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19 de setembro de 2024
Agora vemos produtores a queixarem se da importação de mosto e vinho de Espanha
Mas na altura devida alguém previu , denunciou e votou contra . E foi também silenciado
Declaração de Voto do Grupo Parlamentar do PCP
Relatório sobre a proposta apresentada pela CE relativa ao Regulamento do Conselho
que estabelece a OCM Vitivinícola, apresentado à CAEIDR pelos deputados Jorge Almeida
(PS) e Jorge Tadeu (PSD)
O Grupo Parlamentar do PCP votou contra o Relatório e muito particularmente contra as
suas conclusões (Parte III – Conclusões, página 27) pelas razões que a seguir se
explicitam.
I – Na generalidade
1. O Relatório não parte da realidade da vitivinicultura portuguesa. Apesar do valioso
conjunto de audições que foram feitas com quase todas as estruturas associativas de âmbito
nacional e regional ligadas com a produção, o comércio e a regulação, o Relatório parte da
hipotética «realidade vitivinícola europeia» e das suas relações com os mercados mundiais de
vinho, na base dos textos elaborados pela Comissão Europeia (CE). Não parte nem assume as
diferenças da vitivinicultura nacional, no comércio e na regulação/intervenção do Estado, o seu
quadro de especificidades e correspondentes estrangulamentos e potencialidades. E bastariam
algumas anotações – produções e produtividades, estrutura vitivinícola, níveis ainda reduzidos
de manipulação enológica, mesmo na correcção alcoólica, uma estrutura de vinificação e
comercialização onde as adegas cooperativas têm ainda um papel significativo, um relativo
equilíbrio produção/consumo (se tiver em consideração um período longo e a aguardente
vínica que é consumida nos generosos – vinho do Porto, Madeira, etc. – teremos mesmo o
equilíbrio), as diversidades regionais de vinhos, com relativos pequenos volumes de produção
– para uma abordagem completamente diferente da Reforma da OCM avançada pela CE. E
não sendo despiciendo, não se precisaria sequer de descer à análise de algumas regiões
vitícolas. Mas, mesmo quando o fizeram, como sucede com a referência mais extensa (e única)
à situação da Região Demarcada do Douro, os relatores não souberam, ou não quiseram, tirar
as devidas ilações.
2. «Esquecendo» a vitivinicultura nacional, o Relatório limita-se a «reflectir» sobre a base
do Projecto de Reforma da OCM, repetindo análises e considerações dos textos da CE
no seu retrato da situação, conclusões e propostas. Fica aprisionado pelos «instrumentos»
e «soluções» da CE, sobre os quais se pronuncia, em geral dando o seu acordo, neste ou
naquele distanciando-se, de forma tímida, nunca assumindo frontal e claramente uma posição
contrária. É paradigmático que, relativamente à medida mais grave, mesmo se a sua
operacionalização se fizer apenas a partir de 2014, a liberalização dos direitos de plantação,
o Relatório fica-se por uma manifestação de «profunda reserva» (Parte 3, n.º 2, página 28)! É
a conhecida posição do «País aluno bem comportado», que não pode dizer NÃO, opor-se
claramente às teses de Bruxelas! Não aprendemos nada, nem com os erros do passado, nem
com o comportamento dos outros países, nem sequer como simples afirmação de posição
negocial! Não partilhamos das posições da Assembleia Nacional Francesa, mas pode servir de
exemplo de como se defendem os interesses nacionais (deles, dos franceses)!
Fica tudo dito, quando se escreve num Relatório da Assembleia da República que deveria
defender os interesses da vitivinicultura nacional: «Não poderíamos estar mais de acordo com
os propósitos enunciados na proposta de Reforma» (Parte II, n.º 2.2., página 12). Aliás, só uma
audição (ou leitura) superficial do que foi dito nas audições permite escrever que «… essa foi
uma opinião que perpassou praticamente todas as intervenções das Organizações do Sector,
durante as audições efectuadas …» (Parte II, n.º 2.2., página 17). De facto, a generalidade das
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organizações ligadas ao comércio, e em particular ao grande comércio, partilham esse ponto
de vista, mas não foi o que disseram algumas das intervenções da produção!
