As jornadas da juventude deveriam ser uma oportunidade para a igreja portuguesa se redimir do seu clamoroso silenciamento e praticamente nula difusão da encíclica
Laudato Si do Papa Francisco.
A igreja portuguesa limitou se a fazer o mínimo e o pouco que fez foi apenas centrado na redução da encíclica à sua dimensão ecológica.
Como alertou por várias vezes o Papa Francisco e fê- lo novamente para o seu país na cidade do Vaticano em 24 ago 2021 (Ecclesia) – a sua encíclica ‘Laudato Si’ “é uma encíclica social” e não apenas um documento “verde”. (Mensagem ao Congresso Interuniversitário ‘Laudato si’, que se realisou de 1 a 4 de setembro, na Argentina nesse ano. )
O incomodo das criticas no domínio económico , financeiro e social da Encíclica levaram os meios mais conservadores e reaccionários da Igreja e do grande capital a silencia-la e a reduzí-la apenas à sua expressão ecológica. As criticas destes meios foram muitas vezes violentas ou adocicadas no estilo " È uma encíclica bem intencionada mas insensata no domínio económico ".
Alguns comentadores católicos , poucos , não deixaram de salientar com veemência as subtis estratégias do “capital financeiro” para manter de pé o sistema vigente de economia no atual contexto político e socioeconómico, destacando da Encíclica de Francisco mesmo no plano ecológico: a crítica radical face à irresponsabilidade dos responsáveis, ou seja, das elites dominantes.
A crítica mordaz às oligarquias interessadas na conservação do sistema mesmo quando se trata da crise ecológica citando as palavras de Francisco : “...muitos daqueles que detêm mais recursos poder económico ou político parecem concentrarem-se, sobretudo, em mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas procurando reduzir apenas alguns impactos negativos de mudanças climáticas e resumindo a política a decisões “em função do lucro” permitindo que as “forças invisíveis do mercado regulem a economia”.
“A finança sufoca a economia real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial e só muito lentamente se aprende a lição da degradação ambiental”
Neste sentido, o Papa argentino sustenta que “a salvação dos bancos a todo o custo”, fazendo pagar o preço à população, sem a contrapartida de uma reforma do sistema, apenas “reafirma um domínio absoluto da finança que não tem futuro e só poderá gerar novas crises”.
Francisco deixa também várias críticas ao “mecanismo consumista” promovido por um paradigma “tecnoeconómico” e afirma que “o mercado, por si mesmo” não garante “desenvolvimento” ou “inclusão social”.
No nosso país os que chamaram a atenção para a Encíclica ou a comentaram contam se pelos dedos das mãos .
Por isso perguntamos se não seria agora a ocasião da igreja portuguesa fazer uma grande divulgação da encíclica em todas as suas dimensões e não se preocupar apenas com a pompa e circunstancia de Palcos e Palas , que são mais comuns aos "vendilhões do templo"e aos que só sabem o " Padre Nosso até ao venha a nós."
Poderia fazer uma edição aliciante da encíclica em formato de bolso a preço simbólico para a juventude e pedir o concurso de Moedas e da Câmara Municipal de Lisboa para a sua difusão.
Deixamos aqui o artigo de Carlos Gonçalves publicado no "Militante"
A encíclica Laudato Si'
Contributos para uma reflexão
As notas e reflexões que aqui se adiantam quanto à encíclica Laudato SI' e a
desenvolvimentos recentes na Igreja Católica, nas suas realidades e comunidades,
assumem-se como contributos para o estudo destas matérias.
Este texto não é um apuramento de conclusões nem apenas uma opinião, é a tentativa de
fazer o «ponto de situação» de alguma reflexão colectiva, de contributos e debates sobre
estas e outras questões conexas. E é um apelo a que mais camaradas, e outros
democratas, contribuam para melhorar as análises e sínteses a este respeito, para que
sejam possíveis posições e orientações justas e adequadas do Partido e na intervenção
dos comunistas.
Como nota de abertura a este texto, vale a pena, da vasta bibliografia do Partido –
construída desde sempre – e em particular do contributo do camarada Álvaro Cunhal,
relativamente à relação dos comunistas com os católicos e outros crentes e com as
igrejas e comunidades religiosas, deixar três ideias, que, sendo de um outro tempo e
quadro político, persistem como elementos de referência e de grande actualidade, no
plano político e ideológico.
Em 1947, escreveu Álvaro Cunhal: «... As convicções religiosas, por si só, não são
susceptíveis de afastar os homens na realização de um programa social e político,...
comunistas e católicos podem e devem unir-se em defesa dos seus anseios comuns...».
