Brasil 111
Os chefes de Estado de Níger, Mali e Burkina Faso reuniram se pela primeira vez no início do mês em Niamey, capital do Níger, onde criaram a Confederação da Aliança dos Estados do Sahel. O novo bloco africano não só é reflexo do fracasso das políticas do Ocidente para a África, como também pode redesenhar o futuro do continente.
Recém-criada, a Confederação do Sahel surge como um novo polo geopolítico na África Ocidental. O que levou à criação do bloco? Quais são seus objetivos? Essas e outras questões foram abordadas no Mundioka desta sexta-feira (26)
Do macro ao micro: por que a Confederação foi criada?
Os entrevistados do Mundioka apontaram diversos motivos que culminaram na necessidade de Mali, Burkina Faso e Níger criarem a Confederação do Sahel, como a necessidade de defesa mútua.
Em termos históricos recentes, aponta Rafaela Serpa, doutoranda em ciência política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a
intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na
Líbia, em 2011, criou um grande problema de terrorismo na região,
com vários grupos ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico (organizações
terroristas proibidas na Rússia e em vários outros países) atuando na
região.
"Mais de dez anos depois, esses grupos permanecem fortes, inclusive depois de operações na região lideradas pela França, como a Barkhane e a Operação Serval."
Mal resolvida pelo Ocidente, a violência na região precipitou a criação de novos governos militarmente fortes.
Só
que ao assumirem o poder, essas novas lideranças se viram na mira da
Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que impôs sanções econômicas e ameaçou uma intervenção militar no Níger para restaurar o antigo presidente.
Segundo Sofonias Lopes Jó,
pesquisador do Grupo de Estudos em Capacidade Estatal, Segurança e
Defesa (Gecap) ligado à Faculdade de Relações Internacionais da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), esse caráter da CEDEAO fica
evidente ao observar como a organização se portou diante de outras
mudanças de governo na região.
"O ex-presidente Macky Sall,
do Senegal, queria fazer um terceiro mandato mesmo contra a
Constituição. Qual foi a posição da CEDEAO perante isso? Nada. Há um
golpe institucional em Guiné-Bissau em 2020 com o presidente Umaro Sissoco Embaló. Qual a posição da CEDEAO? Nada."
Essa característica, diz Charles Pennaforte,
professor e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações
Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel), aponta para os grandes motivos geopolíticos
que levaram à criação da confederação.
"A África hoje é um palco de disputa de grandes potências geopolíticas",
diz Pennaforte, e a França, que colonizou e ainda mantém grande
influência política e econômica na região, "pouco ofereceu de concreto
para esses países".
Nesse sentido, a criação da confederação é uma tentativa de buscar um caminho próprio e alternativo de integração e autonomia,
dizem os analistas. "E quem aparece nesses cenários?", questiona
Pennaforte, "Países que, de alguma forma, também são sancionados" e têm
importância no xadrez geopolítico global, como é o caso da Rússia, do
Irã e da Turquia.
O que significa a criação de uma confederação entre os 3 países africanos?
Assinado em 6 de julho em Niamey, o estatuto da confederação iniciou um processo maior de integração entre esses Estados, desde uma maior coordenação militar, como a criação de uma força de segurança unificada e o "desenvolvimento de novas instituições de apoio", detalha Serpa.
Dentre
essas metas está a unificação das relações diplomáticas com o exterior —
"as relações com cada país agora precisam ser com os três" —, o livre
movimento de pessoas, bens e serviços (que já existia na CEDEAO), a criação de um banco de investimentos, um fundo de estabilização e a cooperação em setores estratégicos, como água, agricultura e energia.
O grande destaque, contudo, é o aumento da cooperação econômica como forma de diminuir a dependência do Ocidente.
Para
Jó, as divisões criadas pela França na região se mantêm após a
independência, criando similaridades entre esses países que podem
alimentar a União. Por isso, não é impensável a expansão da confederação
para incluir os outros países do chamado G5 do Sahel, Chade e
Mauritânia ou, ainda, o Senegal, que começa a se alinhar ideologicamente com o trio.
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