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24 de julho de 2025

Conhecer ou não conhecer o "inimigo"

 Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você conhece a si mesmo, mas não o inimigo, para cada vitória que obtém, também sofrerá uma derrota. Se você não conhece o inimigo ou a si mesmo, sucumbirá a todas as batalhas. Sun Tzu, A Arte da Guerra.

Fico surpreendido com a pouca consciência dos governos ocidentais quanto às suas próprias (falta de) capacidades, bem como da natureza e das capacidades dos seus "inimigos". Tendem a ignorar factos económicos e sociológicos básicos dos seus oponentes. Operam de acordo com os absurdos em que acreditam sobre seus "inimigos". Sobrestimam a própria posição, cometem erros de cálculo e ficam surpreendidos quando, em consequência, a realidade se volta contra eles.

Diz Tucker Carlson que os Estados Unidos foram "dirigidos por algumas das pessoas mais estúpidas do planeta, para os quais a Rússia era apenas um '"posto de gasolina com armas nucleares". Impuseram sanções à Rússia, não conseguiram submetê-la e pelo contrário prejudicaram-se a eles próprios .

O governo Trump impôs recentemente uma tarifa de 50% sobre todos os produtos do Brasil (embora tenha um superávit comercial com aquele país). O Brasil é um país nacionalista, alérgico à interferência de potências estrangeiras. Qualquer um que o soubesse poderia ter antecipado a reação:

Para [o presidente] Lula, cujos aliados enfrentam eleições difíceis em 2026, o momento é uma dádiva. As sondagens mostram um apoio renovado ao seu governo diante do bullying de Bolsonaro nos EUA. As tarifas também prejudicam os interesses das elites empresariais, grandes apoiantes da oposição a Lula. 

O que deveria ser uma demonstração de força de MAGA transformou-se num presente político para Lula, apresentando-se como um símbolo da resistência nacional, deixando os opositores lutando entre a lealdade a Bolsonaro e os interesses económicos da própria base.

A guerra comercial dos EUA contra a China é outro ponto em que a falta de conhecimento sobre o adversário levou à perda da batalha. Quando Trump elevou as tarifas sobre as exportações chinesas em abril, acreditava que Pequim recuaria, supondo uma fraqueza económica. Em vez disso, Pequim respondeu limitando as terras raras necessárias aos fabricantes americanos de automóveis, equipamentos militares, dispositivos médicos e eletrónicos.

Quando o fluxo desses materiais parou, Trump e outros começaram a receber telefonemas de executivos-chefes dizendo que suas fábricas fechariam em breve. Ford, Suzuki e outras empresas fecharam fábricas devido à falta de componentes.
Trump e assessores ficaram surpreendidos com a ameaça representada pela contra-decisão de Pequim. Isso trouxe os EUA de volta à mesa de negociações para fechar uma frágil trégua comercial, que os EUA agora têm medo de alterar. Este acordo reduziu as tarifas de 145% para 30%, com os chineses concordando que as terras raras circulem como antes.

Trump e seus conselheiros não sabiam que a China tinha o monopólio de transformar as terras raras em ímanes, necessários para criar produtos americanos de alta tecnologia. Além disso, a China usou o pretexto dos EUA de "segurança nacional" para se voltar contra eles.

Trump já tinha no primeiro mandato visado a gigante chinesa de tecnologia Huawei e imposto restrições globais à tecnologia dos EUA. Biden expandiu essas regras: temendo a crescente capacidade de IA da China nas suas forças armadas, as exportações de chips da Nvidia foram canceladas.
Quando as autoridades chinesas levantam objeções aos controles de tecnologia dos EUA em reuniões, os EUA insistem que as medidas são questões de segurança nacional e não devem ser discutidas. Mas na reunião de Genebra em maio, a China teve um poderoso contra-argumento, insistindo que seus minerais e ímanes, são uma tecnologia de "uso duplo", usada nas indústrias militares, assim como IA e chips. Exigiram reciprocidade: se os EUA querem um fluxo constante de terras raras, Washington teria que estar preparado para reduzir seus controles tecnológicos.

A China recuperou o acesso aos chips da Nvidia e Trump tenta encontrar-se com o presidente chinês Xi. Claramente, a China venceu essa batalha. Certamente que existem no Departamento de Comércio ou de Estado, especialistas que sabiam que a China poderia retaliar. Mas os políticos americanos, sejam Obama, Biden ou Trump, são demasiado autoconvencidos para duvidarem do seu conhecimento sobre os oponentes. Assim, as batalhas que planeiam e lançam terminam inevitavelmente em fracasso.

Os Estados Unidos perderam batalhas de política externa uma após outra nos últimos 25 anos, esperava-se um momento em que a razão se estabeleceria e suposições realistas fossem feitas antes de se lançarem em novas aventuras. Talvez isso não vá acontecer mais.

Alguns dizem que os Estados Unidos estão numa posição de força: embora criem o caos ao perder essas batalhas, saem por cima. Na realidade, algumas pessoas beneficiam desses conflitos, mesmo perdendo-os, porém o país como um todo sai diminuído.

Fonte: Moon of Alabama

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