(1)
Em 1965, o VI Congresso concluiu: «... vastos círculos católicos têm-se separado do
regime fascista.… Os fascistas ameaçam, ... se por hipótese … o próprio Papa, em tal ou
tal ... questão, nega apoio à política fascista, logo passa "ao campo do inimigo"...». (2) A
previsão confirmou-se em 1970, quando Paulo VI recebeu os movimentos de libertação
das colónias portuguesas.
Em 1974, em pleno processo revolucionário, disse Álvaro Cunhal: «… os comunistas
defendem… boas relações do Estado com a Igreja. Esta ... política não se baseia em
critérios de oportunidade, mas numa posição de princípio.… O mundo evolui e a Igreja
Católica ... mostra ... indícios de ... evolução positiva .... Confiamos em que os homens
mais esclarecidos da Igreja … compreendam … a sinceridade (e) as profundas
implicações, para o presente e ... o futuro, desta posição do Partido...».(3)
A encíclica Laudato Si'
As encíclicas são, etimologicamente, «circulares» do Papa aos outros Bispos e aos
católicos e constituem-se como um importante acervo doutrinal sobre questões religiosas
e de natureza social, económica e política.
Com João XXIII, o Papa que convocou o Concílio Vaticano II e escreveu «Pacem in
Terris» (1963), as encíclicas passaram a dirigir-se às «pessoas de boa vontade» e, hoje,
além de expressarem as «posições oficiais» da Igreja, destinam-se à mediatização e
intervenção ideológica, política e social das estruturas católicas e dos fiéis da Igreja
centrada em Roma.
As encíclicas, como todos os actos humanos, acontecem num tempo e em circunstâncias
concretas. Isso é claro na história católica, em toda a sua perenidade, com os
documentos dos Bispos e outros, e sobretudo a partir do final do Século IV, quando as
assembleias – «ecclesia» em grego antigo – da «religião dos escravos e dos oprimidos»
(4), passaram ao património das classes domintes, como religião e Igreja oficial e única
autorizada no Império Romano.
Datada de Maio de 2015, a encíclica Laudato Si' (LS) – «Louvado Sejas», título retirado
de um cântico de Francisco de Assis que enaltece a «mãe terra», é um documento sobre
os problemas do mundo de hoje, abordados a partir da vertente ambiental, numa
perspectiva de «ecologia integral», nunca usada por outros Papas.
O subtítulo «sobre o cuidado da casa comum» e as muitas referências a anteriores
Papas, contextualizam e legitimam esta carta pontifícia e, objectivamente, reduzem
espaço a leituras e manobras mais conservadoras sobre o seu conteúdo.
No texto, o Papa aborda matérias religiosas, quando «sem repropor ... toda a teologia da
criação» fala da «sabedoria das narrações bíblicas» (LS§65), ou quando sobre
«Espiritualidade ecológica» fala de «sinais sacramentais» (LS§233) e «Eucaristia»
(LS§236), e em muitos outros temas e momentos.
Mas este é um documento em que as questões políticas assumem centralidade. Aliás, o
Papa, numa breve resenha, dá exemplo de «eixos que atravessam toda a encíclica: ... a
relação íntima entre os pobres e a fragilidade do Planeta, a convicção de que tudo está ...
interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder,... o convite a
procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso,... o sentido humano da
ecologia,... a grave responsabilidade da política internacional e local,... a proposta de um
novo estilo de vida...» (LS§16).
O que resulta, a nosso ver, é um texto que, embora muitas vezes casuístico e idealista,
com momentos de abordagem teológica – que não comentamos – e com considerações,
equívocos e preconceitos – que não acompanhamos –, contém ainda assim um vasto
conjunto de elementos e conteúdos abordados com objectividade e, em muitos casos,
com contributos progressistas. Neste sentido, procurando relevar esses aspectos de
sentido positivo, citamos diversos excertos da encíclica.
«(N)ão podemos enfrentar... a degradação ambiental se não prestarmos atenção às
causas,... a degradação humana e social...» (LS§48), «toda a abordagem ecológica deve
integrar uma perspectiva social que tenha em atenção os direitos dos mais
desfavorecidos ...» (LS§93).
«O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a
defender...» (LS§190), «o mercado... não garante o desenvolvimento humano integral
nem a inclusão social...» (LS§109).
«(O) sistema mundial é insustentável...» (LS§61), «os poderes económicos continuam a
justificar o sistema, ... onde predominam ... (a) especulação e (a) busca de receitas
financeiras...» (LS§56).
