Agostinho Lopes.
«Deixem-se de politiquices. Entendam-se». «Bloco Central, evidentemente!» (1)
Nada de novo na frente ocidental... mesmo com o Chega! A «estabilidade» (e o que dizem
que ela arrasta, a «governabilidade») transformada em eixo central, chave das opções
políticas pós-eleitorais. (2) Nem uma pequena ilação se retira da recente e estável
estabilidade do Governo PS que foi pelo cano abaixo... Nada de admirar, foi em seu nome
que mais uma vez em toda a pré-campanha, e sobretudo na campanha, trabalharam com
afinco televisões, rádios, jornais e etc., com sondagens, debates, “candidatos a 1o
Ministro”, voto útil, laminação da esquerda, sobretudo da mais consequente como o PCP.
Nada de espantar é coisa que há muitos anos na democracia pós-25 de Abril serve para
consolidar maiorias parlamentares, absolutas ou não, e governos PSD com ou sem CDS, e
governos PS, num verdadeiro moinho de orações tibetano em prol da rotação de quem
governa, a dita alternância. Que de facto alterna a cara dos ministros para assegurar a
continuidade das políticas que desgraçam o país! (É evidente que há sempre quem ache
que nem tudo está mal, ou que tudo podia estar pior... de facto no tempo de D. Afonso
Henriques ou do Dr. Salazar o aperto era bastante maior!)... Nada de novo se continua a
haver gente de esquerda que continua a martelar esta tecla, mesmo que a música que se
segue desafine e vá suscitar as suas inevitáveis (e em geral justas) críticas. Gente que
podia pelo menos interrogar-se: estabilidade para quê? Para fazer que política?
Estabilidade para continuar a estrumar a terra que fez crescer e medrar o Chega?
No pós-Legislativas de 10MAR24 não podia ser diferente! Anda meio mundo, ou mais, a
pregar a «estabilidade». Ouvem-se gritos lancinantes. E as vozes amplificadas pelos media
obedientes repartem-se por três hipóteses, desde que o resultado seja a «estabilidade» e a
correspondente governabilidade em três hipóteses, qual delas a mais interessante.
Os adeptos do «tanto faz», desde que haja «estabilidade» para fazer a «mudança». De que
foi porta-voz Cláudia Azevedo, CEO da SONAE, enquanto apresentava as contas da
SONAE, que evidenciavam que na SONAE não há mudança: crescimento dos lucros
acima da taxa de inflação, pese o agravamento das condições de vida dos consumidores e
baixos salários (a subida da massa salarial pode resultar do aumento do n,o de
trabalhadores e do crescimento das remunerações dos administradores, CEO incluída!).
Diz a CEO: «As pessoas sentem que as políticas não tratam da sua vida. Disseram: Por
favor entendam-se para corrigir as coisas». «Acho que houve um grito de mudança grande,
e é importante, qualquer que seja a solução governativa. Deixem-se de politiquices.
Entendam-se». Ou seja, PSD com PS, ou PSD com Chega, para que haja estabilidade, para
«corrigir as coisas», para políticas que tratem da vida das pessoas. Também o CEO da
Jerónimo Martins se pronunciou por «mudar», mesmo se não é claro no que quer dizer
com isso: «neste momento, a fraca qualidade dos nossos políticos obriga-nos a pensar se
não devemos mudar enquanto sociedade» e que o problema do país não é a falta de
dinheiro mas antes «a falta de qualidade e a falta de gestão das pessoas». Há uma coisa que
se pode garantir a Soares dos Santos, é que a qualidade dos políticos portugueses não vai
mudar com a eleição de 10 de Março! Será que estava a sugerir para os importar da
Polónia ou da Colômbia?
Talvez fosse de propor aos dois grandes empresários da Grande Distribuição que, face à
sua vontade de «mudar», aceitassem uma mudança das suas políticas empresariais,
garantindo: uma política laboral que reduzisse a precariedade e colocasse os salários da
imensa maioria do seus trabalhadores (mesmo no topo da carreira) bem acima do Salário
Mínimo; pusessem fim ao abuso de posição dominante e abuso de dependência económica
na relação com a maioria dos seus fornecedores (em geral MPME) viabilizando os seus
negócios através de margens adequadas, e regularizassem a sua relação com a Autoridade
Tributária pagando primeiro os seus impostos, contestando-os depois, se for caso disso,
como acontece com a generalidade dos contribuintes. Mas não deve haver lugar a dúvidas:
estas serão preocupações a resolver por um futuro governo, PSD/CDS/IL/CH, ou
PSD/Bloco Central com PS, explícito ou implícito...
