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25 de março de 2024

Um sistema que traz inflação, fome e desperdício

Os fundamentalistas de mercado querem que acreditemos que deixando o fornecimento de todas as necessidades humanas às ternas misericórdias de mercados desregulados, uma cornucópia de riqueza fabulosa chegaria a todos. Uma poderosa mangueira de propaganda proclama isso incessantemente, amplamente financiada por aqueles cujo interesse reside em acumular riqueza ilimitada sem levar em conta os danos sociais ou ambientais.

Friedrich Hayek, ao propagar a Escola Austríaca de Economia, precursora da Escola de Chicago de Milton Friedman, chegou a afirmar que a solidariedade, a benevolência e o desejo de trabalhar para a melhoria da comunidade são "instintos primitivos" e que a civilização humana consiste em uma longa luta contra esses ideais, e "a disciplina do mercado " é o provedor da civilização e do progresso. Friedman, venerado por aqueles que se tornaram cada vez mais ricos e poderosos através do aprofundamento do controle corporativo da sociedade, promoveu a ideia de que a única consideração para qualquer corporação é maximizar os lucros para os acionistas ; fazer qualquer outra coisa seria "imoral". Essa ideologia extremista é tão difundida que as corporações são rotineiramente atacadas por "acionistas ativistas" por não conseguirem extrair todo o dinheiro possível por todos os meios necessários, certamente incluindo redução de pessoal, mesmo que a empresa já seja altamente lucrativa.

As terríveis desigualdades, as guerras, o imperialismo, os milhares de milhões sem trabalho regular, as favelas e uma série de outros males, são produtos de permitir que os "mercados" determinem cada vez mais resultados sociais e de fazer de cada vez mais necessidades humanas uma mercadoria, mesmo básicas como água e habitação . Mas a alimentação?  Talvez aqui possamos encontrar um lado positivo na conquista corporativa do mundo? A agricultura fez enormes progressos ao longo do último século. As fazendas nunca foram tão produtivas e uma variedade de alimentos nunca esteve tão disponível.

No entanto, a alimentação é uma mercadoria numa economia capitalista. A inflação, não isentou os alimentos. A alimentação ficou muito mais cara nos últimos dois anos, refletida em custos de supermercado e contas de restaurante significativamente mais altos. Em geral, a ideologia corporativa de direita que domina completamente os media raramente perde a oportunidade de culpar os aumentos salariais por qualquer incidência de inflação. Sim, são os trabalhadores gananciosos que acreditam que devem receber um salário suficiente para realmente viver em troca de trabalho. Raramente, ou nunca, são apresentadas evidências para apoiar essas alegações. Pelo contrário, apresenta-se como um fato incontestável da vida. Assim tem sido nos últimos dois anos a inflação que se espalhou pelo mundo, como tem sido rotina há décadas.

Que tipo de "eficiência" vê bilhões passando fome? Vamos abordar a oferta de alimentos. Como afirma o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) The State of Food Security and Nutrition in the World 2023 , "a fome global em 2022, medida pela prevalência de subnutrição, permaneceu muito acima dos níveis pré-pandemia". O relatório da FAO estima que cerca de 10% da população mundial "enfrenta fome cronica" – cerca de 122 milhões de pessoas a mais estavam nessa categoria em 2022 do que em 2019. Usando uma medida mais ampla, mais de um quarto da população mundial está em "insegurança alimentar".

Um sistema que leva a resultados tão desumanos e indesculpáveis não pode ser considerado eficiente. Seria correto dizer que tal sistema é um fracasso abismal. Mas os números acima, por mais assustadores que sejam, provavelmente subestimam a escala real da fome. Num relatório da FAO, "Quase uma em cada três pessoas no mundo (2,37 bilhões) não teve acesso a alimentos adequados em 2020 – um aumento de quase 320 milhões de pessoas em apenas um ano" Um número ainda maior de pessoas não tem condições de pagar por uma alimentação saudável.

Um artigo, "Capitalism, Food, and Social Movements: The Political Economy of Food System Transformation", considera que mesmo a estimativa de mil milhões de pessoas está subestimado, devido a como a fome é definida: as pessoas só são identificadas como famintas se passarem fome 12 meses por ano e que essa medida é baseada na ingestão calórica, de cerca de 2000 quilocalorias, mas a maioria das pessoas famintas trabalham sob um sol quente durante todo o dia e estão amamentando uma ou mais crianças, precisando até 5000 quilocalorias por dia.

Porém, independentemente de como avaliamos é indiscutível que a agricultura capitalista é um fracasso. Aqueles que procuram absolver o "mercado" de qualquer responsabilidade apontam, com inspiração malthusiana, que o problema é a superpopulação. Mas são apenas desculpas para validar o sistema capitalista. Há alimentos suficientes para todos o problema é um sistema que não garante a acessibilidade e a eficiência aos bens fundamentais.

De: O sistema alimentar mundial nos traz inflação, fome e desperdício

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