«A economia assume... o desenvolvimento... em função do lucro.... A finança sufoca a
economia real. Não se aprendeu a lição da crise financeira mundial…» (LS§109). «(A)
maximização do lucro... é uma distorção conceptual da economia…» (LS§195).
«A bolha financeira é também uma bolha produtiva.... (O) que não se enfrenta com
energia é o problema da economia real, aquela que torna possível... que se melhore a
produção.... e criem postos de trabalho...» (LS§189).
«A simples proclamação da liberdade económica, enquanto as condições reais (a)
impedem... (para) muitos... e se reduz o acesso ao trabalho, torna-se um discurso
contraditório que desonra a política...» (LS§129). «Em qualquer abordagem de ecologia
integral... é indispensável incluir o valor do trabalho...» (LS§124).
«(A)s empresas obtêm lucros... pagando uma parte ínfima dos custos…» (LS§195). «(A)
realidade... exige que, acima dos limitados interesses das empresas e de uma discutível
racionalidade económica, se continue a perseguir como prioritário o objectivo do acesso
ao trabalho para todos»…» (LS§127).
«O mercado... faz crer a todos que... conservam... liberdade de consumir, quando, na
realidade, apenas possui a liberdade a minoria que detém o poder económico e
financeiro...» (LS§203). «A obsessão por um estilo de vida consumista,... quando poucos
têm possibilidade de o manter, só poderá provocar violência e destruição...» (LS§204).
A «ideia de um crescimento... ilimitado... supõe a mentira da disponibilidade infinita dos
bens do Planeta, que leva a "espremê-lo" até ao limite e para além do mesmo...»
(LS§106).
«O princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e... o
direito... ao seu uso é o primeiro princípio de toda a ordem ético-social.… A tradição cristã
nunca reconheceu (!) como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada e
salientou a (sua) função social...» (LS§93).
«(A) salvação dos bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a...
decisão de... reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança que não
tem futuro, e que só poderá gerar novas crises,… a crise financeira de 2007... era a
ocasião para... uma nova economia e... nova regulamentação da atividade financeira
especulativa e da riqueza virtual...» (LS§189).
«A dívida externa dos países pobres transformou-se num instrumento de controlo, mas
não se dá o mesmo com a dívida ecológica.... (O)s povos em vias de desenvolvimento...
continuam a alimentar o progresso dos países mais ricos à custa do seu presente e do
seu futuro...» (LS§52). «As relações entre os Estados devem salvaguardar a soberania de
cada um…» (LS§173).
«(A)lguns sectores económicos exercem mais poder que ... os Estados…» (LS§196). «O
século XXI... assiste a uma perda de poder dos Estados nacionais,... porque a dimensão
económico-financeira... transnacional tende a prevalecer sobre a política...» (LS§175).
«A política não deve submeter-se à economia…» (LS§189). «Se o Estado não cumpre o
seu papel,... alguns grupos económicos podem apropriar-se do poder real...» (LS§197).
«Vários países são governados... à custa do sofrimento do povo e para benefício
daqueles que lucram com este estado de coisas…» (LS§142).
«Às vezes, para que haja uma liberdade económica da qual todos realmente benificiem,
pode ser necessário pôr limites àqueles que detêm maiores recursos e poder
financeiro...» (LS§129).
«(O) que está a acontecer põe-nos perante a urgência de avançar numa corajosa
revolução cultural…» (LS§114). «Precisamos de uma política que... leve por diante uma
reformulação integral, abrangendo... os vários aspectos da crise...» (LS§197).
E seria possível desfiar muitos outros posicionamentos da encíclica de sentido
progressivo: sobre a defesa da água pública; sobre a exigência para novos investimentos
de estudos de impacto socio-económico, além de ambiental; sobre o «mercado de
carbono», que cria novos monopólios e dependências; sobre o uso de produtos agrícolas
para fins energéticos, com o agronegócio a ameaçar milhões de seres humanos; sobre os
desequilíbrios e contradições entre potências capitalistas e países menos desenvolvidos;
sobre um falso «discurso verde», que esconde os interesses de grandes empresas; sobre
a perversidade do controlo da Ciência e Tecnologia pelo poder económico-financeiro;
sobre o aprofundamento da democracia, nas suas múltiplas vertentes, e o controlo da
política pelos cidadãos; sobre os riscos e a impossibilidade real de, na lógica do lucro
máximo, continuar pelo caminho do «crescimento ilimitado».