3. Falta clareza e transparência no Relatório na definição das suas principais posições
relativamente aos instrumentos e medidas avançados pela CE. O Relatório é contra que
soluções, instrumentos e medidas? É a favor de quais? E que alternativas avança? Há uma
excepção: a questão da chaptalização! Mas é legítima, para quem tem memória, a suspeita de
que a afirmação «em circunstância alguma, Portugal poderá aceitar cedências nesta matéria»
(Parte III, n.º 3, página 29), e o pró forma de quem sabe que nenhuma decisão haverá nesta
matéria contra a vontade da França e da Alemanha!
Uma redacção «mastigada» sobre os textos da CE, em geral a favor, aqui e ali com
manifestação de reservas, dúvidas ou, noutros casos, com o enunciado de condições prévias
de aplicação de medidas da OCM que não existem nem estão previstas, tem como resultado
inevitável a ausência de análise e definição das questões centrais que a proposta de
Reforma coloca à vitivinicultura portuguesa.
Aquelas questões que, a manterem-se (como a liberalização dos direitos de plantação),
obrigam Portugal a dizer não à Reforma. A que se acrescenta o acordo com propostas de
particular gravidade para os interesses da vitivinicultura nacional.
4. É extremamente insuficiente e deficiente a análise das razões imperativas da Reforma.
Em particular das razões porque falha a anterior reforma da OCM (1998/99). Aceitam-se todos
os argumentos da CE e fica por explicar, de forma suficiente, como «excedentes conjunturais»
se transformaram em «excedentes estruturais». Como fica por esclarecer esta questão central:
se alguns dos «instrumentos» que agora se propõe para a nova Reforma, já antes estiveram
em funções, porquê admitir que agora se tornarão eficazes?
II – Na especialidade:
1. O Relatório aceita como questão central da Reforma da OCM dos Vinhos a
competitividade. Eixo em torno da qual a Comissão orienta e baseia a sua proposta de
Reforma, ponto de partida para a liberalização do comércio do «vinho» nos mercados
mundiais, sob a tutela da Organização Mundial do Comércio (OMC), questão certamente de
grande interesse para as multinacionais de bebidas alcoólicas e algumas grandes empresas de
comércio de vinhos portuguesas. Mas posição que choca, inevitavelmente, com os interesses
da vitivinicultura portuguesa e os interesses nacionais, e também da generalidade dos vinhos
de qualidade europeus. Mesmo quando se acrescentam outros objectivos, como preservar «as
melhores tradições da produção vitivinícola europeia», reforçar «o tecido social de muitas
zonas rurais» e assegurar «o respeito e a defesa dos ecossistemas», está-se apenas a tentar
disfarçar/esconder o que o rolo compressor da competitividade vai fazer a essas tradições, a
esse tecido social, a esses ecossistemas! Como resulta claro da pretensão de «um regime
vitivinícola que funcione com regras claras e simples»! É a tentativa de destruir as «diferenças»
que dão a qualidade e que asseguram as correspondentes «competitividades» dos vinhos
portugueses e europeus VQPRD/DOP/IGP. Aliás, continua por explicar como vai ser
consagrada a competitividade entre as áreas geográficas produtoras de vinho do Sul da
Europa, onde há uma vindima, e zonas de outras partes do globo (América do Sul), onde há
duas vindimas!
2. O Relatório, apesar de manifestar «profunda reserva» relativamente à liberalização
dos direitos de plantação no espaço da União, a partir de 2014, não esclarece qual a
posição a assumir sobre a Reforma, caso de mantenha esse objectivo. E não será a
consideração de «a gestão do património vitícola das regiões» dever «ser garantida pelos
Organismos Interprofissionais respectivos», que vai alterar as consequências desastrosas para
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Portugal e muitas regiões da Europa (com elevados custos de produção) dessa liberalização!