Depois temos os entusiastas do Bloco Central puro e duro, como António Barreto (AB), ou
submerso como sugere Manuel Carvalho (MC).
AB não tem dúvidas. E é claríssimo: «Bloco Central, evidentemente». Pois «Só há duas
soluções possíveis, sem os arranjos habituais da classe política portuguesa (a solução de
AB que acontecer será de que classe política? extraterrestre?). Primeira: maioria directa
com coligação ou aliança entre a AD e o Chega. Segunda: um bloco central entre o PSD e
o PS. Todas as outras são receitas para o desastre». E justifica: «Mas como Portugal
precisa de soluções importantes e duráveis. Precisa de estabilidade e força parlamentar.
(...) Requer uma excepcional capacidade de junção de esforços e de convergência de
forças sociais». E como «A coligação entre a AD e o Chega é muito capaz de tudo
agravar», branco é, bloco central o põe! Dois registos ainda sobre esta brilhante declaração
de AB. Um é que não se lembrou de que a 1.a experiência de um governo de Bloco Central
de má memória só gerou miséria e acabou em águas de bacalhau antes do tempo – dois
anos, como a maioria absoluta do PS... Aliás, sucedendo também à 1.a experiência falhada
de uma AD, em que o próprio AB participou através de um dito Movimento dos
Reformadores. E depois comover-nos com as lágrimas de AB, crocodilo satisfeito
pensando ser peixe-palhaço: «Em Beja (em Beja meu Deus) o PCP não conseguiu eleger
um deputado!»
Para Manuel Carvalho tudo deverá ser feito para evitar o «abraço do Chega», e isso
significa, porque a «democracia é a arte do possível e o espírito de compromisso é o
cimento que lhe dá eficácia e consistência», que se espera que o PS, «líder da oposição»,
viabilize o Governo PSD, nomeadamente, «diplomas em sede parlamentar. Incluindo um
OE». «Basta-lhe a abstenção para manter o frágil equilíbrio do Governo e o Chega
afastado do centro de decisão». E claro, para que tal cenário seja possível, «terá de ser a
AD a criar um clima de compromisso no qual se reflictam também as propostas e os
limites do adversário». «A AD tem, por isso, de se abster de provocações ao PS, desistindo
de por exemplo de apresentar um orçamento rectificativo. Depois, terá de redigir um
orçamento despido de dogmas, como o que sustenta a fé na baixa dos impostos, no qual
Deus aparece como bom mas onde o diabo também não é mau. Um orçamento defensivo,
sem ousadias, insosso e palatável para que o PS e os partidos mais ao centro o possam
negociar». Ai que mudança, ai que estabilidade tudo isto promete! E sobretudo a viragem
nas políticas que ponham fim ao crescimento do Chega! Sobretudo as políticas, que
segundo MC «Nas periferias das grandes cidades ou nas vilas agonizantes do interior
criou(-se) em silêncio uma multidão de deserdados que no dia 10 de Março decidiu lutar
por um lugar na representação política». Que para o concretizar votaram no Chega. Para
MC «a maioria dos portugueses quer estabilidade, quer que o Governo
governe em respeito pela democracia e, como a experiência demonstra, tratará de castigar
o “bota-abaixismo”; depois, todos sabem, ou pelo menos suspeitam, que este caldo de
instabilidade é um poderoso nutriente da extrema-direita. E assim deve-se evitar a crise
política através do Governo PSD viabilizado pelo PS, caso contrário oferecemos «a melhor
prenda ao Chega». Não se percebe é como uma maioria absoluta do PS gerou
instabilidade, e pior, como o “bota-abaixismo” do PSD, Chega e toda a direita durante
estes anos, nomeadamente os dois de maioria absoluta, fizeram o Chega crescer e a direita
ganhar as eleições! Há aqui qualquer coisa que não bate certo...