Nesta matéria vale a pena lembrar a posição do PCP, cuja diferença com a encíclica
Laudato SI' reside na identidade de classe e projecto de transformação que assumimos.
«... (O) conceito de crescimento económico capitalista, utilizado pelas classes
dominantes,... está condenado ao fracasso, porque... ilude o crescimento das assimetrias
na distribuição de rendimentos entre países e entre classes sociais. E porque tenta iludir...
que o crescimento material sem restrições, numa economia capitalista já globalizada, está
limitado pelas capacidades do planeta». O PCP propõe «... o crescimento da produção no
quadro da gestão racional e planificada de recursos de acordo com as necessidades de
desenvolvimento económico e social e a redução das assimetrias na distribuição de
rendimentos...»(5).
Em síntese, a nosso ver, a encíclica, relativamente ao quadro ambiental, social e político,
ainda que sem assumir posição de classe, nem admitir a luta de classes, que no entanto
atravessa muitas das suas teses, e cedendo ou alinhando com o quadro ideológico e de
propaganda da classe dominante – porque critica o «comunismo» e não se refere ao
capitalismo –, leva entretanto a cabo, «... um contundente,... sistemático e diversificado
ataque ao capitalismo e às suas dramáticas consequências nos dias de hoje, seja em
termos do diagnóstico, seja das propostas apresentadas...» (6).
A encíclica, no «mundo terreno», toma muitas vezes posição, ainda que com contradições
e hesitações, ao lado dos trabalhadores e das massas populares.
Laudato Si' vale pelo que fica escrito para o presente e o futuro da Igreja e dos católicos,
mas vale sobretudo pelo que torna possível para a intervenção convergente dos
trabalhadores e do povo, dos católicos progressistas, dos comunistas, dos democratas e
patriotas, dos povos e países oprimidos, para a transformação progressista da nossa
«casa comum».
Realidades na e da Igreja Católica
Com uma base multiclassista, que integra escravos e esclavagistas, e uma hierarquia
que, no essencial, participa há séculos no sistema de poder da classe dominante, a Igreja
foi sempre sujeito ou parte envolvida em todos os grandes conflitos e processos de luta
de classes, no mundo e no plano interno, no tempo histórico da sua existência.
Sempre houve cristãos (e católicos após o Século XVI) que não desistiram do combate às
iniquidades e à sujeição aos poderosos, apoiando-se em textos dos Evangelhos, e
sempre houve quem mandou na Igreja e a usufruiu – a hierarquia eclesiástica, quase
sempre afecta ao poder dominante.
Nos dias de hoje, o pontificado de Francisco é, em si mesmo, causa e pretexto de uma
complexa batalha política e ideológica, em que se expressam as contradições da
sociedade e da Igreja, entendida na sua complexidade social, política, ideológica,
doutrinal, cultural, nacional, do Banco e do Estado do Vaticano, nas suas realidades e
comunidades e na sua estrutura institucional e hierárquica.
O Papa e a encíclica contam com a oposição surda, ou nem tanto, de uma parte da
hierarquia, mais comprometida com um discurso litúrgico tradicional, que visa a
resignação social e o «ópio do povo» e realiza o «... prodígio de celebrar a igualdade ao
mesmo tempo que sancion(a) a desigualdade...» (7). É também essa a posição de
confessos «democratas-cristãos», que se desdobram em falsos elogios e ridículas
desvalorizações do Papa Bergoglio, inserindo-o numa sucessão virtual de «papas
humanistas» (8), ou numa «expressão colorida» de um mero «cepticismo papal» (9).
E avança uma campanha reaccionária dos sectores mais retrógrados do grande capital
supranacional, assumido sem peias por quem afirma que «o Diabo também mora no
Vaticano», «um Papa pessimista e injusto», «socialista convencido» e de «esquerdismo
antiquado» (10), ou mesmo que o Papa (citado de uma entrevista ao «La Vanguardia») «...
ao estabelecer uma ligação entre capitalismo e guerra, parece seguir (a) linha ultra radical
(de)... Lénine...» (11).
E há os que apoiam o Papa – parte significativa do clero das Ordens religiosas
socialmente activas, muitos leigos e religiosos da «Acção Católica» e de estruturas
operárias, de pequenos agricultores e de jovens trabalhadores e estudantes, sindicalistas
e activistas associativos e das «comunidades eclesiais de base» da América Latina, de
onde, pela primeira vez na história, chegou um Bispo de Roma. E há também o apoio das
massas de católicos, com toda a complexidade intrínseca à sua mobilização.
