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9 de julho de 2024

O debate e os candidatos à presidência dos EUA - "os sinos dobram por nós"

Agostinho Lopes   
«Para meditação dos que defendem os círculos uninominais:

mais uma vez o sistema de círculos uninominais do Reino Unido

mostrou a sua intrínseca bondade “democrática” nas eleições do

passado dia 05JUL24. O Partido Conservador com 23,7% dos

votos obteve 121 mandatos (18,6% dos mandatos), o Partido

Liberal Democrata com 12,2% dos votos alcançou 71 mandatos

(10,9% dos mandatos) e o Partido da Reforma UK com 14,3% dos

votos conseguiu 5 mandatos, (0,8% dos mandatos. Ou seja, com

menos 2,1 pontos percentuais na percentagem de votos o Partido

Liberal Democrata tem 14 vezes mais deputados que o da

Reforma. Notável! Porque será que a comunicação social

portuguesa não fala disto??? »

                                **********************

É notável o que se escreveu (1) a propósito do debate entre os

candidatos à Presidência dos EUA, denominados por alguns de

“maior democracia do mundo”.



“É sintoma de decadência da democracia americana um embate

entre o sociopata Trump e um Biden com neurónios aposentados”

(MJM).

“Se fosse num filme, o debate entre Trump e Biden seria uma

hipérbole da crise das democracia ocidentais. Uma caricatura

ficcional. Mas o filme de terror é real. De um lado temos Trump a

ser Trump: um pirómano e mentiroso compulsivo. (…) Só que o

debate mostrou que Biden é um candidato pior do que um cartoon

da Disney. Os primeiros 20 ou 30 minutos do debate – não vi mais

porque me incomodava ver alguém a fazer aquela figura –

mostraram um velho, com toda a simpatia que a palavra merece,

que não está na posse plena das suas faculdades mentais. O seu

olhar perdido e a forma como tinha a boca, como se atrapalhava a

falar, como não se recordava do que queria dizer ou como

misturava assuntos não familiares a qualquer pessoa que tenha

visto o seu pai ou avô num processo de perda de faculdades

mentais.” (LAC).

“Por trás das aparências, um velho guerreiro vencido por um velho

vicioso que nas andanças políticas é um novo guerreiro, nascido

praticamente em 2016, o que aconteceu perante os olhos do

mundo foi a morte da política do século XX. Ou se quisermos, de

um certo modo de fazer política que durante décadas obedeceu

aos mesmos códigos e regras de civilidade e urbanidade.”

(Excepto, quando valia tudo menos tirar olhos…) (CFA).

Ou seja, no fundamental tivemos de um lado um santinho

envelhecido e do outro o belzebu muito remoçado!

Foi pena que os canais televisivos não se tivessem lembrado de

chamar, para avaliar a prestação dos candidatos, os nossos

comentadores-especialistas em classificação dos participantes em

debates eleitorais. Mas julga-se que as notas não andariam longe

do seguinte: Biden, zero porque não esteve presente, e Trump,

zero por ser um ser maléfico. Isto é um empate absoluto, apesar

de uma tendência positiva para Biden, dada a sua condição de

“velho guerreiro” (CFA), apesar de já não ser o que foi!

Porquê? De que forma? Quem é responsável? Como tal aconteceu

com o farol universal da “democracia liberal”?

O debate para os nossos comentadores foi algo impensável,

impossível, inimaginável e mesmo, ou sobretudo, inexplicável.

Assim a racionalização do sucedido, a compreensão do

acontecimento, a explicação de como os EUA, a sua sociedade, o

seu capitalismo, a sua democracia chegou onde chegou, ficou sem

qualquer resposta e toda a prosa (e foi muita) expendida sobre o

debate traduziu-se em adjectivação mais ou menos agressiva, e

zero em matéria de argumentação substantiva.