E, sobretudo, não se explica o sentido que faz a coerência de se propor no imediato o
«arranque» para reduzir a produção, e amanhã (2014) liberalizar o plantio. Mas sabe-se
que tal não é um absurdo da proposta da Comissão. É a forma de se proceder a uma
«deslocalização» da produção de vinho, com a eliminação dos pequenos produtores, a que,
eufemisticamente, o Relatório chama «selecção dos agentes dos sectores com
sustentabilidade» (Parte II, n.º 2.5, página 16), a liquidação de adegas cooperativas e o
esvaziamento de algumas regiões de viticultura de montanha, a favor da grande produção de
massa e regiões vitícolas da Europa, de produções com baixos custos e elevadas
produtividades, e de países terceiros.
Problema agravado, porque a Proposta da Comissão prevê «uma melhor circulação dos
direitos de plantação à escala comunitária» (Parte II, n.º 2, página 28), objectivo a que os
relatores dão, estranhamente (ou talvez não), o seu apoio. Então não se sabe o que vem
acontecendo no País com as transferências de direitos das regiões mais «pobres», de
montanha, para o Alentejo???
3. O Relatório partilha das considerações da CE de que a Reforma é imperativa para
corrigir o crescente desequilíbrio entre a produção e o consumo.
Mas foi feita a exacta e correcta avaliação da dimensão, tipo e origem dos excedentes?
E as importações? Mas haverá resposta para os excedentes na Europa, se por cada hectare
arrancado na Europa, se importaram mais 50/100 hectolitros! É possível o equilíbrio sem o
controlo das importações? Então, e o vinho de vinhas irregulares e ilegais! Que medidas
efectivas para lhe responder? E os volumes de vinhos multiplicados por recurso de
práticas enológicas (?), que têm pouco a ver com vinho e uvas, a partir das quais é
suposto produzir-se vinho!
Mas sobretudo «arranca-se» hoje e amanhã «liberaliza-se»! Que equilíbrio poderá ser
alcançado? É um absoluto contra-senso! A não ser que se pretenda transferir, como acima
referimos, área da pequena e média produção europeia para a grande produção, e sobretudo
para os produtores de fora da Europa!
4. O Relatório aceita a generalidade das propostas orçamentais que acompanham a
Reforma da CE, que se traduzirão na redução do financiamento para Portugal.
Mantendo a verba global média de 40 milhões de euros/ano (2001/2006), a passagem de 6,2
milhões para acções de promoção reduz a verba para a reestruturação da vinha e transfere, de
facto, verbas da produção para o sector do comércio. A passagem, no horizonte de 2014, de
32% de financiamento comunitário para o Desenvolvimento Rural, arrasta o risco, à
semelhança de programas anteriores e por causa dos constrangimentos do Orçamento do
Estado Português, de ficarem disponibilidades financeiras comunitárias por gastar.
5. Outros aspectos abordados no Relatório merecem igualmente crítica e contestação por nuns
casos iludirem problemas importantes, e noutros darem o seu acordo às propostas da
Comissão. Caso da aceitação da continuação da circulação comercial de vinhos sem
indicação geográfica do país de origem, mas que podem ter inscritos nas garrafas ano de
vindima e castas, para maior confusão dos consumidores. Ou a continuação da venda legal
de massas hidroalcoólicas europeias (e de países terceiros) sob o título de «Mistura de
Vinhos de Diferentes Países da Comunidade Europeia»! A simplificação da rotulagem só
pode beneficiar quem não tem para colocar no rótulo nada, a não ser o grau alcoólico!
Relativamente às práticas enológicas, e não repetindo o que já se disse sobre a chaptalização,
faz-se uma defesa pouco desenvolvida e fundamentada do uso de «mostos» na correcção
alcoólica. E nada se diz sobre se se aceita ou não o fim do título alcoólico natural mínimo do
vinho?!
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Nada se acrescenta sobre a importância de se admitir, mesmo com o estabelecimento de um
período de transição, que as aguardentes vínicas a utilizar na beneficiação de mostos
para a produção de vinhos generosos – caso da Região Demarcada do Douro, fossem
preferencialmente produzidas a partir de massas vínicas produzidas regionalmente.
