensação de “pesadelo do deportado, dilacerado entre a quase certeza da morte e a tênue esperança da sobrevivência”, nas palavras do arquiteto do escritório BBPR [12], reproduzidas por Ilaria Lonigro.
O túnel, uma instalação multimídia coordenada por Nelo Risi [13], consistia numa grande espiral, cujos vãos permitiam entrever os demais blocos, revestida por vinte e três faixas de tecido de um cromatismo intenso, pintadas por Mario “Pupino” Samonà, em que, sobre o preto do Fascismo, se destacavam o vermelho do Socialismo, o branco do movimento católico e o amarelo das estrelas de Davi impostas aos judeus. Durante o percurso dessa espécie de “redemoinho mnemônico” (como o denominou Erminia Pellecchia), o visitante era guiado pela música “Ricorda cosa ti hanno fatto in Auschwitz” [Lembre-se do que lhe fizeram em Auschwitz], composta por Luigi Nono em 1966 [14], e por uma breve texto de Primo Levi [15].
MARIAROSARIA FABRIS*é professora aposentada do Departamento de Letras Modernas da FFLCH-USP. Autora, dentre outros livros, de O neo-realismo cinematográfico italiano: uma leitura (Edusp).
Para contar a história não apenas das deportações, mas da oposição aos nazifascistas, de 1922 a 1945, através da resistência da classe operária e de figuras como Gramsci, Turati, Matteotti, os irmãos Rosselli e Dom Minzoni [16], na gigantesca obra de mais de duzentos metros de comprimento, foram representados várias vezes os símbolos comunistas da foice e do martelo, o que a tornou indesejada aos olhos do governo polaco – “Não corresponde aos critérios pedagógicos e ilustrativos indicados para as exposições no ex-campo de extermínio” (como relatou Erminia Pellecchia) – e até de autoridades italianas. Como se com o desmonte do Memorial pudesse ser apagado um pedaço da História, esquecendo também de que o campo havia sido libertado pelo Exército Vermelho, o mesmo que determinará a queda de Berlim, em 2 de maio de 1945, fato que levará à rendição da Alemanha cinco dias depois. A História, no entanto, não pode ser modificada [17].
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