Para JPTF, e é dos poucos a fazer um esforço explicativo, a razão

é que “vivemos tempos estranhos”, e é “extraordinário como um

Estado que nos habituamos a ver como um modelo de democracia

liberal tem, de novo, um candidato presidencial como Donald

Trump.” Serão de facto os tempos anormais, esquisitos, fora da

história, ou uma anormalidade o aparecimento de Trump,

Bolsonaro, Milei, Meloni, Le Pen, etc.? Mas JPTF procura justificar

a estranheza dos tempos, e o facto do aparecimento de ovnis

políticos com a “A enfermidade populista da democracia

americana”. O populismo tudo explica sem nada explicar: “Não é

por acaso que a política norte-americana é, nesta altura, a mais

intoxicada no Ocidente pela lógica populista. Nela emergiu uma

estranha e imprevista (lá está a estranheza e a imprevisibilidade)

ligação entre tecnologia, informação, entretenimento, obsessão

pela novidade e pelas audiências e política. Emergiu gradualmente

a partir das últimas décadas do século XX, mas, neste primeiro

quartel do século XXI, adquiriu uma dimensão que a torna cada

vez mais intoxicante da democracia liberal. Tal como a maioria da

geração mais recente de populistas, Donald Trump é um resultado

dessa combinação. Nesse sentido, o seu populismo está

indissociavelmente ligado ao actual “american way of life” e à

sociedade em rede.” Mas que sentido é que isto faz? E então o

Biden, e tudo o resto? O que explica a nascença e a manutenção

dessa “combinação tóxica”! O que explica “as grandes

transformações demográficas, culturais e de valores das últimas

décadas – que acentuaram as diferenças entre as grandes cidades

e Estados da federação das costas Leste e do Oeste face ao resto

do país – até às políticas de identidades que dividiram a

sociedade, passando pelos efeitos negativos e pelas

desigualdades criadas pela globalização.” Como o capitalismo

mais avançado e o “modelo de democracia liberal” apodreceu a

sociedade americana, degradou a democracia e produziu esses

mostrengos, JPTF não o diz.

Outros articulistas são bastante mais directos nas suas canhestras

explicações. É a existência do malvado do Trump, e nada a dizer

quando aparecem seres deste calibre! Aparecem, brotam, surgem,

talvez por geração espontânea! E então este com uma grande

apetência de poder e vontade de vingança, JPP dixit (2). Mas não

está só: para TS, “O anterior Presidente (Trump) sonha com a

vingança contra todos os que, dentro ou fora do seu país, lhe

fizeram frente – é este o seu principal objectivo, para além da

possibilidade de perdoar-se a si próprio pelos crimes que

cometeu.” E MST compartilha: “os Estados Unidos da América, a

“nação indispensável”, o país mais poderoso e venturoso do

mundo prestes a entregar-se nas mãos de um político

inqualificável: ignorante entre os ignorantes, ego demente, boçal,

mentiroso compulsivo, cego de ódio e desejo de vingança.” (arre,

que catilinária!!!)

Mas é evidente que Trump não está sozinho nesta marosca para

dar cabo da “nação indispensável”. Não se esqueçam de Putin

com ou sem conspiração universal! CFA explica: Trump não é dono

de Trump. Quem é? Um sistema difuso de alianças

geoestratégicas e táticas entre os poderes planetários (quem

são?), e na América entre o dinheiro de Wall Street, as indústrias

dos recursos naturais, do petróleo, das comunicações e das

armas, e a sagração da IA (põe o dedo na ferida). A ideologia

libertária de um Musk, um Peter Thiel, um Bezos, ou um

Zuckerberg, dos grupos Meta, Apple, Amazon, Microsoft ou

Alphabet (outra vez o dedo na ferida), os gigantes mais visíveis, é

uma: continuar as experimentações avançadas sem taxação ou

perturbação por estados ou entidades.” Mas não só, e estraga o

que disse: Trump é “A marioneta, que ditadores estrangeiros

podem manipular através dos agentes de influência espalhados na

matrix e no planeta. Putin tem a mão longa (Salazar falava sempre

no dedo de Moscovo!), está em toda a parte (é Deus! ) A China (já

cá faltava!) tem a mão invisível (é o mercado!). Não são os únicos.