Hoje é mais evidente que a Igreja está confrontada com a laicidade da vida social, com os
homens e mulheres postos à margem pelo dogmatismo de outros Papas, com a urgência
de recuperar na América Latina – onde está o maior contingente católico – alguma
influência perdida nas últimas décadas para os evangélicos e seitas religiosas, com
ligação aos Estados Unidos e a interesses dominantes.
A intervenção da igreja «oficial» e da sua principal figura, o Papa Francisco, é uma
expressão desta necessidade de recuperar e ganhar influência católica.
Mas a acção do Papa é também uma expressão dos seus apoios e das posições de
novas realidades e comunidades da Igreja, que não pode ignorar. Isso é claro nas
encíclicas e diagnósticos sociais, da «economia de exclusão e desigualdade», da
«economia que mata», na defesa da «reforma agrária», do «trabalho digno», e até em
questões de costumes e da Cúria do Vaticano – com avanços muito lentos – e nas suas
muitas inconsequências.
A orientação deste Papa é provavelmente consequência de tudo isto e também um
resultado mediato das aspirações de grandes massas e das grandes lutas populares, pela
soberania, pela liberdade, pela justiça social e pela paz, que marcam as últimas décadas
da América Latina.
E o facto é que o Papa Bergoglio assume por vezes posições próximas da «Teologia da
libertação», «escola doutrinária» que, embora com hesitações (do nosso ponto de vista),
é muito importante na América Latina, afirmando com clareza que não é possível a
«neutralidade», que a «Igreja dos pobres» deve lutar contra a opressão, que a «Igreja das
vítimas da acumulação capitalista» deve confrontar a «Igreja tradicional», como defende
Leonardo Boff (12), sem cujo livro, «Ecologia – Grito da Terra, Grito dos Pobres», talvez
não existisse a encíclica Laudato Si'.
E o facto é que, com o Papa Francisco, muitos católicos podem agora superar o «...
discurso... de vagos... apelos à defesa da dignidade da pessoa humana... e (com)... a
compreensão das causas profundas da construção social... superar insuficiências e
inconsequências da (sua) intervenção... face à ordem social estabelecida...» (13).
E que, nas palavras do Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, após encontro com
o Bispo de Lisboa, – «... com as naturais diferenças... entre o PCP e a Hierarquia
Católica,... (é) possível encontrar pontos de vista comuns, formas de intervenção, a
valorização do sentimento de confiança e esperança numa mudança de rumo, o valor da
solidariedade, particularmente com os que menos têm e menos podem, ...um país melhor,
com mais justiça social...» (14).
Como sempre aconteceu, na luta contra o fascismo e em defesa do Portugal de Abril, os
trabalhadores e o povo, comunistas e católicos, podem e devem, nos dias de hoje,
convergir ainda mais, por um futuro de soberania, dignidade e democracia avançada.
Notas
(1) Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas, Tomo I, Edições «Avante!», 2007, p. 791.
(2) Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas, Tomo III, Edições «Avante!», 2010, pp. 364-366.
(3) Álvaro Cunhal, Obras Escolhidas, Tomo V, Edições «Avante!», 2014, p. 176.
(4) Friderich Engels, Anti-Dühring, 1.ª Parte, Cap. X, edições Afrodite, 1974, p. 131.
(5) Resolução Política do XIX Congresso do PCP, Cap. 1, 1.2.
(6) Fernando Sequeira, «Sobre a carta encíclica do Papa Francisco», Outubro de 2015.
(7) Sérgio Dias Branco, «Notas sobre o Cristianismo Revolucionário», Fevereiro de 2015.
(8) Adriano Moreira, «Sobre o risco da casa comum», in Diário de Notícias, 29 de Julho de
2015.
(9) César das Neves, «O Papa e a economia», in Diário de Notícias, 24 Junho de 2015.
(10) M. Angel Belloso, ex-director da revista neo-liberal espanhola Actividad Economica,
in Diário de Notícias, 31 de Outubro de 2014 e 26 de Junho de 2015.
(11) «Francis, capitalism and war, the pope's divisions», in The economist, 20 de Junho de
2014.
(12) Leonardo Boff, ex-padre, professor universitário, e teórico da Teologia da Libertação,
foi afastado de funções em 1985, após processo conduzido pelo então Cardeal Ratzinger,
mais tarde Papa Bento XVI.
(13) Edgar Silva, «Secularização e laicização», Outubro de 2013.
(14) Declarações do Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, em encontro com o
Cardeal D. Manuel Clemente, citadas no Avante!, Religiões, 9 de Abril de 2015.
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