E, finalmente, temos os apóstolos da solução «estável» PSD/Chega (com ou sem IL), que
não são poucos, para lá de Ventura e correligionários... É fácil adivinhar o que pretendem
porque nunca esconderam ao que vinham: sufragar no programa eleitoral do PSD (AD),
insuflado e empolado, o programa do Chega e de outros chegas que por aí andam,
nomeadamente os que lhe alimentam a tesouraria e a propaganda! Poderíamos falar de
Passos Coelho/Portas/Relvas que nunca desistiu de concluir a 100% o programa contra-
revolucionário da troika..., interrompido em 2015 graças ao PCP. Mas não será preciso,
porque ninguém duvida que não há nenhum fosso ideológico e político (e muito menos
cordão sanitário, sem precisarmos de ir até aos Açores), entre o PSD/CDS (que alguns
baptizam de direita democrática, que outros ainda classificam ou imaginam social-
democrata!) e o Chega. A este afluíram votos (3), candidatos, ex-deputados, ex-dirigentes,
apoiantes financeiros, etc. do PSD e CDS. Personagens que acorreram ao Chega em busca
do «tacho» e outras sinecuras, a começar pelo líder Ventura, feito, formatado
«personalidade política» em candidatura do PSD! Onde aliás exibiu todos os truques e
tiques de desbragado «Chefe de Castelo» (no máximo «Chefe de Bandeira») dos seus
mestres de outros tempos... O «não é não» foi clara táctica eleitoral de Montenegro, que
resultou bem, mas de que agora tem alguma dificuldade em desenvencilhar-se... mas que
vai resolver com muitas e boas ajudas que estão em curso...
É o caso claríssimo das palavras de Bagão Félix: «O “não é não” de Montenegro fez
sentido na campanha; agora o contexto é outro.» Isto é, fora da campanha o não é sim. Já o
sabíamos dos Açores... O que o antigo ministro de governos PSD/CDS nos vem dizer com
toda a candura e brutalidade é que a mentira é um instrumento legítimo em campanha
eleitoral! É um isco em anzol eleitoral na pesca de votos! O Chega não inovou nada,
copiou tudo. Mas tudo bem, registamos, mesmo se já o sabíamos... como é possível não
recordar a enorme mentira/fraude monumental que foram os programas e campanhas
eleitorais de PSD e CDS na campanha das Eleições de 11 de Junho de 2011, a que se
seguiu o governo da troika PSD/CDS, Passos Coelho/Paulo Portas?
Não podemos deixar de reflectir sobre a inanidade dos que pensam que travam o Chega
com o «cordão sanitário» não falando com o Chega, e etc., enquanto o Bloco Central leva
a cabo as políticas que alimentam o Chega! Ou, aspas aspas, idem idem, abraçam o Chega
para que o Chega os devore enquanto fazem as malfeitorias do programa do PSD
«melhorado/benzido» com as «bondades» do programa do Chega...
Ou seja se há milagre que a «estabilidade« do governo, qualquer que seja a solução, não
fará é mudar as políticas, o conteúdo das políticas, que até hoje asseguraram a
prosperidade do Chega. Porque elas estão no cerne dos programas do PSD, IL, com ou sem
Chega! A junção do PS só reforçaria essas soluções, porque, infelizmente, o programa do
PS comporta núcleos centrais e opções estratégicas das propostas do PSD.
Se alguém quer mesmo correr com o Chega pare para pensar: se o Chega nasceu por obra e
graça da política de direita, o caminho possível para travar o Chega exige mudar de
política. Mudar de rumo, defender e realizar uma política de esquerda.
(1) As citações de AB são retiradas do art.o ,«Bloco central, evidentemente», Público,
11MAR24; as de MC do art.o «O compromisso em tempos de cólera», Público, 14MAR24
e as restantes de diversos órgãos de imprensa.
(2) A «estabilidade» é velha como a Sé. Um exemplo: a CIP, pela voz de António Saraiva
em Novembro de 2018: «O governo e o PS, pela perceção que, na minha opinião, os
portugueses têm da estabilidade política, da bondade de algumas das medidas que o
governo, gerindo perceções, lhes transmitiu, tem condições para melhorar. Não sei se
obtendo a maioria absoluta ou ficando perto dela. Se assim for, liberta-se ou de um ou de
dois pesos. Talvez o país ganhe com isso».
(3) É evidente que o Chega teve dezenas de milhares de votos que erradamente pensaram
que estava ali a representação da sua indignação e desespero causados pelas malfeitorias
da política de direita do PS e PSD.
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