O jogo é universal. Neste mundo que nasce a toda a velocidade,

que inebria e anestesia, a imagem de um velho titubeante seria

intolerável.” Para quem? Logo, malandros, sabotaram o debate do

Biden para o pôr fora da carroça... Isto “Não é apenas fumaça”, diz

CF, a propósito do orgulho de Banon (ex-director de campanha de

Trump) de ser um “preso político” no processo do assalto ao

Capitólio: “Os populismos extremistas alimentam-se assim e a

repetição de narrativas desta natureza, um pouco por todo o

Ocidente, revela que as mesmas não são fruto do acaso. Ou seja,

existe uma estratégia pensada à escala global de subversão do

Estado de direito que visa capturá-lo. As mensagens da União

Nacional, em França, da União Cívica, na Hungria, ou do Chega,

em Portugal (e podia acrescentar o Trump, Bolsonaro e etc.),

embora com matizes diferentes apontam todas na mesma

direcção: apelam ao nacionalismo, agitando os problemas da

imigração, pretendem fragmentar a União Europeia e fomentam a

insegurança.” Atenção “Ocidente”, cuidado com a conspiração

populista, certamente apadrinhada por russos e chineses...

Para MST, a responsabilidade cabe toda às redes sociais – ideia

que CFA partilha, mas de forma não tão absoluta – que construiu

um mundo de “ressabiados”. “Desde as aventuras da Cambridge

Analytica na manipulação de vontades e votos no “Brexit”, na

eleição de Trump ou na de Bolsonaro, aprendemos que o célebre

algoritmo se tornou no instrumento perfeito para a formação e

manipulação das opiniões públicas, seleccionando sabiamente a

informação recebida pelos utentes de acordo com a vontade do Big

Brother, assim canalizando as suas opiniões para o sentido

pretendido.” E discorre, “Assim quem viu o debate entre Trump e a

sombra de Joe Biden (…) viu o que seria inimaginável de ver em

qualquer democracia. Esteve ali, indecorosamente exposto, tudo

aquilo que eu considero o resultado fatal da derrota de um mundo

minimamente decente, com valores e pudores minimamente

aceitáveis, face à libertinagem moral e cívica da gente das redes

sociais.” Não se compreende: as redes sociais (que têm a

responsabilidade de muita coisa) são responsáveis pelo estado

mental de Biden? Pela sua indigitação/aceitação pelo Partido

Democrata? Por não conseguirem substituí-lo? E as mesmas

interrogações, com as devidas adaptações, aplicam-se a Trump.

MM mergulha, como sabemos, semanalmente no Expresso na

grande geoestratégia. “Vivemos um período de transição do

sistema internacional.” (É um facto.) Ora “O verdadeiro significado

histórico de Donald Trump é o facto de ele questionar os benefícios

para os EUA da “Pax Atlantica” que será assinalada na próxima

semana na cimeira da NATO em Washington. Para Trump e muitos

americanos à direita e à esquerda, a China é o mais importante

rival estratégico dos EUA. A atual Administração concorda, mas vê

na Ucrânia e na Pax Atlantica a melhor forma de comunicar

estrategicamente (??? O que é isto?) com Pequim. A dificuldade é

que Joe Biden terá de provar nas próximas semanas e meses que

conseguirá fazer uma campanha competente (Como MM?), ganhar

as eleições a Trump e ser Presidente até 2028. Como se regista,

para MM as diferenças Trump/Biden não são muitas... e tem razão.

E qual é a explicação de MM para a situação que vivemos? “Na

realidade, o processo de adaptação norte-americano e dos países

do Velho Continente aos factos políticos internos e externos

promete ser muito mais difícil do que pensamos.” E que factos são

esses MM? E qual a razão das dificuldades? MM não esclarece.