A passagem do Conselho Europeu para a Comissão da competência na aprovação de novas
práticas enológicas é outra questão inaceitável para os interesses nacionais, em particular
quando, com o novo Tratado, se vão eliminar o comissário permanente por país.
III – Conclusões:
1. Temos a certeza que esta Reforma, centrada na liberalização dos mercados e da
«competitividade», com o vinho tratado como um qualquer produto industrial, não responderá
aos problemas da vinha e do vinho em Portugal nem sequer na Europa. Antes os agravará a
todos!
Vão arrancar-se 200 ou 400 mil hectares!
Amanhã, vamos ter no mercado europeu mais 10/20 milhões de hectolitros de vinhos
importados! (Ou seja, os volumes que hoje se consideram excedentes e que justificam a
Reforma!). Como, aliás, sucedeu com a anterior reforma da OCM dos vinhos!
O que está de facto a organizar-se é a deslocalização da produção de vinho e de vinha para
outros países! Deslocalização dirigida e paga pela União Europeia, isto é, pelos dinheiros dos
contribuintes europeus!
O arranque de 200 mil hectares significará também um novo golpe no emprego agrícola (o
número de UTA por hectare de vinha é duplo do observado nas explorações com outras
culturas) provocando o seu aumento e uma consequente desertificação das zonas mais
atingidas.
Com esta reforma o remédio poderá matar definitivamente o doente!
2. Outra Reforma é necessária e possível. Uma Reforma que tivesse como eixos centrais:
– O controlo da qualidade – defesa das denominações de origem – defesa dos nossos
vinhos ligados a solares bem específicos;
– O controlo do comércio externo da União Europeia (e a exigência de reciprocidade total
nas trocas comerciais!);
– O controlo das áreas de vinho e dos direitos de plantação;
– A especificidade das regiões vitícolas europeias;
– O «vinho» como um produto agrícola «cultural».
3. O Relatório em análise não responde às objecções e considerações referidas atrás. É
um Relatório que não serve nem defende a vitivinicultura regional, o património
vitivinícola nacional e, em particular, o das suas regiões demarcadas mais antigas, como
o da Região Demarcada do Douro e o das Regiões Demarcadas dos Vinhos Verdes, do
Dão, da Bairrada, e outras. Razão para o voto contra do Grupo Parlamentar do PCP.
IV – Duas notas finais:
1ª – É notável que o Relatório Parlamentar não faça nem uma vez menção às posições
do Governo Português sobre a Proposta da Comissão Europeia para a Reforma da OCM
do Vinho. Mas deve assinalar-se que é uma consequência lógica do total desconhecimento da
Assembleia da República sobre qual foi de facto o ponto de partida do Estado Português, que
até presidiu ao Conselho Europeu dos Ministros da Agricultura, durante o processo de debate
da OCM nos órgãos da União Europeia, e que acaba mesmo por presidir à reunião do
Conselho que aprova a Reforma (17 de Dezembro de 2007);
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2ª – A «inutilidade» do Relatório da Assembleia da República. O objectivo da elaboração
do Relatório, e de todo o trabalho realizado pela Subcomissão de Agricultura da CAEIDR, com
inúmeras audições aos principais agentes da fileira vitivinícola, uma audição com deputados
portugueses no Parlamento Europeu e uma Conferência (24 de Maio de 2007), onde participou
o ministro da Agricultura do Governo Português e a Comissária Europeia da Agricultura, era
evidente: suportar uma posição da Assembleia da República que permitisse influenciar e ajudar
o Governo Português e outros representantes do País na União Europeia, a defender os
interesses dos vitivinicultores e da vitivinicultura portuguesa. O debate e a sua aprovação em
sede de reunião da CAEIDR, no próprio dia em que se iniciava o Conselho Europeu da
Agricultura, que tinha como agenda a conclusão da Reforma da OCM do Vinho, torna-o
completamente inútil! Que sirva pelo menos de experiência para outros relatórios.
Lisboa, 4 de Janeiro de 2008
Agostinho Lopes
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