Afinal restou MJM para se aproximar de qualquer coisa que

desvendasse o confuso quadro do debate. Mesmo assim ficou a

meio do caminho. “Porém aquele debate e aqueles dois candidatos

levantam questões mais fundas do que a capacidade de Biden. Ou

quem afinal toma decisões atualmente na Casa Branca (Biden não

é certamente) (…) As questões são mais fundas e dilacerantes. Há

uns anos escrevi nesta página sobre a crise da velha democracia

americana. As instituições desenhadas para o fim do século XVIII,

então visionárias e disruptivas, falham para o século XXI. A

constituição americana depende mais dos incumbentes do que das

instituições na hora de limitar o poder de um protoditador. (…)

Talvez esta dupla subdotada seja um sinal do declínio e queda do

império americano”. E qual a razão para o declínio e queda? MJM

nada acrescenta… não sei se não remeterá para o declínio e

queda do império romano, ou de que os impérios, lá chega o dia,

em que chegam ao fim…

Não é por acaso que não se racionaliza e se argumenta sobre as

causas da situação política (e económica, cultural, ideológica) dos

EUA, em toda a sua complexidade e com todas as suas

contradições, neste iniciado século XXI! O que foi a base da

“tragédia” do debate Biden/Trump, independentemente do que se

seguir e for o resultado das eleições em marcha. As razões

profundas da crise e crises que atingem os EUA e o imperialismo

que continua a suportar. As impossibilidades políticas e ideológicas

dos comentadores de assumirem a crise do sistema capitalista e

da necessidade para os povos, incluindo o povo dos EUA de

superarem o modo de produção capitalista. Os preconceitos em

ultrapassarem os limites teóricos, económicos, políticos e

ideológicos do “idealismo filosófico” e do neoliberalismo. A

impossibilidade de contradizerem o que andam há décadas a

escrever e dizer nos órgãos de comunicação social sobre a

“democracia” americana e o “paraíso na terra” da sociedade

americana, e a intervenção imperialista dos EUA no mundo – por

exemplo, o silêncio que fazem sobre as suas centenas de bases

militares espalhadas por todo o planeta e as dezenas de agressões

militares a países soberanos nas últimas décadas. Pois é, mas a

verdade dos factos é como o azeite….

Mas tem razão CFA quando, observando o debate e o que vai pelo

mundo, afirma que “Os sinos dobram por nós”. Parafraseia

Hemingway de “Por quem os sinos dobram”, mergulhado no

confronto da Espanha Republicana, aliada aos comunistas e forças

de esquerda de todo o mundo, enfrentando as hordas fascistas de

Franco apoiado por Hitler e Mussolini, e a “neutralidade” da social

democracia europeia e americana. Mas podia acrescentar: os

sinos dobram também pela Ucrânia e Gaza, pelo Iraque, Líbia,

Síria, Afeganistão, pelo Yemen. Dobram pelas mortes e destruição

do imperialismo norte-americano, que estrebucha, resiste a todo o

custo contra a perda da sua hegemonia e supremacia planetária.

PS: Para meditação dos que defendem os círculos uninominais:

mais uma vez o sistema de círculos uninominais do Reino Unido

mostrou a sua intrínseca bondade “democrática” nas eleições do

passado dia 05JUL24. O Partido Conservador com 23,7% dos

votos obteve 121 mandatos (18,6% dos mandatos), o Partido

Liberal Democrata com 12,2% dos votos alcançou 71 mandatos

(10,9% dos mandatos) e o Partido da Reforma UK com 14,3% dos

votos conseguiu 5 mandatos, (0,8% dos mandatos. Ou seja, com

menos 2,1 pontos percentuais na percentagem de votos o Partido

Liberal Democrata tem 14 vezes mais deputados que o da

Reforma. Notável! Porque será que a comunicação social

portuguesa não fala disto???

(1) Por ordem alfabética: Celso Filipe (CF), Jornal de Nogócios;

Clara Ferreira Alves (CFA, Revista Expresso; Pacheco Pereira

(JPP), Público; José Pedro Teixeira Fernandes (JPTF), Público;

Luís Aguiar-Conraria (LAC), Expresso; Mª João Marques (MJM),

Público; Miguel Monjardino (MM), Expresso; Miguel Sousa Tavares

(MST), Expresso; Teresa de Sousa (TS), Público.

(2) Ver artigo “Os mais perigosos do mundo, segundo Pacheco



Pereira”, Agostinho Lopes, Expresso onlin
e, 10JUN24.

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